Seminário da Caprinovinocultura denuncia em carta aberta ameaças ao modo tradicional de criar caprinos e ovinos

No Irpaa

Com o objetivo de denunciar as graves ameaças ao sistema tradicional de criação de caprinos e ovinos, as/os participantes do Seminário Regional da Caprinovinocultura no Semiárido Baiano elaboraram uma carta aberta, a ser entregue aos candidatos ao Governo do Estado da Bahia.

Além de denúncias, o documento apresenta informações que dão conta da importância econômica, social, ambiental e cultural do sistema tradicional da caprinovinocultura no Semiárido e aponta saídas para o fortalecimento da atividade.

O documento pode ser lido a seguir:

Carta Aberta sobre ameaça a Caprinovinocultura Tradicional no Semiárido

Caprinovinocultura Tradicional do Semiárido Brasileiro X Caprinovinocultura de Granja

Esta carta tem por objetivo fomentar o debate sobre os modelos no tocante à caprinovinocultura no Semiárido. Este documento também objetiva propor saídas para a resolução dos problemas decorrentes desse embate.

As cabras e ovelhas, animais trazidos para o Brasil pelos colonizadores europeus, serviram inicialmente para o fornecimento de carne e leite para as famílias dos vaqueiros e escravos, bem como a pele servia para diversos usos. Daquela época até hoje o Semiárido mudou muito, a população aumentou gradativamente, surgiram as cercas, as mineradoras e outros grandes empreendimentos. O povo também mudou, entendeu a necessidade de conhecer mais o Semiárido e suas especificidades. E não foi só o povo que mudou. Cabras e ovelhas sofreram muito para conseguir sobreviver em nossa região, com clima e vegetação diferentes às suas origens, mas se adaptaram através de um processo que iniciou há quase cinco séculos. Os animais foram ficando mais resistentes às limitações impostas pelo Semiárido, em um processo longo, que certamente seria dificultado pelas atuais condições climáticas, tendo em vista as mudanças provocadas pela ação da humanidade.

Ao tempo em que os animais passavam por um processo natural de melhoria genética, as famílias da região desenvolveram métodos de criação que possibilitam a viabilidade socioeconômica da caprinovinocultura e a preservação ambiental das Caatingas. Hoje criadoras/es da região semiárida passam por um processo de aprendizado e aperfeiçoamento do armazenamento de água e alimento para a criação.

O Semiárido Brasileiro é uma região propícia a criação de cabras e ovelhas. A atividade é realizada principalmente com base em um modo tradicional, que respeita o ambiente, é socialmente justo e potencializa a produção, especialmente pelo uso de áreas coletivas, garantindo alimentação de qualidade, o que dá à carne dos animais da nossa região um sabor característico.

Essa produção, mesmo com tal importância socioeconômica, cultural e ambiental, encontra-se ameaçada por grupos empresariais que pretendem instalar no Território Sertão do São Francisco – TSSF um sistema o qual podemos chamar de caprinovinocultura de granja. A proposta trata-se de um modelo insustentável por vários motivos, onde os animais são criados no sistema intensivo, enquanto criadoras/es tornam-se meros escravos da produção, que obrigatoriamente seria destinada a grandes empresas da região, envolvendo nesse processo a obrigatoriedade de um pacote para aquelas/es que aderirem a esse formato.

Há cerca de seis anos, o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – Irpaa publicou uma carta que denunciou as ameaças à caprinovinocultura tradicional, imposta por grupos empresariais que pretendem dominar os sistemas produtivos relacionados à criação de caprinos e ovinos.

A falta de incentivos à agricultura familiar provoca a chegada desses grupos de empresários que parecem não se importar com a preservação da Caatinga e do modo de vida do povo sertanejo. O sistema produtivo da caprinovinocultura tradicional precisa ser incentivado, pois é o principal meio para o sustento das famílias no Semiárido.

As/Os produtoras/es enfrentam diariamente problemas com a legislação e fiscalização sanitária inadequadas, áreas muito pequenas para a criação de animais (problema afetado pela titulação de pequenas áreas individuais, ao invés de áreas coletivas de Fundo de Pasto), dificuldade de sanidade animal, bem como de garantia de reserva hídrica e alimentar.

Este documento foi aprovado durante o Seminário Regional da Caprinovinocultura no Semiárido Baiano, realizado na cidade de Juazeiro, nos dias 12 e 13 de julho, durante a XVII Feira Nacional da Agricultura Irrigada – Fenagri. O seminário é resultado de um processo de dois anos de realização de audiências públicas sobre a criação de caprinos e ovinos nos dez municípios do TSSF. As demandas apontadas por criadoras/es durante audiências municipais, serviram como base para a realização deste seminário.

Diante do crescimento contínuo das ameaças aos povos caatingueiros, às Caatingas e à caprinovinocultura tradicional, entendemos que é hora de o governo agir. Para isso, nós, participantes do Seminário propomos algumas ações que, se realizadas com compromisso, podem gerar ótimos resultados econômicos, sociais e ambientais:

  • implantação de áreas coletivas de produção de forragens;
  • garantia de assessoria técnica adequada às diversas realidades (climáticas, sociais, dimensionais etc.)
  • criação de pequenas plantas para locais de abate, levando em conta, inclusive, a dispensa dos custos fiscais do processo de implantação de empreendimentos familiares;
  • legislação e práticas de fiscalização que respeitem os costumes do povo, sem perder de vista a segurança alimentar dos produtos comercializados;
  • implementação de ações de fiscalização com caráter menos punitivo e mais educativo;
  • formação com as equipes de fiscalização sobre agricultura familiar, costumes e produção;
  • garantia de uma educação que fortaleça a caprinovinocultura tradicional;
  • incentivo à pesquisa voltada para a caprinovinocultura no sistema agroecológico da agricultura familiar e dos povos e comunidades tradicionais;
  • avaliação e, caso haja viabilidade, implantação abatedouros móveis;
  • ampliação dos programas que permitem o acesso a tecnologias de captação e armazenamento da água de chuva;
  • suspensão de novas fiscalizações sanitárias por conta da Adab, enquanto o estado não facilitar a instalação de estruturas adequadas de beneficiamento da produção;
  • estruturação das feiras para venda de animais;
  • estruturação de espaços para comercialização de carne processada (Ceasa e outros mercados);
  • compromisso dos municípios em instituir o Serviço de Inspeção Municipal e/ou territorial

Assinam a carta as/os participantes do Seminário Regional da Caprinovinocultura no Semiárido Baiano

Juazeiro (BA), 13 de julho de 2018.

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