‘Sempre soube que tinha sido o Geisel’, diz irmã de guerrilheiro do Araguaia morto na ditadura

Memorando da CIA afirma que ex-presidente militar autorizou execuções de opositores. Família de Antônio Teodoro mora no DF e busca por restos mortais do estudante

por Marília Marques, em G1

Irmã de um dos guerrilheiros mortos durante a ditadura militar no Brasil, a terapeuta ocupacional Eliana de Castro diz que a família sempre soube quem mandou matar o estudante de farmácia Antônio Teodoro de Castro em 1974, aos 29 anos: o general Ernesto Geisel, então presidente do Brasil.

Em conversa com o G1 nesta sexta (11), a moradora do Distrito Federal revisitou a história do irmão à luz do memorando da CIA recém-revelado pelo governo americano. O documento descreve uma reunião onde Geisel autorizou execução de opositores.

Preso político, o jovem cearense foi dado como desaparecido político em 1974 – mesmo com a suspeita de que ele, na verdade, tivesse sido torturado e morto com um tiro no peito na Guerrilha do Araguaia. O termo descreve o controvertido combate entre militantes do PCdoB e oficiais do Exército nas selvas do Pará, no auge da ditadura.

De acordo com levantamento do G1, ao menos 89 pessoas morreram ou desapareceram após encontro entre Geisel, o então chefe do Serviço Nacional de Informações(SNI) – e logo após, presidente do Brasil – João Batista Figueiredo e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino. Na época, ambos atuavam no Centro de Inteligência do Exército (CIE)

Tortura e desaparecimento

Para a família de Teó – apelido carinhoso dado a Antônio Teodoro –, a divulgação do dossiê “é apenas uma comprovação do que já se sabia”, e uma “forma palpável” de, quem sabe, motivar outras providências judiciais sobre o caso. “A ordem [para execução] sempre vinha de cima. Primeiro, prendiam para torturar e saber de coisas e, depois de um tempo, eliminavam”, afirma Eliana.

Passados 44 anos do desaparecimento de Teó, a família descreve a persistência de um “sentimento de muita tristeza”. A irmã mais nova do estudante diz querer ver “a justiça sendo feita”. Eliana Castro diz que a mudança de visão sobre o ex-presidente do país é importante para que sejam honrados nomes como o do irmão, que lutaram contra a ditadura. “Ele era um comunista subversivo, lutava contra o governo pela liberdade edemocracia”.

Sem restos mortais

Antônio Teodoro de Castro foi capturado aos 29 anos, enquanto lutava na guerrilha do Araguaia. Até 2009, o nome do estudante constava na lista de desaparecidos políticos.

Como o corpo nunca foi encontrado, a verdadeira identidade de Teó não foi inserida nos registros da Comissão Nacional da Verdade (CNV). O relatório final do colegiado aponta 89 mortos e desaparecidos entre 1º de abril de 1974 – a data da reunião descrita no memorando da CIA – e o fim da ditadura.

O relatório cita, ainda, outras 11 pessoas que podem ter morrido ou desaparecido nesse período. Esses casos não foram confirmados.

“Minha mãe tinha uma grande ilusão de que meu irmão tivesse fugido para as Guianas. Quando ele sumiu, disse que faria curso na Bélgica, não sabíamos que estava no Araguaia”, lembra Eliana. “Até hoje nossa família é torturada todos os dias, por não ter os restos mortais dele”.

Algoz

A versão do desaparecimento de Teó só ganhou outro rumo em 2009 porque o oficial aposentado do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, veio a público afirmar que foi um dos algozes do estudante cearense.

Em entrevista à revista “Veja”, o major contou que presenciou o interrogatório do estudante, conhecido na guerrilha como “Raul”. “Ele tinha fome, vestia farrapos e estava amarelo, parecia ter malária. Nem precisamos bater para que ele falasse e dissesse tudo que sabia”, afirmou o militar.

Apesar do depoimento, Curió nunca disse de quem veio a ordem para assassinar o estudante com um tiro no peito.

Relatório da CIA

O documento elaborado pela CIA relata uma reunião entre Geisel, João Batista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino, ambos na ocasião no Centro de Inteligência do Exército (CIE), ocorrida em 30 de março de 1974.

“Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deve continuar, mas deve-se tomar muito cuidado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados”, diz o documento. Ainda segundo o relato, todas as execuções deveriam ser aprovadas pelo general João Baptista Figueiredo, sucessor de Geisel – e ocupante da Presidência de 1979 a 1985. Partes do documento continuam em sigilo.

Um outro relatório divulgado em 2014 pela Comissão Nacional da Verdade aponta que durante a ditadura militar ocorreram 434 mortes e desaparecimentos, e 377 agentes eram responsáveis pela repressão.

Última foto, em vida, de Antônio Teodoro de Castro, estudante de farmácia que teria sido morto na ditadura (Foto: Eliana de Castro/Arquivo Pessoal)

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