Nota de Repúdio à “reportagem” da TV Band: quem de fato está devastando as margens do rio São Francisco?

A CPT Nacional e a Regional Minas Gerais divulgam Nota Pública repudiando veementemente reportagem publicada pela TV Band na última quinta-feira (19), em que a emissora acusa, sem provas e dados concretos, a Pastoral e comunidades tradicionais de serem responsáveis pela degradação das margens do rio São Francisco. O documento exige, ainda, que “Como concessionária de um serviço público de comunicação, a TV Band tem por obrigação legal informar ao seu público, de modo isento e fiel, a verdade dos fatos. Como no presente caso descumpriu seu dever, acusando de forma leviana a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de apoiar ilegalidades que não existem, nós exigimos direito de resposta conforme garante a Lei 13.188/2015, para que a verdade dos fatos seja restabelecida e conhecida”

CPT

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) – CPT Nacional e Regional Minas Gerais  – vêm a público repudiar e exigir direito de resposta à Band (Rádio e Televisão Bandeirantes S.A.) em face da reportagem da TV Bandeirantes veiculada às 20h do dia 19 de julho de 2018 e disponibilizada também em seu sítio eletrônico, sob o título “Grupos invadem terras e destroem vegetação perto do rio”, que criminaliza os Povos e Comunidades Tradicionais e esconde a verdade a respeito dos conflitos agrários e socioambientais  que acontecem às margens do rio São Francisco, no norte de Minas Gerais. Esta “reportagem” revela que o jornalismo da Band não entende nada sobre este tema e, ao se meter nele, está acintosamente a serviço dos ruralistas da região, usurpadores de terras públicas e os reais destruidores do chamado “rio da unidade nacional”. Na realidade a “reportagem” é uma propaganda disfarçada que mostra o compromisso do jornalismo da Band com os interesses de empreendimentos do agronegócio, que causam imensa devastação socioambiental e que não foram denunciados.

Já de início, a chamada da “reportagem” – “o processo de demarcação põe em risco o futuro do rio” – esconde a realidade para apoiar os latifundiários e empresários da região, que têm realizado ações para impedir a celebração do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) e outras ações de regularização fundiária entre as Comunidades Ribeirinhas e o poder público.

A bem da verdade, temos que informar que:

1) As Comunidades ribeirinhas com seus modos tradicionais de vida ocupam as margens do rio São Francisco, algumas há séculos. Vivem da pesca, do extrativismo e de pequenas áreas de plantio nas ilhas e vazantes, aproveitando a fertilização natural trazida pelas cheias do rio. Daí sua identificação como ribeirinhos, pescadores e vazanteiros, algumas também indígenas e quilombolas. Além da subsistência de suas famílias, produzem boa parte dos alimentos comercializados nas feiras da região e protegem as beiras do rio das quais depende este modo de vida. Para essas Comunidades “o Rio é Pai e Mãe”, e as margens, uma bênção. Logo, as Comunidades Ribeirinhas são as primeiras interessadas na sua preservação. Vale lembrar que neste ano umas das comunidades vazanteiras do Norte de Minas, dentre 5 casos no Brasil, recebeu o Prêmio BNDES de boas práticas para Sistemas Tradicionais, em parceria com a EMBRAPA. São “exemplos de convivência com a terra, amostras da genuína cultura do campo em que natureza e comunidades se misturam e se confundem num jeito de viver especial”, conforme publicou a EMBRAPA.

2) A partir dos anos 1970, com favorecimentos dos governos da ditadura civil-militar-empresarial, grandes projetos de irrigação se apoderaram destas áreas ribeirinhas. Entre eles o Jaíba, nos marcos do Projeto JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão), à época tido como o maior do mundo, em parceria com o capital japonês.

3) Neste processo, milhares de famílias tradicionais ocupantes, diante da violência de jagunços, foram expulsas, algumas resistiram, muitas alojaram-se nas ilhas e periferias das cidades. São estas ainda hoje numerosas e lutam pela garantia da posse das áreas que lhes dão os meios de vida, para o que precisam preservá-las.

4) Fazendas de gado e empresas de irrigação ocupam áreas da União – as áreas inundáveis às margens de rios nacionais são de propriedade da União – de forma ilegal, muitas mediante mecanismos de grilagem de terras. Assim, além de usar as vazantes para colocar o gado nos períodos de seca, têm acesso ilimitado às águas do rio São Francisco para irrigação.

5) A grande irrigação na Bacia do São Francisco é, comprovadamente, o maior consumidor de água, cerca de 70%. Por isso é o maior responsável pela evidente diminuição do volume de água do rio, um dos mais degradados do mundo.

6) Os responsáveis maiores pela supressão de matas ciliares são os latifundiários e empresários, não as comunidades ribeirinhas que delas dependem. Para induzir ao equívoco dos telespectadores, a “reportagem” mostra imagens aéreas de vegetação seca, sem revelar que se trata do período natural da estiagem. Nos espanta que o Cerrado, Bioma responsável por mais de 90% das águas do Velho Chico, venha sendo devorado pelas grandes plantações de eucalipto, algodão, soja e cana, dentre outras monoculturas, e isso nem ao menos tenha sido citado pela “reportagem”.

7) As comunidades ribeirinhas no uso do direito de autodefinição buscam a efetivação da Política Nacional e Estadual de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais instituída pelo Decreto n° 6.040/2007 e pela Lei Estadual n° 21.147 de 14 de janeiro de 2014. Lutam pela regularização de seu território tradicional, que constituem os espaços necessários à sua reprodução cultural, social e econômica, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária. Desta forma, parte das comunidades tem seus processos de regularização iniciados, diferentemente de latifundiários que ocupam e degradam áreas da União sem autorização nenhuma.

8) A ação da Superintendência do Patrimônio da União (SPU) tem por objetivo regularizar para proteger as terras públicas da União nas margens do rio São Francisco, rio federal, através da demarcação e aprovação de ocupações que as preservam. É dever da SPU demarcar os territórios tradicionais como prescreve a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) da ONU, da qual o Brasil é signatário, que determina que os direitos das Comunidades Tradicionais, após autor-reconhecimento, devem ser garantidos. A SPU, em Minas Gerais, planejou realizar seis audiências públicas em cidades à margem do rio São Francisco, mas todas elas foram canceladas em função das pressões e ameaças dos latifundiários do norte de Minas. O que revela que autoridades e funcionários da União e do Estado não estão isentos destas injunções escusas.

9) Os fazendeiros que aparecem na “reportagem” são lideranças dos ruralistas na região, latifundiários que ameaçam as comunidades, perseguem lideranças e agentes pastorais, buscam influenciar o Poder Judiciário, criam milícias armadas e estão envolvidos em crimes contra comunidades, movimentos sociais e o meio-ambiente. Como resultado de inquérito policial da Polícia Civil de Montes Claros, três fazendeiros estão foragidos e 12 pessoas presas, por planejar ataque e tentativa de assassinato a comunidade sem-terra. Segundo divulgado pela Polícia Civil, o ataque foi planejado no Sindicato Rural de Montes Claros, e 20 pistoleiros contratados pelos fazendeiros cometeram o crime. Armas foram apreendidas nas fazendas. Em 2014 Cleomar Rodrigues de Almeida, liderança que vivia com sua família em uma área de comodato, em Pedras de Maria da Cruz, foi assassinado por funcionário de um fazendeiro. Muitas lideranças populares na região estão ameaçadas e envolvidas em programas de defensores de direitos humanos.

10) Ruralistas influenciam ou mesmo controlam prefeitos e deputados da região, que juntos fazem campanha, como a chamada “Paz no Campo”, cujo intuito é impedir qualquer tentativa de regularização dos legítimos territórios das comunidades tradicionais ribeirinhas.

Como concessionária de um serviço público de comunicação, a TV Band tem por obrigação legal informar ao seu público, de modo isento e fiel, a verdade dos fatos. Como no presente caso descumpriu seu dever, acusando de forma leviana a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de apoiar ilegalidades que não existem, nós exigimos direito de resposta conforme garante a Lei 13.188/2015, para que a verdade dos fatos seja restabelecida e conhecida. E a luta legítima e fundamental das comunidades ribeirinhas do Norte de Minas Gerais e de todo o rio São Francisco seja apoiada e vitoriosa, a bem da dignidade humana e do Rio – suas águas, terras, matas e gentes – e do País.

Belo Horizonte / Goiânia, 24 de julho de 2018.

Coordenação da CPT Regional Minas Gerais

Diretoria e Coordenação Nacional Executiva da CPT Nacional

Comunidade Mocambo fica às margens do rio São Francisco. Foto: Ascom MPF/SE

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