Temer vai entregar uma democracia mais frágil, com instituições esgarçadas. Por Leonardo Sakamoto

no blog do Sakamoto

Os dias que antecedem a Assembleia Geral das Nações Unidas são intensos em reuniões, diálogos, negociações. Realizada sempre no mês de setembro, em Nova York, reúne chefes de Estado de todo o mundo. Entre eles, o nosso. Costumo estar na cidade nessa época para acompanhar o encontro. Desde que assumiu a Presidência, Michel Temer nunca foi alvo de muita curiosidade de colegas jornalistas estrangeiros, diplomatas e da burocracia da ONU. O mesmo não posso dizer, contudo, de Jair Bolsonaro.

Recebi uma saraivada de perguntas sobre quem era ”o candidato que não gosta de direitos humanos”, ”o militar que a [revista] Economist chamou de a mais recente ameaça na América Latina” e, a mais humilhante: ”o que aconteceu com vocês para votarem pelo autoritarismo?”.

Uma resposta seria dizer que essa é a prova da beleza da democracia, pois ela permite que qualquer um atinja o poder. Inclusive aqueles que podem enterrá-la.

Neste ano, Temer tratou dela em seu discurso: ”A nossa, senhoras e senhores, é uma democracia vibrante, lastreada em instituições sólidas”. Gostaria de viver no Brasil em que ele vive ou usar o mesmo colírio.

Parte da população aturdida com a aprovação de leis que reduziram a proteção social dos mais vulneráveis, com os perdões bilionários aos mais ricos e com a comercialização de votos de deputados federais para que rejeitassem as denúncias criminais contra ele deixou de acreditar na coletividade e buscou construir sua vida tirando o Estado da equação. Essa população pobre cozinhou sua insatisfação em desalento, impotência, desgosto e cinismo. Isso não estoura em manifestações com milhões nas ruas, mas gera uma bomba-relógio que pode explodir em algum momento. Durante seu governo, muitos deixaram de confiar na política como arena para a solução dos problemas cotidianos, o que é equivalente a abandonar o diálogo visando à construção coletiva. Caídas em descrença sob seu mandato, instituições vão levar muito tempo para se reerguerem – e isso, se conseguirem.

Tudo isso abriu espaço para figuras que se vendem como salvadoras da pátria, prometem trazer a paz na base da porrada e nos obrigam a passar vergonha ao responder perguntas.

Em 2016, Temer foi boicotado por países que se identificavam com o PT. Em 2017, seu discurso foi considerado praticamente irrelevante. Agora, ele conta uma mentira em sua despedida à comunidade de nações, afirmando que ”o país que entregarei a quem o povo brasileiro venha a eleger é melhor do que aquele que recebi”. E foi além: ”o próximo governo e o próximo Congresso Nacional encontrarão bases consistentes sobre as quais poderão seguir construindo um Brasil mais próspero e mais justo”.

O principal legado do governo Temer é, na verdade, uma democracia mais frágil, lastreada em instituições esgarçadas.

“A voz melíflua de Temer, as mãos que giram sobre si mesmas de fato não dizem nada” (Foto: Evaristo Sá/AFP)

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

4 × quatro =