Defensores e servidores veem indícios de fraude na eleição para Ouvidor da Defensoria de SP

Por Brenno Tardelli, no Justificando

Após alterações em seu processo eleitoral para afastar movimentos sociais das eleições, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo se vê em meio a acusação de fraude na última eleição para o cargo de Ouvidor Geral da entidade ocorrida no final de semana passado. Defensores e servidores apontam que teria havido “compra de votos” pelo candidato Washington Carlos de Almeida, professor na Faculdade Carlos Drummond de Andrade e na Universidade Presbiteriana Mackenzie, que teria prometido nota e horas complementares na grade para os alunos que comparecessem na eleição para votar nele. O caso, montado exclusivamente em face de alunos da Faculdade Drummond, chegou ao Conselho Superior da instituição para tomar providências.

Na última sexta-feira, 13, a relatora do processo 602/2017 (que organiza a escolha do novo Ouvidor-Geral da Defensoria Pública de SP), Fabiana Botelho Zapata, comunicou aos membros do Conselhos Superior a recepção de denúncias de que o pleito estaria sendo alvo de fraudes. Segundo narrou, defensores e servidores responsáveis pela fiscalização das seções eleitorais receberam relatos de alunos do candidato na Faculdade Drummond dizendo que precisavam de comprovação de que teriam votado a favor dele para, então, poderem receber “certificado de horas” e aumento de notas. Os fatos ficaram registrados em ata assinada pelos presidentes de seção e foram prontamente encaminhadas à Comissão Eleitoral.

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Antes mesmo das acusações serem trazidas a público, porém, membros da alta cúpula da faculdade citada se apressaram em dar explicações no “momento aberto” da reunião, destinado à intervenção de quem quer que esteja assistindo a sessão. A vice reitora da Faculdade Drummond Elizabete Aloia Amaroadmitiu que o grupo educacional estaria emitindo certificação de atividade complementar aos alunos que participaram do pleito. Contudo, disse que a intenção era incentivar a participação cidadã dos alunos, e não favorecer um ou outro candidato. Além disso, disse que foi aberta sindicância sobre o caso, encerrada em três dias, e que nada foi apurado que desabonasse o candidato que, inclusive, foi exaltado por seu profissionalismo e engajamento como “homem de bem”.

Entretanto, em nota, a Faculdade desautorizou a fala de Elizabete, a qual não representaria a instituição. Além disso, informou que a suspensão do processo interno na universidade foi cassada, pelo entendimento de que a vice-reitora não tinha competência, pelo estatuto legal, para abrir e encerrar a sindicância sobre o caso (leia ao final).

Administração da Defensoria quis suspender, mas grupo que alterou modelo de eleição para Ouvidor foi maioria

Diante da gravidade das denúncias, a relatora do processo votou pela suspensão do pleito até que o caso fosse apurado administrativamente pela própria Defensoria Pública. Segundo ela, essa medida visaria proteger não apenas o interesse da instituição e dos outros candidatos ao cargo, mas também o direito de ampla defesa do próprio candidato sob suspeita.

Entretanto, essa posição foi vencida por maioria, já que todos os Conselheiros membros da “Aliança por Compromisso e Independência” votaram pela continuidade regular do pleito e para que a apuração fosse realizada paralelamente. O grupo, que faz oposição à atual Defensoria Pública-Geral, e que se encontra atualmente envolvido em eleições tanto para o Conselho quanto para o órgão máximo da instituição, é o principal defensor e articulador da aprovação do novo modelo de eleição para Ouvidor, que exclui a sociedade civil organizada.

Veja o vídeo da sessão do Conselho Superior da Defensoria Pública, em especial na parte referente à Faculdade Drummond (começa a partir do primeiro minuto com a fala da vice-reitora):

Se confirmada, a prática imputada ao candidato configuraria ilícito eleitoral, punível com a exclusão do certame, uma vez que a legislação aplicável veda a oferta de vantagem imediata em troca de votos. Por sua vez, a instituição de ensino estaria descumprindo as diretrizes e normas do curso de bacharelado em Direito previstas no art. 8º da Resolução CNE/CES n° 9/04, que define o que pode ser classificado como atividade extra-curricular.

Posicionamentos institucionais

Defensoria Pública do Estado de São Paulo enviou a seguinte nota reproduzida na íntegra:

Na terça-feira da semana passada (10/4), a Comissão Eleitoral responsável encaminhou ao Conselho Superior da Defensoria Pública (órgão responsável pelo processo de escolha) algumas atas de votações firmadas por Defensores Públicos Coordenadores, cujos relatos por eleitores indicavam supostas irregularidades consistentes no cômputo de horas extras complementares em razão de comprovação de participação na votação. Além disso, a Presidência do Conselho Superior também recebeu representações no mesmo sentido.

Diante desses relatos, o Conselho Superior decidiu na última sexta-feira (13/4), em sessão pública, abrir um procedimento para apuração dos fatos, garantindo a devida ampla defesa, com diligências a serem realizadas pela Comissão Eleitoral. Ao término desse procedimento, o Conselho Superior irá tomar uma decisão a respeito do assunto.

A Defensoria Pública reafirma que o assunto será tratado com a acuidade e seriedade devidas, destacando que todos esses processos, bem como as sessões de seu Conselho Superior, são públicos e dotados da devida transparência.

Procurado, o atual Ouvidor-Geral, Alderon Costa, falou em tom apaziguador: “É preciso ter tranquilidade para apurar essas denúncias, que são muito graves e põem sob suspeita todo o processo de indicação, que temos questionado desde o início. A importância histórica da Ouvidoria exige a máxima atenção, mas tenho certeza de que ainda está em tempo de a Defensoria Pública dar uma resposta à altura”.

Em nota do Conselho Consultivo, a Ouvidoria da Defensoria questiona: “Diante das gravíssimas denúncias de que se fala, este Conselho vem solicitar de todos os órgãos responsáveis pela gestão e fiscalização do pleito uma postura firme e transparente em relação ao ocorrido. Isso é o mínimo que se espera dos responsáveis pela concepção do novo modelo eleitoral, implantado à revelia dos interesses da sociedade civil, para que não venha a enfraquecer ainda mais a Ouvidoria-Geral e a própria Defensoria Pública.”

O outro lado: os citados na matéria

Procurado pelo Justificando nos emails institucionaisWashington Carlos de Almeida não respondeu até a publicação da matéria. Por sua vez, a Faculdade Drummond afirmou na nota reproduzida na íntegra:

Sobre o fato em questão, a Faculdade Carlos Drummond de Andrade afirma que a fala proferida pela profa. Elisabete Aloia Amaro, em ato na Defensoria Pública de SP, não representa a opinião da Instituição. A Faculdade afirma, ainda, que caçou a sindicância aberta anteriormente por sua Vice-Diretora, visto tratar-se de ato não consonante com o Regimento Interno da Instituição, que determina a figura do diretor como o único representante legal para a abertura de sindicâncias internas.

Paralelamente à cassação, o diretor da Drummond publicou portaria determinando a instauração de nova sindicância administrativa, para a apuração de eventuais responsabilidades pelos fatos supostamente praticados pelo prof. dr. Washington Carlos de Almeida, relativamente à atribuição de pontos na média e horas de atividades complementares aos alunos que participassem da referida eleição.

Também cumpre ressaltar que na tarde desta quinta-feira, dia 19/04, o presidente da sindicância administrativa esteve na Defensoria Pública para entrega da Portaria que determina a apuração dos fatos.

Após a conclusão da sindicância, se apurada qualquer irregularidade, a Faculdade Drummond tomará as medidas legais cabíveis.

A Instituição reafirma sua trajetória histórica, construída de forma ética e transparente.

Faculdade Drummond

Por último, a Universidade Presbiteriana Mackenzie afirmou que não recebeu nenhuma reclamação contra o referido professor e encontra-se à disposição.

Ouvidoria vive momento contrário ao como foi pensada em sua criação

Conforme já discutimos em outras ocasiões, a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo foi o primeiro mecanismo de controle externo criado em uma instituição do sistema de justiça, sendo visto como valiosa inovação democrática. Infelizmente, como também temos denunciado, o tratamento dispensado ao órgão revela por parte da Defensoria uma postura pouco permeável à participação da sociedade civil e dos grupos organizados em torno das pautas de direitos humanos. Quem quiser se aprofundar, vale assistir ao Justificando Entrevista com o Ouvidor Geral da instituição, Alderon Costa.

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