Ao agir como ‘xerife de faroeste’, Moro faz de Lula um mártir. Por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

O juiz federal Sérgio Moro surpreendeu não apenas a defesa do ex-presidente Lula, ao expedir a ordem de prisão menos de um dia após o Supremo Tribunal Federal negar-lhe um habeas corpus, mas a própria Polícia Federal. E, com isso, não teve sua demanda realizada exatamente como desejava.

Temendo que o ex-presidente Lula conseguisse uma decisão liminar favorável no processo que discute o fim da execução provisória de pena após condenação em segunda instância, a ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal na semana que vem, o juiz expediu a ordem de prisão de Lula, nesta quinta (5).

Ou seja, menos de um dia após o Supremo Tribunal Federal ter negado o habeas corpus a Lula, em uma sessão tensa, decidida por 6 a 5. E menos de 20 minutos após o Tribunal Regional Federal da 4a Região publicar que não cabiam mais recursos à decisão contra o ex-presidente.

Moro, no melhor estilo de filme de Faroeste, demandou que Lula se apresentasse espontaneamente no condado do xerife até o cair do sol do dia seguinte. Ou seja, na sede da PF, em Curitiba, até às 17h de hoje.

O juiz federal poderia ter expedido o mandado sem detalhamento de como, onde ou quando seria feita a apresentação de Lula e deixar a Polícia Federal resolver o resto – que consideraria todas as variáveis de um caso complicado e combinaria com a defesa do ex-presidente. Moro sabia que não havia risco de fuga. Preferiu garantir que Lula fosse preso antes da análise da liminar sobre a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADCs), que pode garantir sua soltura. Mas criou um problema para a PF.

Lula havia indicado, várias vezes, que iria para o meio de seus simpatizantes, sua militância e seus correligionários ao ter a prisão decretada. Qualquer operação que viesse tentar retirar o ex-presidente do prédio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, onde se instalou logo após a decisão de Moro, rodeado por milhares de pessoas, poderia ter consequências desastrosas. Lula disse que se entregaria, mas queria ser preso pela PF no sindicato.

A Polícia Federal se esforçou para convencer que tudo estava pronto para receber o hóspede ilustre em sua sede em Curitiba. Mas não havia um plano de contingência do que fazer no caso óbvio de que Lula não aceitasse o ”convite” de Moro para ir espontaneamente à capital do Paraná a fim de dar início ao cumprimento de sua pena.

E, ao longo do dia, apareceram comentaristas na imprensa afirmando que uma ”falta de colaboração” de Lula poderia significar problemas futuros às suas reivindicações a cortes superiores. Ou mesmo um pedido de prisão preventiva por qualquer uma das outras acusações a ele imputadas pelo fato dele não ter se apresentado.

Ao mesmo tempo, abundaram notícias mostrando que Lula teria acesso a um quarto com banheiro privativo, como deferência por ser um ex-presidente preso. E que poderia perder a ”regalia” caso se negasse a comparecer, nesta sexta, até às 17h, na PF.

Depois de consultar seus advogados (que eram a favor dele se entregar hoje) e lideranças partidárias, sindicais e de movimentos sociais (que estavam divididas a respeito disso), Lula resolveu ficar. E coube a essas lideranças informarem nos alto-falantes dos carros de som e nas entrevistas aos colegas jornalistas que ele não estaria descumprindo ordem judicial, uma vez que apenas recusou a demanda por apresentação de maneira voluntária.

Em outras palavras, disse a Moro: venha me pegar.

Lula queria que o registro de imagem que ficasse para a posteridade fosse a de um líder de massas, protegido pelo povo, retirado à força de dentro do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (local considerado um dos símbolos da luta pela redemocratização do país), pelas mãos da polícia. E não as imagens de um Lula cabisbaixo, entrando e saindo de aviões e carros da Polícia Federal, minuciosamente gravadas por câmeras que receberiam, com antecedência, o roteiro por onde passaria. Portanto, queria ter controle da narrativa de sua prisão, mesmo que isso seja negativo do ponto de vista jurídico.

(Por curiosidade mórbida: ”homens e mulheres de bem” pipocaram pedidos para que o Batalhão de Choque entrasse, matasse Lula e quantos manifestantes pudesse. Há também quem pediu a presença de atiradores de elite do Exército a fim de acabar com tudo em um único tiro.)

A Polícia Federal ficou no meio do impasse. E, muito conscientemente, afirmou que não iria entrar na sede para buscar Lula. Ou seja, não será o que Lula quer, mas tampouco o que Moro desejava, como explicaram líderes do PT no sindicato. A instituição e os advogados do ex-presidente negociaram como será a apresentação – que pode vir após uma missa em homenagem à Marisa Letícia, esposa de Lula, que faria aniversário neste sábado, no próprio sindicato. Ou na segunda (9).

De um lado, o PT quer passar a imagem que a Lava Jato foi desafiada. De outro, os advogados de Lula tentam obter qualquer coisa no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal que beneficie seu cliente.

Lula foi condenado a cumprir uma pena de mais de 12 anos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Sua defesa segue afirmando que ele é inocente e que o juiz não conseguiu apontar qual o ato de ofício, ou seja, qual ação corrupta teria praticado envolvendo a Petrobras e a OAS que teria levado a ele ”ganhar” o apartamento triplex do Guarujá.

Considerando que Lula poderia ter garantido sua liberdade provisória se o plenário do Supremo tivesse analisado o caso de repercussão geral e não o seu pedido de habeas corpus (o que teria acontecido não fosse a estratégia adotada pela presidente do tribunal, Cármen Lúcia), teria sido mais sábio ao juiz Sérgio Moro evitar decisões apressadas.

Elas podem alimentar a desconfiança de que a Lava Jato, no que pese os ganhos trazidos por ela no combate à corrupção do país, é um seletivo jogo de cartas marcadas e segue uma agenda – que não é necessariamente a da Justiça e do bem público.

Ato contra a prisão de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Foto: Leonardo Sakamoto

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