Cidade de PE é 1ª do país a dar a rios mesmos direitos de cidadãos

Fabrício Lobel, Folha de S. Paulo

Na transição da zona da mata e o agreste pernambucano, as serras verdes e as cachoeiras do município de Bonito têm direitos próprios reconhecidos, assim como os cidadãos.

No fim do ano passado, a lei orgânica da cidade que aposta no ecoturismo foi mudada para o reconhecimento do chamado direito da natureza. O município é o primeiro do país a encampar essa tese, que tem crescido no mundo com o apoio da ONU.

Para se ter uma ideia, em todo o território do Equador (desde 2008) e da Bolívia (desde 2010), os elementos da natureza têm direitos próprios. Baseado no mesmo pensamento, há um ano, o parlamento da Nova Zelândia conferiu ao rio Whanganui o status jurídico de uma pessoa.

Segundo Rawiri Tiriray, vice-presidente da entidade que cuida do rio Whanganui, desde o fim do século 19 as comunidades nativas da Nova Zelândia buscam o reconhecimento de direitos próprios da água. “A visão ancestral local é de que o rio é uma pessoa. Há uma narrativa tradicional que conta que a origem dos povos locais se deu a partir do rio. Para se ter uma ideia, há um provérbio que diz ‘não fale sobre o rio, converse com ele’. Por isso, sempre acreditamos nos direitos do rio. Esse não é um pensamento estranho para nós. Era estranho ao sistema legal apenas”, explica.

Na mesma época, na Índia, uma decisão da Justiça transformou o rio Ganges em uma entidade jurídica própria. Dias depois, outra decisão avançou no reconhecimento dos direitos das geleiras, lagos, cachoeiras e até do ar do Himalaia.

Pelo menos 13 pequenas cidades americanas, além de Pittsburgh, também têm leis do tipo. Em São Paulo, a Câmara Municipal também têm projetos de lei com o mesmo objetivo. A cidade deve receber ainda esse ano o 2º Fórum Internacional Pelos Direitos da Mãe Terra, com apoio do governo do estado.

O assunto também é um dos temas debatidos no 8º Fórum Mundial da Água, que ocorre em Brasília entre os dias 18 e 23 de março. Os direitos da natureza partem do princípio que os elementos do meio ambiente têm um direito inato à existência e ao desenvolvimento.

Para esta tese, o direito ambiental tradicional até hoje falhou ao enxergar a natureza apenas como uma posse da humanidade. Assim, a sua conservação do meio ambiente seria necessária para que a humanidade continue usufruindo dele no futuro.

Pela nova visão, dar direitos à própria natureza é uma forma de equalizar esse embate entre o homem e a Terra.

HIPPIE

Não por acaso, a tese do direito da natureza surgiu nos anos 70, década marcada pelo rápido crescimento do ambientalismo e ainda sob efeito da onda hippie. Em 72, um professor de direito americano, Christopher Stone, lançou o questionamento de se as árvores mereciam ter direitos.

Em 1989, outro professor de direito americano, Roderick Nash, defendia que assim como escravos e as mulheres lutaram e tiveram seus direitos reconhecidos, o mesmo aconteceria com a natureza.

Defensora do tema no Brasil e diretora da ONG MAPAS – Caminhos para a Paz, a advogada Vanessa Hasson concorda que a ideia talvez ainda pareça um tanto hippie. “É também filosófico, já que é de filosofia que precisamos para mudar paradigmas. Ainda assim, não é utópico, essa é uma mudança que já está acontecendo”, disse.

Segundo ela, diante de novo marco jurídico, é possível criar e cobrar políticas públicas que estão relacionadas com a vida em harmonia com a natureza. No eixo da economia, por exemplo, um dos objetivos é desenvolver práticas de economia criativa que sejam menos agressivas à Terra. Já na saúde, busca-se, por exemplo, destaque às políticas de saúde integrativa [popularmente conhecidas como terapias alternativas], reconhecidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), como reiki, acupuntura, aromaterapia, entre outras.

Imagem: No final de 2017, a cidade de Bonito (PE) foi a primeira no país a reconhecer o direito de seus recursos naturais, ao alterar a lei orgânica do município – Xande produções.

Enviado para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.

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