Rolo compressor da bancada ruralista atropela general na Funai

Por Vandré Fonseca, na Amazônia Real

O pedido de exoneração do general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas é mais uma demonstração de que a Bancada Ruralista manda na política indigenista do país. E isso é mais preocupante do que a mudança de nomes frente a instituição, segundo avaliam lideranças indígenas ouvidas pela Amazônia Real.

Franklimberg pediu demissão na noite de quinta-feira (19), antecipando-se a exoneração que já estava decidida pelo governo do presidente Michel Temer. A portaria ainda não foi publicada no Diário Oficial da União. Segundo o Estadão, a bancada ruralista indicou o nome do economista Wallace Moreira Bastos, que é subsecretário de Assuntos Administrativos do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil.

Nesta sexta-feira (20), a Funai publicou em seu site que ontem à tarde Franklimberg comunicou a demissão aos servidores. Na ocasião, ele agradeceu o trabalho desempenhado pelos funcionários e disse que tinha aprendido com eles, mas destacou que enfrentou dificuldades, sem dizer quais eram. “Me sinto muito seguro em falar sobre o que é a Funai e defender o trabalho de vocês para quem quer que seja. Eu só tenho a agradecer a vocês essa experiência. Encontrei dificuldades, mas sempre pensei positivamente. Assim que recebi essa incumbência, fiquei muito orgulhoso”, disse o general.

Antecipando também a indicação às pressas do governo, Franklimberg trocou seu substituto imediato, dispensando Francisco José Nunes Ferreira, que era cotado para ser presidente da Funai pelos ruralistas, e nomeou o antropólogo Rodrigo Paranhos Faleiro. Ele ocupava a Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável do órgão desde meados do ano passado.

Além de ocupar um posto estratégico para Franklimberg, pois trata de projetos de desenvolvimento, Rodrigo acompanhou o presidente durante negociações com índios Waimiri-Atroari, para liberação dos estudos ambientais para extensão do Linhão de Tucuruí até Roraima. A obra é motivo de polêmica entre índios e ruralistas.

Rodrigo Paranhos participou da despedida do general e destacou a importância do órgão indigenista. “Defendo que a Funai tem que voltar para a terra indígena, no sentido de estar mais presente no diálogo com os índios. A Funai é uma instituição forte e a gente pode fazer ela crescer. No que precisarem, vocês podem contar comigo.”

Além de enfrentar a bancada ruralista, o general tinha disputas internas. A indicação de Francisco José Nunes Ferreira, atual diretor de Administração e Gestão da Funai, tinha apoio da diretora de Proteção Territorial, Azelene Inácio (líder indígena Kaingang de Santa Catarina), também ligada aos ruralistas. Mas tanto Francisco como Azelene são alvo de protestos desde em 2017. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) faz acusações contra os dois de suposto desvio de recursos do monitoramento de terras indígenas. Eles negam. (Leia sobre o assunto mais embaixo do texto)

Outro nome que seria de interesse da bancada ruralista, como apurou a reportagem, é o do marido de Azelene Inácio, Ubiratan de Souza Maia, conhecido como Bira Wapichana (de Roraima). Bira já tinha sido cotado também para assumir à Funai quando foi exonerado o pastor evangélico Antônio Fernandes Toninho Costa, em maio do ano passado.

O governo optou em nomear Franklimberg, então Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, para assumir à presidência. O general da reserva do Exército foi indicado pelo hoje líder do governo no Congresso Nacional, deputado André Moura (PSC-SE), e recebeu o aval do senador Romero Jucá (MDB-RR). Agora, Moura se articula para levar Wallace Moreira Bastos da pasta dos Transporte à Funai. Economista, no currículo dele não há nada que remeta trabalhos na área indigenista. O que significa que o controle da fundação continua com o PSC.

Desmonte da Política Indigenista

A saída do general Franklimberg Freitas repercutiu negativamente entre as lideranças indígenas, que se preparam para a maior mobilização, o Acampamento Terra Livre (ATL), que começa na próxima segunda-feira (23), em Brasília.  “Nós ficamos preocupados porque o próprio noticiário anuncia que é uma reivindicação da Bancada Ruralista”, afirma o coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá.

Na terça-feira (17), Dinamam esteve em uma reunião com Franklimberg, para tratar do ATL e um possível encontro com o ministro Torquato Jardim, durante as manifestações. Porém, o ministro estará em Paris na próxima semana, portanto não irá receber representantes dos indígenas na semana que vem, segundo o líder da Apib.

Dinamam diz que o presidente da Funai demonstrou, na reunião, que sabia que a sua exoneração estava em andamento pelo governo e que a portaria poderia ser publicada na próxima semana. “Ele sabe que existe a reivindicação da Bancada, mas ele próprio não sabe em que pé está”, conta Dinamam. “Não está muito claro se nesse meio tempo ele vai se articular com as pessoas que colocaram ele lá, que não fomos nós.”

Para a coordenadora geral da Coordenação dos Povos Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Nara Baré, pior do que a mudança de nomes, o grande problema é o desmonte da Funai e uso político de cargos na instituição pela Bancada Ruralista.

“Ele entrando ou saindo não vai mudar a forma como a Funai está hoje”, afirma a líder indígena. “Quem for indicado precisa ler conforme a cartilha e quem está por trás, não só do Franklimberg, mas de vários outros que ocupam cargos comissionados na Funai, é a Bancada Ruralista”, completa.

Marcos Apurinã, líder indígena na região do Rio Purus, Amazonas, concorda que, caso a mudança se concretize, quem assumir a Funai terá dificuldades em atender as reivindicações do movimento indígena. Ele denuncia que cargos na Funai e na Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai) são usados para barganha política entre partidos que apoiam o governo Temer.

“Essas pessoas não pensam em prol dos direitos dos povos indígenas, então é algo que vai atacar ou violentar os povos indígenas”, avalia o líder indígena. “Quem tiver interesse em fazer algo mínimo para os povos indígenas, esse governo vai tirar”, sentencia.

A história se repete

O sócio-fundador do Instituto Socioambiental, Márcio Santilli, lembra que o presidente anterior da Funai, Antônio Costa, que também havia sido indicado pelo PSC (mesmo partido de Franklimberg), foi exonerado por razões parecidas, não atender totalmente a interesses políticos. Entre as pressões que ele teria sofrido, estava a tentativa de forçar a nomeação política de coordenadorias da Funai.

“Não tem presidente da Funai que saia pelos seus defeitos, saem por suas qualidades”, afirma Santilli. “A gente está entendendo que foi uma atitude de provocação da bancada ruralista, que o governo topou, que acabou criando esse impasse no pior momento possível para o próprio governo”, avalia.

Ele lembra que o Acampamento Terra Livre, uma grande mobilização com delegações de vários estados brasileiros em Brasília. “Obviamente, essa atitude da Bancada Ruralista e do governo vai repercutir”, prevê o sócio-fundador do ISA.

Militarização na Funai

O general Franklimberg Ribeiro de Freitas assumiu a presidência da Funai em maio do ano passado, que é do PSC, sob protestos do movimento indígena. As organizações temiam que a indicação de um general significasse a militarização do órgão.

Na época, a Apib divulgou uma nota de repúdio à nomeação e acusando o governo federal de aparelhar, ou seja, usar para fins políticos e eleitorais, a Funai.

Agora, após ter passado quase um ano, os índios diminuíram o tom, mas continuam críticos em relação a Franklimberg. Para Dinamam, durante a presidência do general, não houve avanços na garantia dos direitos indígenas, principalmente na demarcação de terras. Além disso, há embates em relação do modelo de desenvolvimento pretendido pela presidência, que contrasta com a visão das organizações indígenas.

“Ele tinha um posicionamento desenvolvimentista, de que índio tem que seguir o modelo da agricultura capitalista”, crítica Dinamam. “Esse modelo que ele queria, do agronegócio, deixava a gente incomodado. Ele não pensava no desenvolvimento sustentável, mas capitalista”, completa o líder indígena.

Marcos Apurinã lembra que foi um dos críticos da nomeação do general para a Funai. Mas para o indígena, e apesar de ser indicado pelo PSC, partido ligado a igrejas evangélicas, o atual presidente da Funai é uma pessoa que conversa com o movimento indígena.

Apurinã avalia que esse é o pior momento para os índios dos últimos 30 anos. “É um momento em que se reduzem os direitos, não executam as leis e ameaçam as conquistas que tivemos sobre o que nos é mais sagrado, nosso território”, afirma.

Durante a gestão de Franklimberg Freitas o órgão recebeu denúncias de dois supostos massacres de índios isolados no Amazonas, mas não esclareceu o que aconteceu até o momento. Índios de recente contato do rio Xinane estão vivendo em situação vulnerável na periferia de Rio Branco, no Acre, e o órgão também não se pronunciou. Veja aqui.

Pressão Ruralista

A pressão da Frente Parlamentar de Apoio à Agropecuária (FPA) sobre Franklimberg é traduzida em notas do site O Antagonista, que rapidamente reproduziu a notícia divulgada pelo Estadão. Em março, o site já havia afirmado que o general deixaria a presidência do órgão “nos próximos dias”. Em nota anterior, de janeiro, o site afirmava que “mais de 170 lideranças” haviam entregue ao presidente Michel Temer um ofício pedindo a “exoneração  imediata” do general.

Essas informações foram usadas pela Bancada Ruralista como argumento para a exoneração. A Nota da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) cita ainda informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre conflitos no campo e o crescimento da mortalidade infantil entre indígenas para justificar a mudança na Funai.

“Não sabemos se isso é real. Eu não conheço essas 170 lideranças que pedem a exoneração do presidente”, estranha Marcos Apurinã. “Nós gostaríamos de saber quem são essas pessoas, fazer uma lista e ver quem são elas. Porque se essas pessoas estão falando em nome de populações indígenas do Brasil, isso não procede”, completa a liderança indígena.

Nara Baré também questiona a lista citada pelos ruralistas. “Hoje, tem muitos oportunistas aparecendo”, acusa. “Se a carta não partir das nossas organizações, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a gente não comunga. Porque hoje os próprios ruralistas criam lideranças. Que lideranças são essas, de que território?”, questiona.

De acordo com o site O Indigenista, publicado por servidores da Funai, há uma disputa política entre Franklimberg e Francisco Nunes Ferreira, que estaria agindo em favor de interesses partidários e queria a presidência da Funai. A agência Amazônia Real confirmou que o nome de Ferreira está na lista de filiados do PSDB do Ceará.

O site afirma que o tucano estaria por trás da divulgação de notícias sobre a possível exoneração de Franklimberg e das informações sobre a pressão de ruralistas contra o general, que vinham sendo publicadas pelo site O Antagonista.

Ferreira entrou em atrito também com lideranças do movimento indígena nacional e já foi alvo de pelo menos duas manifestações de repúdio da Apib, em dezembro do ano passado. Em 7 de dezembro, a articulação dos indígenas divulgou uma carta afirmando ele teria se aproveitado do momento em que ocupou interinamente a presidência da Funai para retirar dinheiro de outras diretorias para “para cobrir os custos de um suposto contrato de monitoramento de Terras Indígenas”, conforme o texto.

Segundo a nota, mais de R$ 9 milhões tiveram o destino alterado, sendo que R$ 4 milhões seriam destinados à Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável (DPDS). Parte dessa verba cobriria a reunião do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (CG / PNGATI), prevista para ocorrer em dezembro.

Dinamam explica que essa reunião era importante, porque seriam discutidos projetos de desenvolvimento sustentável para Terras Indígenas financiados pelo G-7 (Grupo dos 7 países mais ricos do mundo). Com o corte no orçamento, a reunião não aconteceu, o que pode prejudicar a captação de recursos para projetos nas comunidades indígenas.

Em 23 de dezembro, a Apib pediu a “exoneração imediata” de Ferreira, “por proferir mentiras e ataques aos povos indígenas”. Essa segunda nota afirma que Ferreira teria tentado desqualificar a então coordenadora-executiva da Apib, Sônia Guajajara, além da organização Indigenistas Associados (INA) e a Associação Nacional dos Servidores da Funai (Ansef).

Reações do movimento

A exoneração de Franklimberg causou mais do que declarações de descontentamento. Em São Félix do Xingu (PA), cerca de mil índios Kayapó protestaram, durante as comemorações do Dia do Índio, contra a exoneração. Para eles, por se tratar do resultado de pressão da Bancada Ruralista, a mudança poderia afetar a demarcação de terras.

No Amazonas, os Waimiri-Atroari também reagiram. Eles estão em meio a um processo de negociação com a Funai e a Eletronorte em que discutem a permissão de estudos ambientais para a construção do trecho do Linhão de Tucuruí, entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR). Em nota, os índios afirmam que a exoneração prejudica as tratativas.

Para o governo de Roraima, o Linhão significa maior segurança energética. O estado ainda está fora do Sistema Interligado Nacional e recebe energia gerada em termelétricas e na hidrelétrica venezuelana de Guri, que não tem conseguido garantir um abastecimento constante.

Mas a Linha de Transmissão, que vai ligar Manaus (AM) a Boa Vista, capital de Roraima, atravessa a Terra Indígena. O licenciamento da obra está suspenso, aguardando um acordo entre responsáveis pela obra e índios para a realização de consultas aos Waimiri-Atroari. Uma reunião estava marcada para a próxima quarta-feira, na Associação Comunidade Waimiri-Atroari.

“Com a notícia da saída do General Franklimberg, entendemos que fica prejudicada a reunião do dia 25, assim como aconteceu na mudança anterior, porque não podemos ter a certeza se o compromisso assumido, relacionado ao Protocolo de Consultas, será ou não mantido pela próxima gestão”, afirma o comunicado assinado pela liderança Mário Parwe Atroari, da Associação Comunidade Waimiri-Atroari.

O comunicado lembra que, em abril do ano passado, os índios foram obrigados a suspender uma reunião com o presidente anterior da Funai devido ao anúncio da exoneração. Depois de vários meses de negociações paradas, conforme o comunicado, os índios receberam Franklimberg e as conversas foram retomadas. “Não havia sentido para nós conversar com quem estava de saída”, diz o texto. Para os índios, a situação se repete agora.

Brasilia 10/03/2017 – O novo presidente da Funai, Franklimberg quando era diretor da DPDS em reunião com lideranças indígenas dos Povos do Cerrado. Foto Mário Vilela /Ascom-FUNAI.

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