Considerado a incógnita do Estado por alguns, a representação do conservadorismo e do elitismo para outros, o Judiciário segue despertando atenção nos mais variados recônditos desse país. Afinal, acertou o revolucionário francês, Thouret, quando afirmou que “não existe poder que aja mais diretamente e habitualmente sobre os cidadãos do que o Poder Judiciário”. Nisto o nobre advogado tinha razão! A maioria das leis só faz realmente sentido quando aplicadas ao caso concreto, isto é, quando sentimos na pele seus efeitos.
Inevitavelmente, o Judiciário legisla quando materializa uma lei na vida de alguém e, contra esta lei não dá pra recorrer ao Legislativo, só o próprio Judiciário pode reverter, porém, quando este órgão se encontra longe das decisões vanguardistas do sul do país, situado em uma capital nordestina, marcado por uma longa história de dominação oligárquica, cujo estado foi o último a reconhecer a independência do país, onde ainda cintilam imperativos obsoletos de política econômica local, quem depende de uma decisão dessa esfera de poder vive profunda expectativa, pois julgamentos anacrônicos não são surpresas em nosso estado.
Contudo, o atual contexto nacional de consideráveis retrocessos para os direitos e garantias fundamentais, conquistados na base de profusas lutas, vem ao encontro dessa realidade estadual maranhense de certa forma propícia para a disseminação de ideias ultrapassadas, desnecessariamente prorrogadas na nossa história como a violência com que foi contida a greve dos professores no estado de São Paulo; como o descomedido autoritarismo na condução de algumas entrevistas políticas neste período eleitoral; a aclamação das ideias disseminadoras de ódio e opressão por parte dos brasileiros; a agressão institucional sofrida pela advogada Valéria dos Santos no exercício da sua profissão são alguns exemplos emblemáticos dos dias truculentos que estamos vivendo.
E o estado do Maranhão, por sua vez, não está de fora desta onda repressora, pelo contrário, aqui são fartas as circunstâncias de supremacia econômica em detrimento dos direitos fundamentais de comunidades tradicionais, de ameaças e de violência policial contra estas mesmas comunidades. Os defensores de direitos humanos que militam em favor dessas pessoas também são vítimas, em vários momentos, dos açoites desse sistema perverso formado pelo Estado e iniciativa privada, basta incomodar um bocadinho para experimentar a fúria de quem não aceita críticas, sobretudo quando questionam o modus operandi dos caciques do poder econômico contra trabalhadores e trabalhadoras do nosso estado.
Na condição de advogada, militante do jornalismo jurídico comunitário, sempre tive o cuidado de me expressar contra as agressões sofridas pela comunidade Cajueiro de forma lícita, apenas relatando as irregularidades por mim acompanhadas. Logicamente não abdiquei do tom sarcástico que orientam minhas publicações, até porque não nasci no Afeganistão para viver escondida atrás de uma burca, mas ainda assim me senti mutilada nos últimos dias, no meu direito de expressão.
Curiosamente, recebi bem na hora do almoço uma notificação da empresa Wpr São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda, pretensa responsável pela construção de um porto privado em São Luís, onde uma parte fica situada na área relativa à Resex Tauá Mirim, segundo informações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO). A notificação, como não poderia deixar de ser, me comunicava de que eu estava terminantemente proibida de tocar do “santo” nome da referida empresa pelas redes sociais, onde a decisão judicial determinava também que eu não poderia tratar de nada que a envolvesse.
Logo eu que tenho a liberdade como o valor mais fundamental do ser humano! Entretanto, a parte mais dramática, para não dizer cômica, era que a empresa pedia dinheiro a título de danos morais por ofensas que infelizmente eu nunca publiquei para não ser importunada despropositadamente!
O mais interessante é que o advogado da WPR fez-me ré, não só na ação, mas também através das suas colocações nada elegantes e muito menos educadas, pois no processo fui chamada de irresponsável, mentirosa, agressiva, preconceituosa, intolerante etc. Embora não tenha divulgado nenhuma inverdade, a justiça estadual maranhense, onde a enorme parte dos membros exerceu a advocacia, me amordaçou!
Por um momento, achei tudo tão sem nexo que pensei em não reagir, no entanto, a responsabilidade social falou mais forte, pois este veredicto vergonhosamente repressor serviria de precedente no Tribunal para calar outros companheiros e companheiras que militam na área dos direitos humanos. Assim, em nome do sentido coletivo de justiça que me motiva, insurgi-me. Por meio de acanhada confiança que ainda resistia em relação aos nobres magistrados acastelados, distantes, em sua maioria, da realidade social dos seus jurisdicionados, busquei reverter a situação e, para minha surpresa, um filete de luz se acendeu no meio de uma conjuntura trevosa típica do autoritarismo que consome os topos das pirâmides sociais. Não estou mais proibida de falar obviedades que 99% das pessoas não querem expor, porque todos os que expuseram suas opiniões contra a empresa citada foram fortemente perseguidos, senão vejamos, o professor doutor, representante máxime da luta pelo Cajueiro e pela Resex Tauá Mirim, foi acusado pela empresa na Reitoria da universidade em que é professor com o manifesto intuito de prejudica-lo em seu trabalho; o defensor público militante em prol da comunidade foi acusado pela empresa na corregedoria da instituição; o juiz que conheceu o processo desde o início e tinha total domínio de todos os fatos ocorridos na localidade foi ferozmente afastado sem o menor cabimento jurídico.
Como se pode perceber, a perseguição é implacável contra tudo e todos que atravessam o caminho da mencionada empresa. E isto não é divagação de uma advogada visionária, é a constatação inequívoca da realidade vivenciada nos últimos anos em nosso estado.
Então, se o Tribunal de Justiça do Maranhão, com todo o caráter conservador que lhe é peculiar, teve a coragem de desafiar o poder econômico dominante em prol de uma humilde assessora comunitária que poucos amigos tem nas suas redes sociais, reanima uma leve esperança de que essa chamada “onda repressora” encontre ventos contrários pelo caminho.
*Advogada, Especialista em Direito Público, Mestranda em Desenvolvimento Socioespacial e Regional/UEMA, integrante do LIDA (Lutas, Igualdade e Diversidade)/UEMA.