MPF vai propor investigação de homicídios cometidos por militares durante a ditadura

Em entrevista na TVT, procuradora Eugênia Gonzaga afirma que responsáveis pelos crimes da ditadura ainda estão vivos e mantêm pacto de silêncio

por Luciano Velleda, na RBA

Procuradora da República, Eugênia Gonzaga é taxativa em afirmar que o Ministério Público Federal (MPF) vai começar a propor ações em casos de homicídios cometidos pela ditadura civil-militar (1964-1985). Até então, o MPF tem priorizado ações contra a União em casos de desaparecidos políticos, num entendimento de que tal crime é permanente e, portanto, não prescreve. A mudança de postura deve ocorrer em função da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), que responsabilizou o Estado brasileiro por não investigar o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado.

“O Ministério Público vai passar a propor ações mesmo em caso de homicídio”, disse Eugênia Gonzaga durante o programa Entre Vistas, desta terça-feira (18), da TVT. Presidenta da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, ela relembrou que a Corte Interamericana já havia condenado o Brasil, em 2010, pelas mortes e desaparecimentos relativos a Guerrilha do Araguaia. Agora, com a decisão sobre o caso Herzog, a Corte decide não ter validade a lei interna do Brasil segundo a qual o crime estaria prescrito. “O Brasil está seriamente inadimplente com a Corte Interamericana.”

Com certo otimismo, a procuradora da República acredita que a decisão da OEA pode mudar a postura do Judiciário e de membros do governo federal. Ainda assim, tem a exata percepção de que o tema não é fácil. “Eles (Forças Armadas) não se constrangem em deixar buscar, escavar e procurar os corpos”, pondera.

Sobre a Lei da Anistia, Eugênia Gonzaga explica que o termo correto não é “revisar” a lei, e sim uma “nova interpretação”. “Não se trata de mexer na lei, ela é válida para o que se propõe”, afirma, lembrando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010, validando a Lei de Anistia como instrumento para impedir a responsabilização de crimes cometidos por agentes da ditadura. “Foi lamentável essa decisão.”

Foi quando o apresentador Juca Kfouri questionou procuradora sobre como vê a seriedade do STF. “Difícil dizer que não é sério, mas está omisso”, disse a presidenta da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Eugênia Gonzaga enfatizou que ainda estão vivos vários membros do Exército responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura, o que talvez cause algum receio em setores da República em lidar com o tema.

“Alguns já morreram de modo estranho, incluindo suicídio com dois tiros no peito…É um pacto de silêncio que vigora ainda hoje”, afirma a procuradora, membra do Ministério Público (MP) há 21 anos e, desde então, tendo construído uma trajetória combativa na defesa dos direitos humanos.

Democracia fraca

Eugênia Gonzaga não fica em cima do muro e é firme ao dizer que o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff foi um golpe. “Somos uma carreira que deixou cair um governo de modo antijurídico”, define, enfatizando que o STF jamais julgou o mérito da acusação que derrubou Dilma.

Para ela, o Brasil não mantém a “chama da democracia” acesa. Crítica da intervenção militar no Rio de Janeiro, afirma que o Estado não pode combater seu próprio cidadão com tiros. “O Estado pode se defender, mas atualmente está atacando.”

A procuradora acredita que a ideologia do inimigo externo está voltando com força e a população não está preocupada com a democracia. “As pessoas, em geral, não são más, querem o bem, mas vão sendo contaminadas por falácias. Temos uma democracia muito fraca”, avalia.

Assista a íntegra do Entre Vistas com Maria Eugênia Gonzaga:

Imagem: Eugênia Gonzaga diz que a decisão da OEA no caso Herzog pode abrir uma nova fase na punição dos crimes da ditadura – REPRODUÇÃO/TVT

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

cinco − cinco =