A pergunta do título não quer saber se o ex-presidente conseguirá transferir parte de sua considerável intenção de voto para o (praticamente) desconhecido ex-prefeito de São Paulo, mas se o povão que ganha até dois salários mínimos – e tem se mostrado fiel a Lula – sentirá empatia por Fernando Haddad.
A pergunta não é uma curiosidade sociológica. Em última instância, esse pode influenciar na disputa, caso ele vá ao segundo turno e sofra com o antipetismo bombardeado por mercado, partidos políticos, um naco do Judiciário e parte da mídia.
Fernando Haddad é uma pessoa culta, cosmopolita e inteligente. Mas isso não faz dele necessariamente um bom ouvinte (se tivesse escutado quem estava a seu redor, os desdobramentos de Junho de 2013 poderiam ter sido diferentes, por exemplo), muito menos um orador carismático – duas das principais características que transformaram Luiz Inácio da Silva em Lula.
Inserir o nome do ex-presidente, que cumpre pena na Polícia Federal, em Curitiba, pelo menos duas vezes em cada frase que pronunciar vai lhe trazer votos, mas pode não resolver toda a equação num hipotético segundo turno. Afinal, ele não é seu padrinho político. Seu discurso de aceitação da nomeação como candidato, nesta terça (11), já é uma evolução em comparação ao último debate eleitoral na campanha de 2016. Nele, Haddad gerou menos empatia com a população do que João ”Não-largarei-a-Prefeitura-É verdade-esse-bilete” Doria.
E um segundo turno com Bolsonaro é outra história. As soluções que o capitão reformado dá aos problemas do país não sobreviveriam a uma sessão de interrogatório do coronel Brilhante Ustra. Mas ele sabe se comunicar. Fala para uma parte dos extremistas o que querem ouvir. E conversa de maneira que a parte indecisa dos eleitores entende, mesmo que discorde. Com isso, vai preenchendo medos, ansiedades e sensação de vazio com essa conexão. O conteúdo insuficiente, nesse caso, é menos importante que a forma.
Parte das elites intelectual, social e política não entende esse tipo de conexão. Chama os eleitores de Bolsonaro de ignorantes e acha que a inércia democrática, o recall das eleições passadas, a propaganda eleitoral ou a memória da abundância de governos anteriores mudam o cenário na hora certa.
Com isso, não se preocupam como trabalhadores e o restante da classe média estão absorvendo o discurso que eles próprios seguem usando. Louvam a racionalidade. O problema é que o ano ultrapolarizado de 2018 não será vencido pela razão, mas através do discurso sobre ordem e emprego que vencer a barreira do ceticismo usando a emoção.
Lula é capaz de começar um discurso com uma parábola sobre a vida de um jogador de futebol da Série D do Campeonato Brasileiro e terminar falando sobre a geração de empregos formais em pequenas cooperativas agropecuárias no interior. Ao costurar histórias reais e a vida cotidiana, usando linguagem popular, consegue fazer com que a audiência entenda e abrace o que propõe. Claro que não há outro candidato capaz de fazer isso no páreo.
Cresci num bairro periférico da capital paulista e acompanhei, via família e amigos que ainda estão lá, as críticas a Haddad ao longo de seu mandato. As principais diziam respeito a uma certa sensação de abandono. Questionado sobre o assunto em várias entrevistas, ele lista uma série de realizações nas regiões mais pobres da cidade e culpa o clima político nacional. A comunicação, definitivamente, não foi o forte dessa relação. No final, ele fez mais do que a população da periferia acha que ele fez e menos do que ele acredita ter feito. Será esse um sinal de falta de empatia?
Claro que Haddad ou ”Andrade” – para muitos que ainda não conhecem direito o ”tal do sujeito indicado pelo homem” – não precisa e não deve ser Lula. E para mal e para bem, ele não é. Tampouco é deve ser uma nova Dilma Rousseff. E, para bem, ele não é. Se o povão vai comprar a ideia de que ele vai preencher o vazio eleitoral deixado pela retirada de Lula e, principalmente, estabelecer identificação e empatia com ele, vai depender do próprio Haddad, de seu discurso de campanha e da propaganda eleitoral.
Ao que tudo indica, será necessário mais do que avisar que Lula e Haddad e Haddad é Lula. Para parte dos eleitores, ele terá que provar isso.
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Foto: Ricardo Stuckert