Decisão judicial faz avançar reconhecimento territorial quilombola em Rondônia

A Comunidade Quilombola do Forte Príncipe da Beira acolheu com entusiasmo a decisão do Juiz Federal Marcelo Elias Vieira, da 2ª Vara Federal de Ji-Paraná/RO, que ordenou ao Exército Brasileiro que permita o acesso do INCRA para realizar o estudo antropológico (RTID) previsto na demarcação dos territórios quilombolas, segundo o Decreto 4887/2003, que regulamenta os procedimentos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos, em aplicação do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Por CPT Rondônia

O Ministério Público Federal desde 2010 acompanha a situação e, após várias tentativas de acordo, em 2014 o procurador da República Herique Heck apresentou ação civil pública em desfavor da União e do INCRA. Somente após a decisão do STF a favor da constitucionalidade do Decreto 4887/2003, em fevereiro de 2018, a Justiça Federal se pronunciou na audiência realizada em Ji-Paraná, no dia 11 de Julho, com a participação do procurador do MPF, Murilo Rafael Constantino. A comunidade participou da audiência representada por Elvis Pessoa, presidente da ASSQFORTE, e assessorada pela CPT de Rondônia. O exército brasileiro acabou dando sua anuência através de um representante da AGU; assim como o INCRA, representado pelo responsável do Brasil Quilombola em Rondônia, William Coimbra. A decisão concede 60 dias para o início do mencionado RTID, para o qual a Secretaria da Igualdade Racial (SEPPIR) tinha-se comprometido reservar recursos em recente visita de inspeção judicial a área em litígio.[1]

Ainda foi tratado sobre a situação da Escola Estadual “General Sampaio”, que mesmo construída pelo Estado para a comunidade quilombola, foi anexada no interior do quartel. A construção de uma nova escola em outra área foi decidida, para o qual a Prefeitura Municipal de Costa Marques se comprometeu a fornecer o trabalho de engenharia e o material necessário. E a comunidade, com ajuda do Exército, se dispôs a colaborar com mão de obra na construção.

Todavia, a comunidade lamentou não haver autorização para o trator da Emater entrar para preparar as roças dos comunitários, sendo que atualmente estamos na época de preparação do terreno de lavoura tradicional e o atraso pode representar mais um ano de prejuízo para as atividades produtivas e de subsistência das famílias.

Histórico da Comunidade Quilombola e conflito com o Exército

A comunidade quilombola do Forte Príncipe da Beira teve início com a construção da fortaleza portuguesa na divisa da Bolívia, no século XVIII. Após ser abandonada pelos portugueses, no local sempre continuou existindo a comunidade remanescente dos antigos construtores da mesma, indígenas e afrodescendentes. E a comunidade continuou após visita de Rondon e retorno do Exército em 1940. A comunidade foi reconhecida como remanescente quilombola pela Fundação Palmares, em 2005. Enfrentando a falta de reconhecimento do Exército e muitas retaliações em todas as suas atividades, foram realizadas denúncias da violação de direitos humanos básicos: Impedimento de livre reforma e construção de moradias, despejo de famílias; prisão de tratores da Emater e impedimento de fazer roça, restrições para coleta de castanhas, dificuldades para pesca e acesso ao porto civil, restrições para acesso a escola cercada no interior do quartel militar, impedimento para atividades de turismo e hoteleiras, restrições para os jovens servir no quartel, etc.

Sempre ignorada oficialmente, em outubro de 2012 a Associação Quilombola do Forte Príncipe (AsqForte) elaborou um fascículo sobre o seu território, em parceria com o projeto Nova Cartografia Social da UFAM e o lançou em dezembro de 2014, em Costa Marques (RO). O documento define em croquis elaborado pela comunidade a indicação de suas terras tradicionalmente ocupadas, que abrange a extensão de 20.108.8709 hectares. Porém o Exército sempre impediu a entrada da equipe do Incra para realizar o RTID, o laudo antropológico oficial. Em 2015 o Exército apresentou uma proposta de CDRU: concessão individualizada de reconhecimento de posse, que foi recusada pela comunidade que defendia os seus direitos coletivos conforme a Lei de Regularização de Territórios Quilombolas. Após diversos intentos de Termos de Convivência, também recusados por impor medidas abusivas à comunidade, o MPF apresentou Ação Civil Pública na Justiça Federal para o INCRA realizar o laudo antropológico oficial.

Além da falta do estudo antropológico, a comunidade carece de muitas políticas públicas em nível municipal.  A Prefeitura de Costa Marques em diversos momentos tentou fechar a única escola existente na comunidade e tem dificuldade de implantar infraestrutura na comunidade como posto médico e sistema de água. “A água encanada vem do quartel, então eles se sentem com todo o direito de fazer o que eles querem e a gente tem que baixar a cabeça, eles acham que a gente tem que baixar a cabeça como se não tivéssemos direitos, nós somos amparados por lei da mesma forma que eles devem ter os direitos deles com certeza, mas também nós temos os nossos” afirma uma moradora. A perfuração de um poço artesiano foi impedida e hoje a demarcação do território, escola, liberdade para fazer roças e as políticas públicas de saúde e água são as prioridades da comunidade.

Também são prioridade a restauração da fortaleza e a autorização para desenvolver atividades turísticas e hoteleiras. O local recebe visitantes de todo estado e fora dele para conhecer a histórica fortaleza e outras construções, como um misterioso labirinto. Assim como gravuras nas pedras da cachoeira do Rio Guaporé, originárias da época pré-colombiana. O governo do estado, junto com o IPHAN, está avançando no sentido de que a fortaleza histórica do Forte Príncipe da Beira, construída em 1774, seja reconhecida como Patrimônio Histórico da Humanidade.

Nota:

[1] http://cptrondonia.blogspot.com/2018/05/juiz-federal-realiza-inspecao-judicial.html

Foto: Fábio Oliveira.

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