Estudo pode ajudar na criação de vacina contra malária

Pesquisadores da Fiocruz Minas publicam artigo na Nature Medicine com descobertas que rompem dois grandes paradigmas científicos

por Luana Cruz*, em Minas Faz Ciência

Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto René Rachou (IRR), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Minas), obteve respostas que podem contribuir para o desenvolvimento de novas vacinas contra a malária. O Plasmodium vivax, parasita responsável por 85% dos casos de malária no Brasil, se esconde nas células vermelhas (hemácias), e os cientistas descobriram que ele fica tão invisível quanto se pensava.

Acreditava-se até então, que as hemácias não eram reconhecidas pelas células de defesa do organismo (os linfócitos), portanto, ficaria difícil fazer uma vacina. Mas agora, os cientistas sabem que os linfócitos são capazes de enxergar células vermelhas imaturas, chamadas reticulócitos. Isso muda tudo, afinal, é possível o corpo enviar defensores que podem identificar o P. vivax, pois ele atinge justamente as hemácias imaturas. Mais que isso, os linfócitos podem matar os parasitas, ao liberarem a granulisina, substância que elimina patógenos do organismo.

Sendo assim, este estudo, que foi publicado na Nature Medicine, quebra dois grandes paradigmas científicos. O primeiro é que as células vermelhas em estado imaturo podem ser reconhecidas pelos linfócitos, ao contrário do que está registrado nos livros de biologia molecular. O segundo é que as pesquisas derivadas desse estudo devem propor uma vacina que age diferente contra o P. vivax: ao invés de bloqueá-lo, os cientistas vão tentar impedi-lo de surgir.

Vamos entender melhor essas quebras de paradigmas, mas antes, um breve contexto sobre a malária:

CENÁRIO DA MALÁRIA

Existem cinco espécies de plasmódios causadores da malária, que infectam seres humanos. O principal é o P. falcíparo, que ataca as regiões da África, em seguida, o P. vivax, encontrado na América do Sul. Atualmente, há duas vacinas sendo testadas na África contra a malária provocada pelo P. falcíparo, considerado mais mortal.

De acordo com a pesquisadora Caroline Junqueira, do Grupo de Imunopatologia da Fiocruz Minas,  que liderou o estudo, vivemos um cenário de crescimento da malária, que por muitos anos, ficou controlada. “Existem tratamentos quando ela é diagnosticada rapidamente, mas não há vacina. Aumentou a resistência dos parasitos aos anti-maláricos. Além disso, há um descaso das autoridades com as formas de controle”.

No Brasil, segundo a pesquisadora, o controle era eficaz. Agentes de saúde iam até a casa das pessoas, detectavam a infecção, deixavam o medicamento e, ademais, era feita borrifação de inseticidas que matam o mosquito transmissor.

“Nos últimos cinco anos, esse cuidado foi sucateado e a consequência é aumento da incidência de malária. Ocorre também em outros países em desenvolvimento porque nesse período a macroeconomia mundial passou por problemas”, afirma Caroline Junqueira. Outro fator relevante é a atenção dada para combate de doenças como zika, dengue, chikungunya e febre amarela, que receberam mais investimentos de saúde pública, se comparadas com a malária.

PARADIGMA 1: RETICULÓCITOS E O “PEDIDO DE SOCORRO”

Segundo a Caroline Junqueira, os reticulócitos expressam proteínas que se posicionam em sua superfície dando sinais, como se conseguissem pedir socorro aos linfócitos informando que estão em perigo. As hemácias não conseguem emitir este sinal de alerta, por isso não são reconhecidas por linfócitos.

A pesquisadora investiga o tema há seis anos e explica que o grande desafio para fazer as descobertas é cultivar o P. vivax em laboratório, porque ele atinge somente os reticulócitos. Esses, por sua vez, maturam em 48 horas e viram hemácias, impossibilitando os ensaios.

“Fui para um pós-doc na Universidade de Notre Dame, nos EUA, tentar cultivar o P. vivax in vitro. É difícil conseguir grande quantidade de reticulócitos para estudos porque representam apenas 1% das células vermelhas do nosso sangue. Trabalhei com os reticulócitos de várias formas e percebi que eram células negligenciadas e, consequentemente, o P. vivax. Eles são pouco estudados”, explica.

A cientista observa que reticulócitos são analisados, nos trabalhos de hematologia, no mesmo “pacote” que as hemácias, porém se diferenciam delas.

“Quando a célula progenitora perde o núcleo, começa a se chamar reticulócito. Apesar de não ter DNA, pois é anucleada, ela ainda tem altas quantidades de RNA mensageiro. Ainda tem organelas como retículo endoplasmático, complexo de golgi e mitocôndrias e só perde essas estruturas quando matura para hemácia. Se tem RNA, consegue expressar proteínas. Foi aí que eu matei a charada e levantei hipóteses”, afirma Caroline Junqueira.

Quando os reticulóticos infectados pelo P. vivax. expressam proteínas, ou “pedem socorro”, permite que os linfócitos façam a função de proteger o corpo e matar a célula tomada pelo parasito, estabelecendo-se uma forma de controle da malária.

PARADIGMA 2: PROPOSTA DE VACINA DIFERENTE

De acordo com Caroline Junqueira, as duas vacinas testadas hoje para a malária, e as demais já estudadas, se baseiam na produção de anticorpos bloqueadores do parasito. “A ideia é o anticorpo impedir a entrada do plasmódio na célula. Mas, isso nunca deu certo de fato”.

Caroline Junqueira em colaboração com cientistas no EUA, querem mudar o paradigma de resposta imunológica. “Na hora que um parasito matura e se rompe, ele libera 16 parasitos para infectar outras células. Se bloqueá-los é difícil, talvez seja melhor tentar matar aquela célula antes do rompimento e liberação”.  É a possibilidade de desenvolver uma vacina que induza resposta celular e não apenas anticorpos.

Para alcançar este objetivo é necessário mapear detalhadamente os antígenos que estão sendo expressos pelos reticulócitos infectados no “pedido de socorro”. Assim, é possível fazer vacinas baseadas nesses antígenos e capazes excluir o parasito antes do espalhamento. Segundo a cientista, esse mapeamento requer metodologias de trabalho muito complexas.

De toda forma, os estudos são vistos com interesse por toda comunidade científica. Caroline Junqueira se juntou a um grupo do Edward Jenner Institute for Vaccine Research, da Universidade de Oxford, responsável por produção de vacinas contra malária e HIV. “Se a gente achar um antígeno promissor, estando dentro desse grupo, a chance de conseguir aprovação para um teste clínico de vacina é mais rápida”, explica.

DESAFIOS DA PESQUISA

Como é difícil cultivar o P. vivax em laboratório, Caroline Junqueira foi à Amazônia, região de coleta de amostras, 15 vezes ao longo de seis anos.  “Passei cerca de nove meses no local. Foi preciso montar uma estrutura para ter acesso a amostras de sangue de pessoas com malária”, explica.

Para ter uma quantidade suficiente de reticulócitos para uma análise é preciso de aproximadamente 10 tubos de sangue. As amostras são processadas e purificadas para que os cientistas tenham acesso somente aos reticulócitos e nem todos estão infectados pelo P. vivax.

As coletas contaram com a colaboração do pesquisador Délio Pereira, do Centro de Pesquisa Tropical de Porto Velho, uma referência em diagnósticos para pessoas com suspeita em malária. Todos os pacientes que tinham testes positivos eram convidados a participar da pesquisa da Fiocruz Minas. Quando conseguiam um participante, começava a corrida contra o relógio para que os reticulócitos do sangue coletado não maturassem para hemácias antes das análises necessárias.

ESTA CIÊNCIA É BRASILEIRA!

Além de Caroline Junqueira, o estudo intitulado Células T CD8 + citotóxicas reconhecem e matam reticulócitos infectados por Plasmodium vivax é liderado por Ricardo Gazzinelli, também da Fiocruz Minas. Eles contaram com parceria de Andréa Teixeira, do Grupo Integrado de Pesquisas em Biomarcadores, e Lis Antonelli, do Grupo de Biologia e Imunologia de Doenças Infecciosas e Parasitárias, alem de cientistas da Universidade de Harvard.

Caroline Junqueira se orgulha do trabalho que foi pensando e 100% executado no Brasil, o que tem um valor enorme para nossa ciência. “Fazer pesquisa é uma coisa meio romântica, a gente faz porque ama. Não é um trabalho muito reconhecido, mas tem todo um romantismo”.

*Mestre em Estudos de Linguagens pelo CEFET-MG e jornalista graduada pela PUC Minas. Desenvolve pesquisas na área de Comunicação, Hipermídia, Jornalismo Digital, Linguística, Ciência da Informação, Produção Editorial e Marketing de Conteúdo. É professora em cursos de graduação e pós-graduação na PUC Minas, UniBH e ESP-MG. Atuou por seis anos como repórter multimídia no Estado de Minas/Portal UAI, além de dois anos como repórter colaboradora do Portal Uol.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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