Fernando Collor e Renan Calheiros perpetuam-se no poder a partir dos filhos

Aliado de usineiro acusado de trabalho escravo, Collor lança o caçula para a Câmara; à frente do governo estadual, Calheiros acumulam fazendas e bois

Por Bruno Stankevicius Bassi, em De Olho nos Ruralistas

Desde que readquiriu seus direitos políticos, em 2002, o ex-presidente Fernando Collor de Mello tem expandido seu poder em Alagoas, em aliança com famílias usineiras. De volta ao PTC (ex-PRN). o senador cogitou disputar novamente a Presidência em 2018, 26 anos após o impeachment. O projeto não foi acolhido pelo partido, que preferiu apoiar a candidatura de Álvaro Dias (Pode-PR) e lançar o senador alagoano ao governo do estado.

Na sexta-feira (14/09), Collor anunciou que abdicará de concorrer a governador. Ele ficará no Senado até 2022. Com a desistência, o ex-presidente passa a compor a chapa do governador Renan Filho (MDB), filho do senador Renan Calheiros. candidato à reeleição. Segundo Collor, houve “falta de reciprocidade” de sua coligação durante a construção da candidatura.

Mas seus planos tiveram eco entre seus aliados em Alagoas. Um dos principais apoiadores de sua naufragada candidatura à presidência foi o empresário e político João Lyra (PSD), pai de Thereza Collor, a viúva de Pedro Collor de Mello (morto em 1994), o irmão do ex-presidente que, ao delatar o esquema de corrupção em seu governo, precipitou sua queda em 1992.

A LENTA DERROCADA DO CORONEL DE COLLOR

Aliados na política, Fernando Collor e João Lyra também tinham interesses econômicos em comum. Segundo a delação premiada do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, o senador alagoano pediu que a BR Distribuidora, braço da estatal, fizesse uma compra antecipada da safra de etanol de Alagoas em 2010, no valor de R$ 1 bilhão. Lyra, beneficiário direto da operação, participou da reunião. O pedido não foi atendido, mas pouco depois a Laginha Agro Industrial recebeu um crédito de R$ 50 milhões.

Em 2014, a Laginha Agro Industrial efetuou um pagamento de R$ 300 mil para a Gazeta de Alagoas, de propriedade de Collor. A operação apareceu em um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre transações atípicas. Segundo a Procuradoria-Geral da República, o repasse era referente a propina. Desde agosto de 2017, o senador alagoano é réu na Operação Lava Jato.

Por décadas, João Lyra foi um dos maiores usineiros de Alagoas, considerado uma síntese do coronelismo no estado. Deputado federal por dois mandatos (2003-2006 e 2011-2014), Lyra deixou o Congresso para concorrer a governador, em 2006. Na época, era o segundo candidato mais rico do Brasil, com um patrimônio de R$ 236 milhões. Apesar da fortuna gasta para financiar a própria campanha, perdeu a eleição para Teotônio Vilela Filho (PSDB).

No auge de seu poder, Lyra tinha seis fazendas próprias e outras 97 propriedades vinculadas à usina Laginha Agro Industrial S/A. No total, 27 mil hectares de canaviais, segundo dados apresentados na dissertação da geógrafa Sandra Helena Gonçalves Costa, defendida na Universidade de São Paulo (USP). Seu irmão, Carlos Lyra, também usineiro e ex-senador, é dono de outros 24 mil hectares divididos em 28 imóveis, além da Varrela Pecuária.

Mas o império ruiu. Em 2016, as dívidas do Grupo João Lyra chegavam a R$ 2 bilhões, dez vezes o patrimônio declarado à Justiça eleitoral. Com as atividades paralisadas, 4 mil hectares de terras improdutivas do grupo foram ocupadas por famílias camponesas.

Antes de se tornar massa falida, a Laginha Agro Industrial esteve envolvida com trabalho escravo. Em 2010, 207 trabalhadores foram resgatados de uma das fazendas do Grupo João Lyra, em Capinópolis (MG). Dois anos antes, 53 trabalhadores foram mantidos em condição análoga à escravidão em União dos Palmares (AL), município sobreposto às terras que, no século 17, abrigaram o quilombo de Zumbi e Dandara.

DINASTIAS SE PERPETUAM NA POLÍTICA E NO AGRONEGÓCIO

Em Alagoas, é comum que famílias usineiras criem suas próprias dinastias políticas, como vimos na outra reportagem da série sobre Alagoas: “Usineiros e seus defensores dão as cartas na política alagoana“. O caso de Collor não é exceção: Fernando James (PTC), filho mais novo do senador, reconhecido apenas em 1998, concorrerá a deputado federal.

As eleições de 2018 também trouxeram um fato novo. Neto de senhor de engenho, Fernando Collor nunca havia declarado terras: a fortuna de sua família vem da Organização Arnon de Mello, um dos maiores conglomerados de mídia do Nordeste. No entanto, uma reportagem do BuzzFeed News identificou que, na relação de bens entregues por Collor à Justiça eleitoral, apareciam fazendas e outros bens que também constavam, de forma idêntica, na declaração do deputado federal Arthur Lira (PP).

O desembargador do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, Paulo Zacarias da Silva, atribuiu a duplicação a um “erro de digitação“. O PP de Arthur Lira compõe a chapa que lançou Fernando Collor na disputa ao governo de Alagoas.

Além do filho caçula, a ex-cunhada, Thereza Collor (PSDB), filha de João Lyra, também disputa uma vaga na Câmara, mas pelo estado de São Paulo, onde está radicada desde 2000. Ela é acompanhada por outra figura icônica dos anos 1990: a ex-primeira dama Rosane Brandão Malta (PHS) busca uma vaga de deputada estadual em Alagoas. Apesar da relação conflituosa com o ex-marido, Rosane ainda ostenta o sobrenome Collor na urna.

Os filhos mais velhos de Collor se mantiveram fora da política, mas próximos do agronegócio. Arnon Affonso e Joaquim Pedro são frutos do primeiro casamento do ex-presidente, com Lilibeth Monteiro de Carvalho, herdeira do Grupo Monteiro Aranha. A holding de R$ 1,25 bilhão é uma das principais acionistas da Klabin S/A, maior produtora de papel do Brasil e dona de 494 mil hectares. Em abril, com a reestruturação do grupo, os filhos de Fernando Collor assumiram o conselho de administração do grupo.

A mudança veio após a aposentaria de Olavo Egydio Monteiro de Carvalho, primo de Lilibeth. Ele resolveu se dedicar integralmente à pecuária. Na Fazenda Santarém, em Três Rios (RJ), Olavo cria vacas premiadas em parceria com a cantora Ivete Sangalo. Criado em 2007, o Condomínio Monteiro Sangalo contava com participações ilustres: além de Maurício Odebrecht (irmão menos famoso de Marcelo Odebrecht) e Jorge Picciani (MDB/RJ) – o ex-deputado fluminense que já foi personagem desta série De Olho na Bancada Ruralista, assessorou seu amigo Olavo e compartilhou sua longa experiência com a criação de gado Nelore.

AS VACAS FÉRTEIS DE RENAN CALHEIROS

O beneficiário direto da desistência de Fernando Collor em concorrer ao governo de Alagoas é Renan Filho (MDB). Com a saída do ex-presidente, o filho do senador Renan Calheiros (MDB) lidera isolado as pesquisas de intenção de voto e deve confirmar sua reeleição para governador, com apoio do ex-presidente.

Os Calheiros são donos da Agropecuária Alagoas, com 2.874 hectares em Murici (AL). Em 2007, a empresa tornou-se pivô de um escândalo envolvendo o pai, Renan, e sua amante, Mônica Veloso. Investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob suspeita de usar dinheiro de propina para pagar pensão à jornalista, com quem teve uma filha, o senador alegou que obteve seus rendimentos da venda de bois.

No entanto, o valor declarado pelo senador colocaria suas fazendas entre as mais rentáveis do país. O valor da arroba comercializada pela Agropecuária Alagoas entre 2003 e 2006 era superior à média de São Paulo, um dos mercados mais valorizados em genética bovina. Isso durante um período em que Alagoas estava na zona de risco de febre aftosa.

A taxa de nascimento de bezerros nas fazendas de Renan também foi considerada suspeita: 86% de suas vacas pariram com sucesso, enquanto fazendas de alta tecnologia alcançavam, a duras penas, uma taxa de desmame de 73%. Uma dessas fazendas, a Cocal, estava registrada em nome de uma ex-empregada doméstica da família, falecida em 1997.

No governo de Alagoas, Renan Filho tem tentado reverter a crise que assola o setor sucroalcooleiro. Na safra 2017/2018, o estado produziu 13 milhões de toneladas de cana, menos da metade de sua média histórica. O resultado é fruto da falência de dezenas de grupos usineiros, como o de João Lyra.

Para salvar o setor, que representa 8% do Produto Interno Bruto de Alagoas, Renan Filho voltou atrás em sua convicção de não reduzir os impostos das usinas e anunciou, em julho deste ano, a diminuição do ICMS para as atividades de produção e beneficiamento de cana de açúcar. Com a isenção, os usineiros devem faturar, na próxima safra, R$ 4 bilhões a mais.

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