Para combater o terror, Trump deveria expulsar homens brancos dos EUA. Por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

”Nós devemos manter o ‘mal’ fora de nosso país!”. Donald Trump respondeu dessa forma, em sua conta no Twitter, a uma decisão do Tribunal Federal de Seattle que havia suspendido temporariamente o seu decreto impedindo a entrada de pessoas de sete países de maioria islâmica no ano passado.

A ideia de ”mal” usada por ele tem significados que se desdobram: A princípio representa o terrorismo de algumas organizações que ele afirma tentar evitar – apesar de nenhuma pessoa dos países barrados por ele, até aquele momento, ter cometido atentados nos Estados Unidos. Mas ao baixar uma proibição indiscriminada a todos os cidadãos desses países, Trump os tornava suspeitos simplesmente porque foram proibidos de entrar. E a percepção do que seja o ”mal” se estende, metonimicamente, aos inocentes. É a tática do linchamento: se adoto uma punição contra você é porque você fez algo errado.

Nesse sentido, tanto as crianças quanto seus pais, separados uns dos outros pelo governo dos Estados Unidos ao tentarem entrar de forma ilegal no país, acabam sendo os culpados de tentarem perverter o país. Adultos são processados criminalmente e encaminhados a presídios federais, enquanto crianças ficam em abrigos. Os vídeos que circularam pela mundo e mostram montes delas, enjauladas, chorando. Antes, as famílias permaneciam unidas em centros de detenção. São as culpadas porque foram presas.

Durante a campanha de Trump à Presidência, o tema da migração ganhou destaque com o então candidato culpando os estrangeiros pobres por todas as desgraças que acontecem em solo norte-americano – de estupros ao tráfico de drogas e principalmente o terrorismo.

E isso está longe de corresponder à realidade. Mayra Cotta, pesquisadora da New School for Social Research, em Nova York, mostrou, em artigo neste blog, que 64% dos ataques com armas em espaços públicos nos Estados Unidos foram causados por homens brancos que nasceram naquele país. Homens brancos, frequentemente supremacistas brancos, que entraram armados com sua ideologia racista em jardins de infância, escolas, universidades, cinemas, igrejas, repartições e escritórios e começaram a matar as pessoas ao se redor, sem necessariamente um alvo específico.

E Trump não se refere a eles como o ”mal”. Até porque seria muito difícil explicar a seus eleitores – pelo menos os que buscam soluções fáceis para o medo que sentem – que parte da violência em seu país está ligada a desvios e questões mal resolvidas de sua própria sociedade. Como o racismo que segue sendo uma chaga aberta, tornando, mais de 150 anos após a abolição da escravidão por lá, necessária uma campanha a fim de deixar claro que ”Black Lives Matter” – vidas negras importam.

Ou as intervenções militares norte-americanas em outras sociedades que, sob a justificativa de garantir o respeito aos direitos humanos, criam montanhas de cadáveres e fluxos de refugiados para, ao final, sair com vantajosos contratos para extração de petróleo e de recursos naturais e exploração de mercados consumidores. Em maior ou menor grau, esse é o modus operandi de sucessivas administrações norte-americanas, incluindo a festejada e já saudosa gestão Obama.

O problema de Trump é que ele escancara isso sem mediações e estica a corda, ultrapassando o limite da racionalidade e atingindo pilares da democracia. Ao eleger inimigos, tachá-los (famílias de latino-americanos como ladrões e estupradores, muçulmanos, terroristas, chineses, desleais…) e afirmar que estão apodrecendo a sua sociedade, transfere o problema para terceiros e enfraquece a possibilidade de reflexão sobre os problemas causados pelo país e sua elite dominante. O ”mal” é sempre o outro, o islâmico, o negro, o migrante, o homossexual, o que não se parece com a nossa elite, nunca nós mesmos.

Com já disse aqui, isso empodera muita gente. Como as centenas de desprezíveis racistas e neonazistas que marcharam, em 11 de agosto do ano passado, em Charlottesville, nos Estados Unidos, carregando tochas e entoando palavras de ordem contra negros, migrantes, homossexuais, judeus.

O que fazer quando o ”mal” somos nós mesmos? Simples, encontrar um inimigo externo e insistentemente transferir o problema a ele até que nos esqueçamos da origem disso e fique só o preconceito. Nunca falha.

Dylann Roof confessou ser responsável pela morte de nove pessoas após abrir fogo em uma igreja frequentada por afrodescendentes o centro de Charleston, na Carolina do Sul, em 17 de junho de 2015. Reconhecendo-se como ”supremacista branco”, afirmou: ”Nossa gente é superior. Isso é apenas a verdade”. Foto: BBC

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