Chuva de veneno

Ataques aéreos com agrotóxicos são a atual forma de intimidação às comunidades quilombolas

Do Século Diário

Do céu deveria vir apenas as abençoadas chuvas que ajudam a regar as lavouras e aumentar as produções agrícolas. Entretanto, no Espírito Santo, assim como em outros estados, um mal tem provocado doenças e riscos ainda inimagináveis para comunidades rurais: as pulverizações aéreas de agrotóxicos. 

No norte, em São Mateus e Conceição da Barra, comunidades quilombolas relatam, constantemente, como têm sido vítimas dos temidos “aviõezinhos” da papeleira Aracruz Celulose/Fibria, que lança os venenos pelo céu para combater as pragas dos eucaliptais, mas que também acaba por atingir casas e lavouras dos pequenos agricultores. Os sobrevoos estão acontecendo sobre o território quilombola Sapê do Norte, incluindo áreas do Parque Estadual de Itaúnas.

Moradores relatam voos rasantes da chuva de venenos. O resultado: dores de cabeça, coriza, náuseas, tonteiras até em crianças, que ficam impedidas de ir às aulas. Nas lavouras, os efeitos colaterais também são danosos, amarelando as plantações de café e de pimenta-do-reino, além do relato de mortes de animais, como porcos.

Está claro que os ataques aéreos com agrotóxicos são uma forma atual de intimidação, secando nascentes, córregos e rios e isolando moradores em meio ao deserto verde. Se no passado, a desocupação das áreas era feita por meio da força e com armas, a ameaça agora vem de cima, inviabilizando a sobrevivência.

Se a luta dos quilombolas contra as pulverizações feita por aeronaves ainda não encontrou voz e apoio, nem mesmo no Ministério Público, em Boa Esperança, também no norte do Estado, um projeto de iniciativa popular foi transformado, no ano passado, na Lei Municipal nº 1.649/2017.

Em seu artigo primeiro, a legislação estabeleceu como “expressamente proibida a pulverização aérea de agrotóxicos no município”, com multa de até R$ 30 mil para os infratores, valor que pode ser quadruplicado se a infração ocorrer num raio de 500 metros de escolas, postos de saúde e núcleos residenciais da zona rural. Além de Boa Esperança, pelo menos outros dois municípios capixabas já aprovaram legislação própria proibindo a atividade: Nova Venécia e Vila Valério, no noroeste e centro-oeste do Estado.

A proibição poderia ter alcançado todo o Estado, caso o PL 31/2016, proposto por Padre Honório (PT), que objetivava a proibir a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o território capixaba, não tivesse sido arquivado em junho deste ano. Além do autor, somente Sergio Majeski (PSB) votou a favor da tramitação do PL. Todos os demais votaram pelo arquivamento.

Entre vitórias e derrotas contra a pulverização área, a batalha continua permanentemente travada. Recentemente, o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 529), com pedido de medida liminar, para questionar a lei de Boa Esperança. Segundo a entidade, a lei invade competência da União para regular a matéria.

Na ação, que tem como relator o ministro Gilmar Mendes, o Sindag alega que a lei de Boa Esperança contraria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa, além de ofender o direito constitucional ao trabalho, os princípios gerais da atividade econômica e os princípios da razoabilidade e da segurança jurídica, uma vez que o uso dos defensivos agroquímicos é feito de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura.

Vale acompanhar que desfecho a maior corte da justiça brasileira dará para o caso. Se a favor dos grandes fazendeiros e indústrias papeleiras ou se a favor da saúde dos pequenos agricultores e suas lavouras, que, em vez de chuva, têm sido envenenados pelo céu.

Comments (1)

  1. O Gilmar vai fechar com o Agrotóxico , ops ! , com o Agronegócio . Este paga muito , mas MUITO bem ao Podre Poder Judiciário e aos ruralistas . E que se dane o Meio-Ambiente e a população , obrigada a consumir produtos ( ia escrevendo alimentos …) recheados de agrotóxicos .

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