O projeto de lei que facilita o uso de agrotóxicos foi aprovado, nesta segunda, na comissão especial criada para analisá-lo na Câmara dos Deputados.
Proposto, em 2002, pelo então senador Blairo Maggi e relatado, neste ano, pelo deputado federal Luiz Nishimori (PR-PR), ele é mais um daqueles passos para trás que os anos Michel Temer têm nos proporcionado de forma frequente. O projeto precisa ainda passar pelos plenários da Câmara e do Senado.
Sim, sociedade deveria estar discutindo formas de reduzir o uso desse tipo produtos, neste país que é a farra do veneno, mas caminhamos no sentido contrário. Por que não há nada tão ruim que não possa piorar.
No intuito de ”modernizar” a regulamentação para esses produtos, o projeto de lei reduz restrições à aprovação e uso de agrotóxicos, incluindo os perigosos, que podem gerar deformações em fetos e câncer em crianças e adultos. Também encurta o tempo de aprovação para que novos venenos sejam colocados no mercado e aumenta o poder do Ministério da Agricultura e Pecuária, que tem Blairo Maggi hoje à frente, na aprovação de novos produtos. Os Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, que hoje participam do processo de forma paralela, tornariam-se apenas coadjuvantes.
Sinalização mais clara de que o projeto coloca negócios acima da saúde das pessoas e da contaminação da água e do solo só de a Câmara dos Deputados colocasse isso em outdoors pela Praça dos Três Poderes.
Mas ninguém precisa se preocupar muito porque a proposta também muda o nome dos agrotóxicos para ”pesticidas”, adotando uma terminologia internacional. Afinal, o que os olhos não leem e os ouvidos não ouvem, a pele, o pulmão e o rins não sentem, não é?
Desde 1998, tenho reportado a contaminação da água, do solo e das pessoas que nele vivem por produtos químicos usados na agropecuária. Visitei muitas áreas cercadas por intensa produção agrícola que já estão contaminadas – como o Pantanal e a presença do herbicida 2.4D (composto do agente laranja usado na Guerra do Vietnã) e glifosato.
Temos encontrado outros produtos químicos até no lei materno, como aponta pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso em Lucas do Rio Verde (MT) – um dos principais polos de produção de grãos. Foram coletadas amostras de leite de 62 mulheres, 3 delas da zona rural, entre fevereiro e junho de 2010 – todas com agrotóxicos.
Matéria recente de Ana Aranha, da Repórter Brasil, mostra pesquisa que relaciona os agrotóxicos à puberdade precoce em bebês: meninas de seis meses estão desenvolvendo mamas no interior do Ceará. Cidades como Limoeiro do Norte, em área de influência de produção agrícola que usa intensivao bombardeamento de agrotóxicos para produção de melão e banana visando à exportação. Há, ao menos, oito casos de má formação fetal relacionados à exposição ao veneno, segundo pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. O estudo também verificou a presença de organoclorados na água e na população.
E enquanto a atividade de lobista não é regulamentada pelo Congresso Nacional, o que poderia jogar um pouco de transparência nas relações estabelecidas entre alguns parlamentares e os grupos de interesse, vamos vendo entrevistas e depoimentos de representantes de associações que, ao defender os agrotóxicos, tentam confundir o público.
“Faltam estudos que comprovem prejuízos à saúde provocados por produtos usados adequadamente” ou “Não há evidências científicas de que, quando usados apropriadamente, causem efeito à saúde.”
Quem já assistiu ao filme “Obrigado por fumar”, de Jaison Reitman, que satiriza a indústria do tabaco e as associações de lobby que atuam nos Estados Unidos, muitas vezes como ”mercadores da morte”, sabe do que estou falando. É interessante ver o discurso cínico do protagonista do filme e imaginar quantos cidadãos caem nesse mimimi na vida real. Mas a história fica trágica quando verificamos que os mesmos discursos são descarregados sobre nós diariamente para justificar qualquer coisa. Entre elas, a expansão agropecuária irracional no Brasil.
E a gente, claro, engole passivamente. Perda de empregos, falta de comida, interesses estrangeiros, ecatombe maia, foguete do Kim Jong-un, tudo é usado como desculpa para continuar passando por cima. Alguém já viu os filmes promocionais de empresas que produzem agrotóxicos? É de chorar de emoção. Tem um que, que passava na TV nos Estados Unidos, com crianças sorridentes, gazelas saltitantes e dentes-de-leão flutuando ao sol.
Mas nenhum sinal de equipamentos para quimioterapia e radioterapia no comercial.
Durante as brigas pelo banimento do amianto, um advogado que defendia o interesses dos trabalhadores prejudicados levou um pedaço do produto para ser mostrado em uma audiência judicial com os que defendiam as empresas. O amianto, acusado de causar danos à saúde dos trabalhadores, circulou na mesa. Do lado corporativo, que defendia que o produto era inofensivo como uma bola de gude, ninguém quis tocá-lo. A fabricação, o processamento e a comercialização do amianto acabaram proibidas, anos depois, no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal após muitos esforço da sociedade.
Cansa a justificativa surrada de que temos a maior área agricultável do mundo, com clima que contribui com pragas e doenças e, por isso, a montanha de veneno. Por essa lógica estranha, que ignora a aplicação de leis e regras, seríamos um dos países com maior número de escravos, dado o tamanho da agricultura e da economia. O que está longe de ser verdade.
Talvez um pepino maior ainda sejam os agrotóxicos hoje permitidos, usados sem o devido cuidado e em quantidade maior que o meio pode suportar. Mesmo quando a Anvisa faz uma reavaliação toxicológica de substâncias químicas, parte dos produtores alega que vetos e mudanças causarão aumento de custos. Entendo a preocupação, mas seguir por esse caminho é uma bomba-relógio que vai explodir em algum momento. Atingindo produtores, seus empregados e a população.
Detesto sugestões populistas, mas seria extremamente didático se os que defendem que “faltam estudos” e “não há dados” tivessem que viver no mesmo contexto das famílias bombardeadas por voos de agrotóxicos diariamente, no campo e nas cidades do interior. Que os executivos das empresas nacionais e multinacionais que produzem e vendem os agrotóxicos, os lobistas, parlamentares e governantes amigos comam e bebam apenas alimentos e água dos locais onde os problemas foram relatados – onde mães têm veneno no leite materno, bebês desenvolvem mamas, fetos sofrem mutação e crianças e adultos têm doenças respiratórias que pioram em épocas de pulverização. Ou melhor, que possam andar descalços no mesmo solo contaminados. Usando os mesmos equipamentos de proteção individuais precários ao trabalhar. E com um sistema de saúde sem recursos para fazer diagnósticos precoces. Até como uma forma de mostrar que acreditam naquilo que defendem.
Não que o Brasil inteiro já não consuma produtos contaminados por esses produtos, causando danos irreversíveis à nossa saúde e indo na contramão do mundo civilizado – que bane certos produtos depois aceitos por aqui. Mas se tudo isso é seguro e não há risco comprovado, bora liderar pelo exemplo. A começar por Michel Temer e sua família, caso essa aberração passe nos plenários Câmara e do Senado ainda este ano e vá para a sua mesa para sanção. Ou, se ganharmos mais algum tempo, que seja assim com o próximo presidente e os seus. Afinal, não é mais possível um país em que uns poucos lucrem e outros tantos sofram por isso.
No Brasil, o lobby dos agrotóxicos é pesado. Daria um filme tão bom quanto aqueles sobre a indústria do tabaco. E, acreditem, não faltaria financiador.
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Imagem: Antes do evento, Michel Temer e Blairo Maggi participam da abertura da colheita do algodão. Foto: Alan Santos/PR