Mulheres negras são 81% das vítimas de discurso de ódio no Facebook, diz estudo

Luiz Valério P. Trindade*, Mundo Negro

Pesquisa recente revela dados preocupantes no que tange à crescente tendência de disseminação de discursos de ódio, racismo e diferentes formas de intolerância nas redes sociais brasileiras. Em primeiro lugar, 81% das vítimas de discursos de racismo no Facebook são mulheres negras na faixa etária de 20-35 anos. Em segundo lugar, a maioria das pessoas que se engaja na prática de construção e disseminação de tais discursos preconceituosos (65,6% dos casos analisados) são rapazes jovens de 20 e poucos anos. Além disso, o estudo evidencia também que, grande parte destes discursos é transmitida por intermédio de piadas depreciativas contra mulheres negras.

Diante disso pode-se perguntar, por exemplo, o que está por trás destes discursos ou quais são suas motivações ideológicas. Primeiramente, é possível verificar a existência de uma forte crença de que o pseudo-anonimato das redes sociais representa uma espécie de blindagem segura que protege os indivíduos de serem localizados e responsabilizados civilmente por seus atos. Munidos desta crença, as pessoas liberam suas ideologias preconceituosas sem restrições e qualquer crise de consciência (embora, muito dificilmente o fariam cara a cara). Ademais, esta tecnologia digital lhes permite romper e/ou desconsiderar qualquer distância social que possa existir entre elas e o(s) alvo(s) de suas ofensas disfarçadas em piadas depreciativas, já que em 76,2% dos casos analisados, ficou claro que elas não tinham qualquer tipo de relacionamento prévio com a vítima (tanto online quanto off-line). A perigosa consequência direta disso é que, potencialmente, estes indivíduos podem ofender praticamente qualquer pessoa que lhes vêm à mente no ambiente virtual. Como se isso não bastasse, como os usuários estão conectados em rede, ao disseminar estas ideologias, estes indivíduos atraem inúmeros outros com pensamento semelhante e amplificam o volume e o alcance de seus discursos preconceituosos de formas que não se vê no contexto do dia a dia fora da internet no Brasil.

Já no tocante à motivação ideológica, fica claro que o racismo arraigado, influenciado por crenças na ideologia do branqueamento (ou seja, a crença de que a branquitude é sinônimo de modernidade, beleza, civilidade e progresso, enquanto que a negritude seria exatamente o oposto), representa um dos principais pilares de sustentação desta prática. Como as piadas fazem parte do dia a dia de grande parte dos brasileiros e são socialmente aceitas nos mais variados contextos, elas constituem um veículo bastante conveniente para transmitir ideologias preconceituosas e permeadas de estereótipos negativos reducionistas. Afinal de contas, elas são meras “brincadeirinhas” recitadas com o objetivo unicamente de “entreter”.

No entanto, ao disseminar estes discursos preconceituosos e racistas nas redes sociais, estes indivíduos estão, na verdade, negando legitimidade à crescente ascensão social das mulheres negras e “punindo-as” por ultrapassarem a linha invisível que separa as fortes hierarquias sociais e raciais brasileiras (em outras palavras, é como se dissessem que determinados lugares de destaque e privilégio não lhes pertence). Na medida em que elas deixam de ocupar predominantemente papéis sociais associados à subserviência e baixa escolaridade e assumem posturas muito mais ativas na sociedade e, sobretudo, associadas a maior escolaridade, isso causa um profundo incômodo nos defensores de ideologias preconceituosas. Enfim, o resultado desta prática perniciosa (que precisa ser fortemente desafiada e desconstruída) consiste no triste reforço e perpetuação de representações sociais negativas e limitadas das mulheres negras brasileiras.

*Luiz Valério P. Trindade é doutorando em sociologia pela Universidade de Southampton (Inglaterra).

Imagem: NegraLi, Maju Coutinho e Taís Araújo foram mulheres negras vítimas de racismo online. Há muitas anônimas – reprodução/internet.

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