O Ateliê do Hadasha em Manguinhos [PERFIL] #RedeFavelaSustentável

por Jessica Depies, em RioOnWatch

A história do Rio de Janeiro não pode ser contada sem música. Do samba, bossa nova e choro até o funk carioca e estilos de dança como o passinho, a história e cultura da cidade sempre produziram uma ampla trilha sonora com o potencial de transformar tanto ouvintes quanto músicos. Talvez ninguém saiba disto melhor que Guilherme Hadasha, um músico e professor que já há duas décadas se dedica à sua missão de conquistar “música para todos”, se esforçando para garantir que as artes atinjam áreas de baixa renda em todo o Rio. Um nativo do Leblon, na Zona Sul do Rio, Hadasha se mudou para a Zona Norte quando jovem e se alistou ao exército aos 18 anos, mas ele estudou e praticou música ao longo de sua vida adulta também. Com o tempo, ele diz, “a arte me chamou mais forte”.

Hadasha estudou música clássica na universidade e toca vários instrumentos, incluindo o saxofone alto e violão, mas ele sempre retorna à percussão, afirmando ser atraído pela “linguagem do tambor, que nasceu no Carnaval”. Em 1994, Hadasha começou sua primeira iniciativa “Música para Todos” e desde então tem trabalhado para desenvolver diversos projetos baseados na inclusão através da música e da arte pelo Rio. Ele realizou parcerias com instituições como a PUC-Rio e a Fiocruz, assim como com organizações locais em favelas por toda a cidade. No seu escopo já incluiu desde um trabalho com dançarinos no Teatro Municipal do Rio em uma performance que combina gêneros musicais clássicos e populares, até um projeto de transcrição focado na influência da música afro-brasileira. No ano de 2010 o Ateliê do Hadasha nasceu, na favela da Zona Norte Manguinhos, uma comunidade com sua própria história de influência musical.

Junto com uma pequena equipe que inclui seu filho, Jeferson, que é seu parceiro musical e professor no projeto, Hadasha gerencia o projeto a partir da Casa do Trabalhador de Manguinhos, um prédio da prefeitura direcionado a prestar serviços a moradores que procuram capacitação e suporte para se candidatarem a vagas de emprego. O edifício ecoa com o baixo da percussão, progressões intermitentes do piano, e o constante movimento de pessoas e sons. O Ateliê do Hadasha inclui desde grupos musicais, a trupes de teatro e aulas de ballet. É uma “escola cultural”, com a crença central de que “arte não tem cor”–e que a arte deve estar aberta a todos.

De seu escritório, Hadasha apresenta exemplos dos instrumentos utilizados para ensinar os alunos. Tambores feitos a mão enfileiram suas prateleiras, e apesar de terem diferentes tamanhos e formatos, eles têm algo em comum. O Ateliê do Hadasha constrói todos os seus tambores de material reciclável: vidro, metal, plástico, couro, papel. Eles inclusive reutilizam o topo de galões de água plásticos com a torneira e tudo. Além disso, todo o projeto é local: empresas doam esses materiais, e uma vez por semana os alunos do Hadasha vêm ao seu ateliê para aprender como construir seus próprios tambores do zero. Eles não só aprendem a fazer música literalmente do começo ao fim, como também aprendem a vender seus artesanatos em feiras locais, como a feira mensal de economia solidária do Rio, EcoSol. Os instrumentos do ateliê não são caros, mas, como Hadasha diz com um enorme sorriso, as crianças que os fazem e utilizam “ficam encantadas”. Com suas próprias mãos, elas estão criando suas próprias sinfonias.

Através da confecção de instrumentos, gravação de música, e colaboração com redes locais, o Ateliê do Hadasha consegue “vender os frutos de seu projeto social”. Esses “frutos” vêm da convicção de que, como Hadasha explica, “música é pratica. Tem que emocionar, tem que fazer as pessoas sonharem… Então a gente vai achando uma forma [de ensinar] e não temos a pretensão que eles [nossos alunos] leiam rápido, mas que eles toquem, e têm que se apaixonar pela música”. O “grande charme” do trabalho, ele diz, é que é “uma troca, uma aprendizagem”. Ao “vender os frutos” que eles plantam, Hadasha acredita que suas iniciativas proporcionam “uma casa de talentos e de portas abertas: uma plataforma”.

A inovação frequentemente vem da necessidade. Hadasha tentou trabalhar com instrumentos como o violão e o piano em seus projetos, mas descobriu que era economicamente inviável continuar daquela maneira. O acesso a instrumentos em muitas comunidades de baixa renda é limitado: “Tem gente que nunca viu um piano… nunca nem ouviu o som de um piano… Eu tinha um aluno que me disse que eu era rico porque meu saxofone é feito de ouro”. A falta do fornecimento de serviços públicos confiáveis–Hadasha aponta o predomínio de lixo nas ruas e a falência dos serviços de saneamento municipais–torna a educação ambiental difícil de ser atingida. Mas com sua “música alternativa”, Hadasha acredita promover conversas que vão além da música: seu ateliê tem o potencial de estimular seus participantes a repensar o significado do lixo e valorizar materiais que a próprio Manguinhos produz.

Combinar questões sobre arte e ambientalismo permite a Hadasha responder a múltiplas questões acerca de Manguinhos, mas ele reconhece que a comunidade é muito mais que isso. Seu ateliê inclui parcerias com psicólogos e assessores jurídicos, além de sua proximidade física a suporte de emprego e capacitação. Uma parte integrante dessa missão mais ampla é envolver Manguinhos por inteiro na iniciativa, e não só crianças e jovens. Então, em 2016, o Ateliê do Hadasha incorporou o Coral Flor do Mangue, uma iniciativa musical composta de mães e avós de crianças que participam de outros projetos do Ateliê. Como Hadasha explica, muitas das famílias de Manguinhos têm que sobreviver a muita violência, as vezes levando à depressão pais e avós. Para combater isto, o projeto disponibiliza um caminho para adultos se engajarem nas artes, e não só com música clássica e “antiga”, mas, nas palavras de Hadasha, com música “jovem” e divertida como o hip-hop. Desse jeito, a nova iniciativa promove uma missão “de vida, de saúde”.

Apesar dos desafios que Manguinhos enfrenta, Hadasha acredita que seu ateliê tem desenvolvido um método de parceria com organizações locais, se utilizando do apoio institucional quando possível, e mantendo a solidariedade e independência de instituições, política, ou religião. Por estes motivos, “a gente acredita que nós somos capazes de construir uma base sólida”. Com essa base, diz Hadasha, “iremos continuar”.

*Ateliê do Hadasha é um dos mais de 100 projetos comunitários mapeados pela Comunidades Catalisadoras (ComCat)–a organização que publica o RioOnWatch–como parte do nosso programa paralelo ‘Rede Favela Sustentável‘ lançado em 2017 para reconhecer, apoiar, fortalecer e expandir as qualidades sustentáveis e movimentos comunitários inerentes às favelas do Rio de Janeiro. Siga a Rede Favela Sustentável no Facebook.

Iniciativa: Ateliê do Hadasha
Perfil no FacebookAteliê do Hadasha
Ano de Fundação: 2010
Comunidade: Complexo de Manguinhos, Zona Norte
Missão: (1) Educar jovens através da música e criação de instrumentos musicais a partir de materiais recicláveis; (2) Fazer da arte não só uma plataforma de conhecimento, mas também uma maneira de melhorar a vida das pessoas; (3) Usar aulas de percussão para promover a capacidade dos jovens, criando maneiras alternativas de inclusão social através da arte; (4) Melhorar os relacionamentos dos participantes na escola e na família; (5) Trabalhar com o movimento de economia solidária; (6) Apoiar a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente; (7) Transformar lixo em luxo, alegria, e novas perspectivas de vida.
Eventos Públicos: O Ateliê do Hadasha vende seus tambores e apresenta música em feiras por todo o Rio, incluindo os mercados de economia solidária; tem parceria com organizações focadas em arte por toda a cidade; e oferece uma variedade de aulas de música e arte em sua sede, na Casa do Trabalhador de Manguinhos.

#8ªConfOA Coral Flor do Mangue na Biblioteca de Manguinhos.

Publicado por ICICT – FIOCRUZ em Quinta-feira, 5 de outubro de 2017

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