Resiliência política é caminho para enfrentar a crise

Análise de conjuntura aponta a convivência com o Semiárido como uma narrativa contra-hegemônica

Na Asa

Um crescente avanço do fundamentalismo e conservadorismo no mundo. A ameaça de uma guerra nuclear envolvendo Estados Unidos e Coréia do Norte. No Brasil, o desemprego atinge recorde, políticas sociais em declínio, a Constituição Federal ameaçada. Lula preso. Esses são alguns elementos da conjuntura internacional e nacional refletidos por representantes de 138 organizações atuantes no Semiárido e que compõem a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), no dia 07 de junho, no Recife (PE). Entre os debatedores estavam Jorge Romano, da ActionAid, Maria Emília Pacheco, ex-presidenta do Consea e assessora da FASE, e Naidison Baptista, da coordenação executiva da ASA.

Jorge Romano, da ActionAid defende a tese que o neoliberalismo se reinventou a partir da crise financeira de 2008-2011 e que o princípio do mercado predomina de forma absoluta na organização da economia, da politica e da sociedade, em detrimento do Estado.

“A exploração se dá agora por um lado através da situação precária dos trabalhadores, com o fim dos direitos trabalhistas e da proteção social. Ante o risco de perda do trabalho, o trabalhador é obrigado a aceitar a precariedade do mesmo. Tem uma degradação dos rendimentos salariais tanto nos países centrais como nos periféricos, combinada com um ataque às organizações operárias, e um ataque também global às classes médias, que varia de país para país”, diz Romano.

Na disputa pelo protagonismo mundial, China e Estados Unidos aparecem como principais concorrentes. De um lado, os chineses ampliam seus negócios em todo o mundo, inclusive no Brasil, nos setores estratégicos de energia e petróleo. Do outro, o dólar continua sendo a principal moeda da economia global somado ao crescente poderio militar americano.

“O resultado da complexa disputa pelo protagonismo mundial ou por posições estratégicas não está claro. Mas o que fica evidente são as corporações destes países, privadas e públicas, que vêm assumindo o protagonismo prático neste interregno, colocando os seus respectivos Estados a seu serviço, articulando poder econômico com poder político”.

Olhando para o Brasil, não estamos isolados desse contexto. Por traz do golpe que derrubou Dilma Rousseff e deu início ao retrocesso social e político que estamos vivendo, há a interferência do capital financeiro interessado em explorar, sobretudo, as nossas riquezas: petróleo, minério e florestas.

Um exemplo concreto é o processo de privatização das terras públicas por meio de várias emendas constitucionais que estão sendo tomadas pelo Executivo, pelo Judiciário e pelo Legislativo, com destaque para a Lei da Grilagem Nº13.465/17 que  trata da regularização fundiária no campo, nas cidades e da ocupação de terras da União na Amazônia Legal.

Para Maria Emília, essa é uma das leis mais graves pela forma ardilosa que vem sendo  propagada. Ela explica que por trás da emancipação de assentamentos da reforma agrária, o que há é uma transferência em massa das terras de domínio público para o individual, facilitando o processo de venda destas terras para o mercado.

Ela também alerta para o violento processo de desterritorialização que afeta povos indígenas e comunidades tradicionais que vivem nas áreas de conservação ambiental e que são os mais impactados pelo agronegócio, pelo hidronegócio e pela expansão da mineração.

“Não podemos continuar neste contexto sem limites com relação à incorporação da propriedade pelo mercado. Também devemos questionar essas bases chamadas desenvolvimentistas. O que representam o agronegócio para a nossa economia? Nós temos que ser mais agressivos em dizer que não só o agronegócio não alimenta, como também não sustenta o nosso PIB – Produto Interno Bruto. Não sustenta por quê? Porque não se leva em consideração essas benesses que o agronegócio recebe todo o tempo, exoneração daqui, renúncias fiscais dali. Não se leva em conta o impacto sobre a nossa saúde e sobre o meio ambiente”, apontou Pacheco.

Perspectivas e o papel da ASA – Para Emília, a questão da terra é central e a experiência da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) tem muito a ensinar e contribuir com a mudança de rumo frente a conjuntura internacional e nacional. “A ASA é autora de uma construção social, histórica, ambiental deste conceito de convivência com o Semiárido que tem um sentido muito forte, baseado na ideia de estoque. Dentro desta concepção, é preciso enfrentar de forma mais aguerrida a questão do estoque de terra. Dentro deste conceito da convivência com o Semiárido, uma ressalva importante é a interação destas 3 mil organizações sociais com os movimentos sociais e essa perspectiva de fortalecer o tecido social”.

Ela também destacou a contribuição da ASA no fortalecimento da agroecologia no Semiárido e sugeriu que a articulação adotasse iniciativas mais concretas voltadas para o fortalecimento do feminismo como a campanha pela Divisão Justa pelo Trabalho Doméstico e a adoção da caderneta agroecológica, que mostra o papel das mulheres e alarga o conceito de trabalho e de economia.

“Também quero dizer que é muito importante que a ASA aprofunde as relações internacionais. A ASA tem muito a inspirar a outros países. E, finalizando, é importante que a ASA não abra mão da autocrítica. Que continue insistindo que é preciso construir a cisterna produzida pelo povo. Essa noção da construção da política pública que a ASA tem arraigada na sua prática é um grande fundamento. E continuar denunciando que as cisternas de plástico não são apropriadas aqui para o Nordeste e reavivar estes programas que estão perdendo o seu lugar. Tem que continuar insistindo o que representa um PAA, um PNAE, as feiras agroecológicas, que são uma resposta ao processo de desabastecimento muito rápido”, finalizou.

Romano vê na resistência dos povos o caminho para superação da crise e destaca a contribuição da ASA na disputa pela narrativa contra-hegemônica e fazer com que esse discurso chegue para a maior quantidade de pessoas possível. Para ele, água e comida sem veneno são temas centrais e comuns para o campo e a cidade.

O meu otimismo não é fruto da inconsciência ou da loucura. Ele vem da história de resistências do povo, de todos nós, de sobreviver a derrotas que pareciam o fim do mundo, e das quais a gente sempre renasceu. Como construir agora essa resiliência política no Semiárido e no Brasil? estando juntos, não se isolando, aprendendo com os outros, falando com os outros, ousando, saindo de nossa zona de conforto, de nossas caixinhas, aproveitando tudo o que ainda temos de recursos, todo o que sabemos fazer, construindo organização, nos mobilizando.

Naidison Baptista, da ASA, apontou a necessidade da rede se envolver no debate das eleições e discutir junto às comunidades os candidatos e candidatas que dialogam com a pauta da convivência e os que votaram a favor dos cortes dos recursos públicos para as políticas sociais.

Para Baptista ocupar esse papel é fundamental para que se consiga trabalhar na desvinculação entre política e corrupção e na vinculação da política à construção dos rumos da sociedade. E ao lado disso, a continuidade forte, significativa e importante do processo de convivência na construção de outra narrativa sobre o Semiárido.

“É do DNA da ASA se confrontar sempre com os desafios grandes, com processos difíceis, com coisas que parecem intransponíveis. Nosso DNA é não desistir, é buscar, é insistir. É construir, é se unir e é nessa perspectiva que a gente sai daqui. A gente sai daqui na perspectiva de que descobrimos muitas dimensões que tem que integrar a dimensão maior da convivência com o Semiárido. Descobrimos os desafios que essas dimensões nos colocam, mas a gente também redescobre e reafirma a nossa capacidade de enfrentar de fazer e a nossa capacidade de ser vitorioso. É isso que a gente vai levar daqui. Não vamos levar uma ASA que diante dos desafios baixe a cabeça, vamos levar uma ASA que sabe lutar, que sabe o que quer, e que sabe ganhar”.

Foto: Eudes Costa.

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