A juventude indígena de Roraima quer mudança, quer dar continuidade à luta das lideranças indígenas

Por Mayra Wapichana, CIR

As lideranças indígenas sempre estiveram na linha de frente da luta, sobretudo os líderes que fundaram o movimento indígena, um movimento que já existe há mais de 40 anos, agora tem novos aliados, a juventude indígena, que acompanha e encara o desafio de fazer juntos com as lideranças a gestão dos territórios e garantir os direitos indígenas duramente conquistados na Constituição Federal Brasileira de 1988.

Entre as suas diversas expressões de luta da juventude indígena, um dos mais expressivos é o de que “a juventude indígena quer mudança, quer dar continuidade à luta das lideranças indígenas”, segundo a coordenadora regional da juventude da região Amajari, Rosely Marques, da comunidade indígena Araçá. Para este importante fortalecimento da juventude indígena de Roraima, esse ano, a 47ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima dedicou para a juventude o tema “Fortalecendo a Juventude para uma Organização Forte em Defesa dos Direitos”, ocasião em que marca também a própria coordenação geral do CIR que, mais uma vez, está na gestão de uma coordenação jovem.

Durante a Assembleia, houve um momento dedicado para que a juventude expressasse seus sonhos, vontades e assumir compromisso com suas comunidades indígenas, lideranças e, principalmente, consigo. O compromisso de fortalecer o movimento da juventude indígena e fortalecer a organização social das suas comunidades indígenas, seja no contexto territorial, saúde, educação, sustentabilidade e outros desafios coletivos dos povos indígenas de Roraima.

Participaram da mesa de debate, coordenadores regionais e representantes dos jovens indígenas das regiões, Amajari, Serra da Lua, Tabaio, Murupu, Raposa, Baixo Cotingo, Surumu, Serras e Wai-Wai. Na ocasião, informaram sobre as atividades realizadas nas regiões com pautas voltadas para a juventude indígena e as perspectivas de um movimento juvenil mais atuante nas bases.

O Coordenador regional dos jovens da região Serras, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, Josemilson Bezerra, Macuxi, Tuxaua da comunidade indígena Pedra Branca, participante de várias atividades para a juventude tanto em nível local quanto nacional e internacional, como a Jornada Mundial da Juventude, a última ocorrida na Polônia, disse que aos poucos a juventude vem fortalecendo o trabalho deixado pelas lideranças e que o desejo é trabalhar junto com as lideranças. “Nós queremos trabalhar junto com as lideranças tradicionais e a juventude atual”, reforçou Josemilson, coordenador dos jovens de uma das regiões mais populosas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com mais de 12 mil indígenas, 72 comunidades e cinco povos.

Para o jovem e representante da região do Tabaio, Cirilo Roberto de Souza, Macuxi, da comunidade indígena Raimundão I, vice – coordenador da juventude, a expectativa não é diferente e durante a sua fala reconheceu a luta das lideranças indígenas que fundaram o movimento indígena. “É um prazer imenso estar nesta Assembleia, conhecer as nossas lutas, raízes. Hoje, nós jovens só temos o que agradecer por tudo o que os senhores conquistaram. Passaram fome, foram ameaçados, muitos se foram, mas nós estamos aqui para continuar os trabalhos que vocês fizeram há muito tempo atrás”, reconheceu Cirilo, “a luta dos Tuxauas”, como é sempre dito.

“Hoje, conheço um pouco da luta dos povos indígenas de Roraima e a cada vez que conheço a luta, me sinto orgulho de ser Macuxi do estado de Roraima. É aqui que estou aprendendo com os senhores, aqui que estamos construindo o nosso caminho de trabalho junto à base”, disse Cirilo ao citar reuniões Ampliadas e Assembleias, eventos de debates e deliberações das lideranças indígenas, ocasiões de vivência e aprendizado do que é ser uma liderança indígena.

“Como nossos Tuxauas falaram que a nossa segunda luta é a língua materna e isso será um desafio porque há muitos jovens que não sabem mais a sua língua”, comentou Cirilo preocupado com a realidade de que muitos jovens não falam mais a sua língua tradicional.

“Nós somos ricos, vamos usar a nossa terra, trabalhar, produzir e sustentar o nosso povo”, concluiu Cirilo, com apenas oito anos de movimento indígena, segundo ele, já com uma visão de uma liderança da atual geração.

Líderes indígenas como Clovis Ambrósio, Waldir Tobias, Alcides Constantino e outros, tiveram a oportunidade de presenciar esse momento histórico para a juventude indígena de Roraima.

Entre a timidez e a coragem de falar, expressar, contribuir com a luta, o jovem e coordenador da juventude da região da Serra da Lua, Lázaro Alexandre da Silva, Wapichana, da comunidade indígena Pium, refletiu sobre um dos princípios mais fortes de toda caminhada, de o jovem indígena não ultrapassar o trabalho das lideranças indígenas, mas sim de dar continuidade.  “A gente não quer ultrapassar as lideranças, queremos dar continuidade. Amanhã, as lideranças podem não estar mais entre nós. Somos o futuro de hoje e não de amanhã”.

Contrapondo o questionamento de que a juventude não quer participar do movimento, só quer saber de bebedeira, das drogas, Lázaro é consciente de que é necessário tirar os jovens dessa realidade e mostrar o caminho da luta e do movimento indígena. Para isso, o mesmo está engajado no movimento indígena.

Alexandre também alertou para a valorização da luta das lideranças que lutaram para conquistar a terra. “Quantas vezes as nossas lideranças já sofreram, derramaram sangue para conquistar a demarcação do nosso território”, refletiu Lázaro sobre o fortalecimento da própria comunidade indígena no movimento indígena.

Josias Lima Cunha, Macuxi, da comunidade indígena Camará, coordenador da juventude do Baixo Cotingo, também valoriza que o foco inicial é primeiro ouvir as lideranças, saber o que conquistaram para que a atual geração possa dar continuidade. “Penso que o foco inicial é ouvir nossas lideranças e o que eles conquistaram, para que nós, jovens, possamos dar essa continuidade”, disse Josias, um dos jovens que participou do primeiro encontro da juventude indígena do estado de Roraima, ocorrido no ano de 2010, em Boa Vista.

Uma das reflexões mais profundas que a Assembleia pôde ouvir veio da coordenadora regional dos jovens, Carla Jarraira, da comunidade indígena Raposa I, Macuxi, referindo-se como sendo uma semente boa que está germinando no movimento indígena. “Eu sou uma semente boa germinando nesse movimento e com certeza os meus frutos também serão bons. Estou preparada para encarar essa barra”, afirmou Carla que, segundo ela, sem muita experiência, mas com a força da juventude de hoje, a história tende a mudar, alias, já está mudando.

O diálogo da juventude indígena também envolveu o povo indígena Wai-Wai que ainda não tem um movimento da juventude organizado, mas também sofrem problemas, segundo o representante do povo Wai-Wai na Assembleia, Fernandinho Wai-Wai, da comunidade indígena Jatapuzinho, que falou da preocupação dos jovens estudarem nas sedes dos municípios, “uma realidade que é negativa”, segundo Fernandinho. Fernandinho deixou encaminhado que levará os jovens Wai-Wai para participar e aprender com os demais jovens regionais e juntos lutarem pela defesa dos direitos.

Outra voz feminina no movimento da juventude indígena veio da região Surumu, com a coordenadora dos jovens, Liliane Lima, Macuxi, da comunidade indígena Barro, que reafirmou a caminhada junto com as lideranças indígenas. “Quero dizer que estamos para lutar, caminhar e dar continuidade no que vocês estão deixando para nós. Queremos fortalecer a luta, encarar e defender os nossos direitos, porque somos capazes”, reafirmou Liliane, sobre a atual perspectiva da juventude indígena de Roraima.

Às vésperas da 47ª Assembleia, os jovens coordenadores se reuniram na sede do CIR, nos dias 7 e 8, para avaliar o andamento da programação da Assembleia da Juventude e avaliar os trabalhos nas regiões. Nayandre Nagelo, Macuxi, da comunidade indígena Morcego, coordenadora regional do Murupu, disse que, como jovem, hoje, está buscando por este espaço para mostrar que também é capaz de lutar junto com os Tuxauas, coordenadores. “É importante a gente participar, buscar o fortalecimento da juventude, para lutar pelos nossos direitos que estão ameaçados e saber enfrentar os problemas do entorno das nossas comunidades indígenas”, destacou Nayandre, citando como exemplo o problema da plantação de acácia e mais recente, a plantação de soja, que deverá afetar a sua comunidade indígena.

Depois da Assembleia, a juventude indígena não parou. Tornaram a sede do CIR a sua segunda casa, ou primeira, pois é o local onde muitos têm passado a maior parte do tempo discutindo e construindo novos caminhos para as suas comunidades indígenas, buscando fortalecer o que já existe, além de participar de várias atividades regionais, como a Assembleia dos Jovens Indígenas da Região do Baixo Cotingo, realizada nesta semana, 9 e 10 de abril, na comunidade indígena da Serrinha e a XXV Assembleia Estadual dos Professores Indígenas de Roraima, que também acontece nesta semana, 11 a 14, na comunidade indígena Três Corações, na Terra indígena Araçá, região Amajari.

Desde o ano passado, os coordenadores regionais de juventude tem trabalho na organização da 5ª Assembleia Estadual da Juventude Indígena de Roraima, programada para o mês de maio, no período de 24 a 27 de maio, no Centro Regional Lago Caracaranã, região da Raposa, Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Para a Assembleia, os jovens também se preparam para a eleição do

atual coordenador estadual da juventude indígena de Roraima, onde concorrem ao cargo, os jovens indígenas, Daniel Nagelo, Macuxi, da comunidade indígena Morcego, região Surumu, Rosely Marques, Macuxi, da comunidade indígena Araçá, região Araçá, Cirilo Roberto de Souza, Macuxi, da comunidade indígena Raimundão I, região do Tabaio e Josias Lima, Macuxi, da comunidade indígena Camará, região do Baixo Cotingo.

Outra expectativa gira em torno do funcionamento do Núcleo da Juventude Indígena dentro da estrutura organizacional do CIR, aprovado pelas lideranças indígenas, há mais de dois anos. O funcionamento já consta no planejamento de 2018 do CIR, que desde o ano passado, através da coordenação geral vem acompanhando e dando apoio a trajetória dos jovens indígenas.

Diante de tanta ameaça e retrocessos dos direitos indígenas, ataques constantes tanto em nível local quanto nacional, a expressividade demostrada pela juventude indígena é o que renova e fortalece o movimento indígena de Roraima, um movimento que sempre foi e continua sendo referência de luta para outros povos indígenas e regiões do Brasil. Um movimento indígena que a cada diz se mostra com um rosto jovem, cheio de coragem, sabedoria e resistência de lutar pelos direitos indígenas, sobretudo de lutar pelo bem viver do seu povo e das suas comunidades indígenas, seja na saúde, educação, sustentabilidade e outras garantias de vida plena e justa.

Foto: Mayra Wapichana

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