Projeto pede a retirada da proteção de centenas de áreas preservadas no Brasil

Projeto de lei quer extinguir, em até cinco anos, os decretos de criação das Unidades de Conservação que não tenham concluído seus processos de regularização fundiária. Minas Gerais, por exemplo, pode perder pelo menos 40 dessas unidades

Em Lei.A

Já imaginou se aquele parque onde você aprendeu a amar a natureza simplesmente desaparecesse? É o que pode acontecer caso o projeto de lei 3751 for aprovado – fato que todos nós podemos impedir se cobrarmos dos deputados e governantes. Considerado uma das maiores ameaças às áreas que asseguram hoje a proteção das águas e da biodiversidade no Brasil, o projeto quer suspender os decretos de criação de todas as Unidades de Conservação de domínio público que não tenham concluído os processos de indenização dos proprietários situados dentro destas áreas em até cinco anos. E em Minas Gerais, o estrago pode ser gigantesco.

Segundo levantamento realizado pelo Lei.A, pelo menos 40 unidades de conservação estaduais se enquadram nestas condições e poderiam ser extintas em Minas se a lei começar a valer (confira abaixo). Juntas, elas asseguram hoje a proteção de nascentes, florestas e espécies ameaçadas em uma área equivalente a 365.934 campos de futebol, ou o equivalente a 11 vezes o território de Belo Horizonte.

São, pelo menos, 29 Parques Estaduais, oito Estações Ecológicas, uma Floresta Estaduale dois Monumentos Naturais pendentes de regularização fundiária no Estado (saiba detalhes sobre cada uma dessas áreas em nosso glossário, abaixo). As informações constam do Mapa de Unidades de Conservação do Instituto Estadual de Florestas (IEF), que serviu de base para o levantamento, e partem da interpretação de que o texto abre brechas que permitiriam a aplicação da lei a unidades de conservação já existentes.

E você? Quer se mobilizar e influenciar para que os deputados e governantes decidam de acordo com o seu pensamento? Veja o você pode fazer:

  • Mandar um recado para os deputados federais da Comissão de Finanças e Tributação, que decidirão se o projeto pode seguir avançando na Câmara dos Deputados. Neste link (https://goo.gl/P9u8nc), no site da Câmara, você pode conferir quais são os deputados e mandar seu recado diretamente para cada um deles, por e-mail ou por telefone. Basta clicar no nome do deputado.
  • Enviar uma mensagem ou ligar para a Casa Civil da Presidência da República, já que a lei terá que ser sancionada pelo presidente caso seja aprovada na Câmara – O telefone é (61) 3411-1573 e o endereço de e-mail é [email protected].
  • Você também pode entrar em contato com o deputado Toninho Pinheiro (PP-MG), que apresentou a proposta e pode, se quiser, retirar o projeto de pauta. O telefone de contato é (61) 3215-5584 e o e-mail de contato  [email protected].

Risco pode ser ainda maior

O levantamento realizado pelo Lei.A tem como base o Mapa das Unidades de Conservação elaborado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), no qual constam todas as áreas protegidas do Estado que exigem processos de regularização fundiária. A última atualização realizada pelo IEF ocorreu entre os anos de 2014 e 2016, de modo que atualizações pontuais podem ter sido realizadas. O Lei.A submeteu a lista para validação do IEF, mas não recebeu resposta até o fechamento desta matéria.

Além das 40 unidades de conservação citadas nesta reportagem, o Lei.A identificou outras 18 unidades de conservação que o IEF apresenta como “áreas a verificar” e para as quais não soube precisar se a regularização está concluída ou não. São quatro Refúgios da Vida Silvestre, uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável, 10 Monumentos Naturais e três Parques Estaduais que totalizam uma área adicional equivalente a 88.204 campos de futebol e que também podem estar em risco.

Este levantamento também não considerou as unidades de conservação federais presentes em Minas que têm pendências em relação à regularização fundiária. O Lei.A enviou uma solicitação de informação sobre o tema ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), mas também não recebeu resposta até o fechamento desta matéria.

Confira, na íntegra, a lista de Unidades de Conservação Estaduais ameaçadas de desaparecer caso a lei comece a valer. Você também pode acessar a plataforma do Lei.A e ver se alguma delas está no seu município. É só digitar o nome da sua cidade clicando aqui.

Lista de Unidades de Conservação Estaduais pendentes de regularização fundiária

Regional Alto Médio São Francisco

Parque Estadual Lagoa do Cajueiro

Parque Estadual Mata Seca

Parque Estadual Serra das Araras

Parque Estadual Verde Grande

Parque Estadual Veredas do Peruaçu

Regional Centro Norte

Parque Estadual Serra do Cabral

Parque Estadual do Sumidouro

Regional Centro Oeste

Estação Ecológica Corumba

Estação Ecológica Mata do Cedro

Regional Centro-Sul

Estação Ecológica Aredes

Estação Ecológica Cercadinho

Estação Ecológica Tripui

Floresta Estadual Uaími

Monumento Natural Serra da Moeda

Monumento Natural Serra do Guambá

Parque Estadual do Itacolomi

Parque Estadual Mata do Limoeiro

Parque Estadual Serra do Ouro Branco

Parque Estadual Serra do Rola Moça

Regional Alto Jequitinhonha

Estação Ecológica Mata do Acauã

Estação Ecológica Mata dos Ausentes

Parque Estadual Biribiri

Parque Estadual do Rio Preto

Parque Estadual Serra do Intendente

Parque Estadual Serra Negra

Parque Estadual Pico do Itambé

Regional Mata 

Estação Ecológica Mar de Espanha

Parque Estadual Serra do Brigadeiro

Regional Noroeste

Parque Estadual Paracatu

Regional Norte

Parque Estadual Grão Mogol

Parque Estadual Lapa Grande

Parque Estadual Montezuma

Parque Estadual Serra Nova

Regional Rio Doce

Parque Estadual Rio Corrente

Parque Estadual Serra da Candonga

Parque Estadual Sete Salões

Regional Sul

Parque Estadual Nova Baden

Parque Serra da Estadual Boa Esperança

Regional Triângulo

Ameaçadas

Parque Estadual Pau Furado

 A verificar

Refúgio da Vida Silvestre Rio Tijuco e Rio da Prata

Projeto viola a constituição

Proposto pelo deputado federal Toninho Pinheiro (PP-MG), o projeto de lei 3751 já foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados e aguarda  avaliação da Comissão de Finanças e Tributação.

Apoiadores da proposta alegam que os produtores rurais situados em unidades de conservação de proteção integral acabam penalizados porque não podem usufruir da propriedade ao mesmo tempo em que não recebem as indenizações. Quem é contra a medida argumenta que o direito da coletividade deve se sobrepor ao direito individual dos proprietários, já que as unidades conservação, além de garantirem a sobrevivência de milhares de espécies ameaçadas, também asseguram serviços vitais para a sociedade.

“As pessoas ainda não ligam a água que sai das torneiras às Unidades de Conservação”, disse ao Lei.A a coordenadora da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA), Maria Dalce Ricas. Entre outros motivos que justificam a existência de uma área protegida, ela cita benefícios como a recreação e o turismo, a regulação do clima e das chuvas e a vida, em si mesma, de milhares de outras espécies. “É um chamado ético. As Unidades de Conservação protegem mostras pequenas, porém, significativas da biodiversidade. Mesmo assim, apenas 1,98% do território mineiro é coberto por unidades de conservação de proteção integral, número que pode diminuir ainda mais se este projeto for aprovado”, alertou.

Também opositor da medida, o Ministério Público Federal (MPF) divulgou uma nota técnica na qual avalia que o projeto viola expressamente o artigo 225 da Constituição, segundo o qual “a supressão de unidades protegidas são permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.

O texto é assinado pelo coordenador da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF, Nivio de Freitas Silva Filho, que também esclarece que o ato de criação de uma Unidade de Conservação, em si, não altera o direito de propriedade dos donos de terras localizadas nessas áreas protegidas. Ou seja, ainda que venha a ser criada a unidade, o direito do proprietário permanece até que seja feito o devido pagamento de indenização.

“A omissão estatal na regularização fundiária de propriedades situadas no interior de unidades de conservação pode ser atacada pelas vias judiciais adequadas, como ocorre com o ajuizamento de ação de desapropriação indireta pelo proprietário ou com a propositura de medida judicial voltada a obrigar o Estado a destinar os recursos oriundos de compensação ambiental à regularização fundiária”, conclui.

Já para o deputado federal Toninho Pinheiro, que propôs a medida, “a criação de unidade de conservação sobre propriedade privada sem que o proprietário seja imediatamente indenizado, mediante prévio pagamento em dinheiro, como manda a Constituição, é ilegal e injusta e gera um grave problema social”. Você pode conferir a íntegra da justificativa do deputado aqui.

Desdobramentos

Ainda de acordo com o projeto de lei, o poder público não poderá mais criar Unidades de Conservação a não ser que disponha, no ato da criação, de orçamento para eventuais regularizações fundiárias. Segundo a ONG WWF, este é um dos principais problemas do projeto, pois o governo só dispõe de recursos para indenizações desse tipo depois que o Congresso Nacional aprova o Orçamento da União.

Segundo nota técnica do Ministério do Meio Ambiente (MMA) ao PL 3751, “não há como fazer previsão orçamentária adequada para algo que ainda não existe. E depois que a unidade é decretada, ter orçamento para indenizar todas as terras privadas eventualmente incluídas nos seus limites depende diretamente do Congresso, que tem o poder de aprovar o orçamento”, alertou.

Em Minas Gerais, por exemplo, o orçamento previsto pelo Governo do Estado para a “regularização fundiária de Unidades de Conservação” é de apenas R$ 40 mil para o ano de 2018. Uma emenda de mais R$ 6 milhões para a área chegou a ser proposta durante a votação do Projeto de Lei Orçamentária Anual no fim do ano passado, mas foi reprovada pelos deputados estaduais. (Veja mais informações sobre o orçamento ambiental do Governo de Minas aqui).

Glossário:

Parques Estaduais – Têm como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

Estações Ecológicas – O objetivo das estações é preservar a natureza e ser um espaço para a realização de pesquisas científicas. Nelas, é proibida a visitação pública, exceto quando com objetivo educacional. A pesquisa científica depende de autorização prévia do IEF.

Floresta Estadual – É uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas.

É admitida a permanência de populações tradicionais que a habitam quando de sua criação. A visitação pública é permitida, de acordo com algumas normas estabelecidas. A pesquisa é permitida e incentivada.

Monumento Natural – Tem como objetivo básico preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica. Pode ser constituído por áreas públicas e particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários. A visitação pública pode ser realizada de acordo com normas estabelecidas anteriormente.

Imagem: Parque do Sumidouro. Créditos: Evandro Rodney/IEF

Enviado para Combate Racismo Ambiental por Alenice Baeta.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

quinze − um =