Ataque à página “Mulheres Unidas contra Bolsonaro” foi atestado de burrice. Por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

Tão logo a página ”Mulheres Unidas contra Bolsonaro” foi atacada e teve seu nome, identidade e conteúdo alterados para parecer que prestava apoio ao ex-capitão, as redes sociais foram tomadas pela indignação de mulheres. Mas também por militantes do candidato de extrema direita comemorando o feito, principalmente homens. Dependendo da bolha digital em que você está, viu um tipo de reação ou outro.

A página se tornou, nos últimos dias, um fenômeno de crescimento, com mais de um milhão de membros e mais de dois milhões de convites para participar, tanto que estava sofrendo ameaças e intimidações. De acordo com a pesquisa Datafolha, divulgada nesta sexta (14), a rejeição de Jair Bolsonaro é maior entre as mulheres (49%) – mesmo índice da pesquisa de segunda (10). Enquanto isso, a rejeição entre os homens oscilou de 37% a 38%. Ou seja, metade do eleitorado feminino afirma que não vota no deputado de jeito nenhum.

Após o ataque, o Facebook suspendeu a página após detectar ”atividade suspeita” e, segundo comunicado distribuído por porta-voz da empresa, ”esclarecer o que aconteceu” e ”restaurar o grupo às administradoras”. Ao contrário de boatos que estão circulando na rede, a página surgiu e cresceu como ”Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, não tendo sido convertida a partir de outra. Novo comunicado no começo da tarde deste domingo (16), informou que o ”grupo foi restaurado e devolvido às administradoras”.

Entre as mensagens vindas de perfis masculinos que comemoravam o ataque, variações de ”calamos a boca dessas vadias”.

Poucas coisas podem ser mais representativas da expressão ”um tiro no próprio pé” do que esse tipo de celebração. Aliás, poucas coisas podem dar mais errado do que, neste momento, em que movimentos de mulheres assumem o papel de principal força mobilizadora, no Brasil e no exterior, alguém tentar calar a boca de mulheres ou comemorar que isso aconteceu. O resultado é o oposto: você multiplica as vozes silenciadas.

Quem celebrou o ataque não conta, apenas, com uma incapacidade de conviver com as regras do jogo democrático, vencendo através do debate de ideias ao invés de cala-las. É imaturo e incapaz de entender como funciona a dinâmica social. A página já estava sendo usada como plataforma para transformar a indignação que se aglutinou pela rede em atos agendados em todo o país, com centenas de milhares de pessoas confirmadas. Agora, diante da indignação, os atos tendem a ser ainda maiores.

Há grupos de rapazes que acreditam que estão sendo revolucionários e contestadores ao celebrar esse tipo de ataque, quando, na verdade, agem de forma ultraconservadora e reacionária. Acham que exalam o perfume da novidade, mas fedem a um mofo de séculos. Parte desses jovens costuma abraçar esses discursos como reação às tentativas de inclusão de grupos historicamente excluídos. Eles viram que a luta por direitos iguais por parte de suas colegas de classe ou de coletivos feministas em suas escolas está significando, para eles, uma perda de privilégios que hoje nós, homens, temos. Nesse contexto, influenciadores digitais, formadores de opinião, guias religiosos e políticos oportunistas ajudaram a fomentar, com seus discursos irresponsáveis, respostas opressoras dos rapazes à luta das moças pelo direito básico a não sofrerem violência.

Muitos homens estão insatisfeitos e se veem acuados diante do discurso de que muito do que lhes foi ensinado no que diz respeito aos seus direitos, deveres e limites agora precisa ser revisto para incorporar necessárias mudanças. Não aceitam críticas e dizem que é necessário reagir às mudanças. Todos nós, homens, fomos criados no machismo, em maior ou menor grau, e temos um longo caminho para a desconstrução. Mas uns, não satisfeitos em negar o processo de libertação de si mesmos, querem também impedir a das outras.

”Calamos a boca dessas vadias.” Na verdade, nós homens, fazemos muitos mais do que isso. Em 2017, foram registrados 60.018 estupros, 1.133 feminicídios, 4.539 mulheres vítimas de homicídios e 221.238 registros de lesão corporal dolosa em violência doméstica, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Entre 2001 e 2016, as notificações de estupro coletivo saltaram de 1.570 para 3.526, são, em média, dez casos por dia. Um em cada três brasileiros acha que a afirmação ”A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada” está correta. Não há paz em uma sociedade em que 85% das mulheres têm medo de serem estupradas.

Parte da rejeição maior das mulheres a Bolsonaro deve-se à defesa, por parte do candidato, de pautas como o armamento da população e à sua retórica mais agressiva, que encontram mais eco entre homens. Mulheres apresentam um posicionamento mais crítico a esse discurso – até porque, para cada morto, ferido ou preso, ficam filhas, mães, irmãs, esposas, que acabam sendo obrigadas a também viverem esses dramas. Quando não são elas próprias as vítimas.

Parte por conta de suas declarações misóginas. Como a que diz que a diferença salarial de homens e mulheres na mesma função é uma não-questão eleitoral. Ou quando disse que a deputada Maria do Rosário ”não merecia” ser estuprada por que ele a considera ”muito feia” e, por conta disso, tornou-se réu no Supremo Tribunal Federal. Ou ainda por ele ter dito que “Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”.

Nós, homens, pensaríamos duas vezes antes de falar e agir de forma machista, preconceituosa e violenta se tivéssemos medo de sermos criticados, repreendidos e humilhados publicamente também por outros homens. Mas, infelizmente, não atuamos para qualificar esse debate publicamente. Nós, homens, temos a responsabilidade de educarmos uns aos outros, desconstruindo nossa formação machista, explicando o que está errado, impondo limites ao comportamento dos outros quando esses foram violentos, denunciando se necessário for. Isso diz respeito a todos nós, da direita à esquerda, pois a ignorância não é monopólio de ninguém.

Com a devolução da página às suas responsáveis, o saldo do ataque foi deixar muitas mulheres mais irritadas ainda, empurrando mais gente para as manifestações de rua contra Bolsonaro. Ou seja, o responsável prestou um grande desfavor ao seu candidato.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

quatro × cinco =