MBLO: Movimento Brasil Livre do Outro. Por Conrado Hübner Mendes

Da vestimenta liberal, o liberal brasileiro usa só o sapato e sai pisando por aí

Na Época

O sonho de modernidade alimentou nossa autoestima política por quase três décadas. A violência cotidiana recebeu da Constituição de 1988 um lustro democrático, esse verniz de legitimidade que permitiu a rivais políticos, pelo menos, jogar um jogo segundo regras. Só não esperávamos que, ao completar 30 anos, esse projeto fizesse despertar com tanta força um velho adversário: o Movimento Brasil Livre do Outro — MBLO. Rejuvenescido, voltou a proclamar sua estranha ideia de libertação: se não vier por obediência aos libertadores, que venha a fórceps. Com vitória ou derrota eleitoral, o MBLO veio para ficar e barbarizar.

Os libertadores querem nos libertar de quem, afinal? Diante do espelho, há o Brasil que quer ser livre de si mesmo: da corrupção e dos corruptos; dos fatos, da ciência e do valor verdade. E há o Brasil que almeja ser livre do outro: o outro socioeconômico, o outro político e o outro identitário. Melhor dito: livre de mulheres livres, inspiradas pelo feminismo; livre de negros desobedientes, que se fazem de vítimas só porque são mais encarcerados e mortos; livre dos índios indolentes, que ocupam terras de mais e trabalham de menos; livre de sexualidades fora da cartilha, por receio de se identificar com elas; livre da arte degenerada, em nome de um país onde toda nudez será castigada; livre de desajustados e periféricos que pedem um lugar ao centro ou mesmo o fim da periferia.

O chamado liberalismo brasileiro tem extensa ficha corrida. Irritado por vocação com a “algazarra das minorias complexadas”, na expressão de Rachel Sheherazade, foi parceiro da escravidão e sócio cotista da ditadura civil-militar. Continua a ser indiferente à supressão de liberdades civis, à guerra às drogas, às múltiplas formas de discriminação da mulher. É entusiasta do “direito de matar” que, por baixo da lei, foi concedido a policiais. Reclama da fiscalização do “trabalho em condições análogas às de escravo”, que lhe parece rigorosa demais. Sua alterofobia, a fobia do outro, é uma faceta da demofobia, a fobia do povo. Converte o diferente em inimigo e se autoriza a aniquilá-lo. A liberdade deixa de ser entendida como direito à diferença e vira dever de homogeneidade. Uma corruptela nada inocente.

Da vestimenta liberal, o liberal brasileiro usa só o sapato e sai pisando por aí.

Orgulha-se dessa etiqueta como quem se orgulha de uma roupa de grife. Vive da manipulação marota da palavra liberdade, como alguns outros liberalismos. Tal como o cristão homofóbico que inventa sua própria Bíblia, ele também cria seu próprio prontuário liberal. Ignora essa filosofia tanto à esquerda quanto à direita. Os ingleses John Locke e Stuart Mill, os franceses Tocqueville e Constant, o letão Isaiah Berlin, ou até mesmo os austríacos Mises e Hayek, se contorcem no caixão.

O liberalismo, quando fiel a seus princípios, não se preocupa apenas com a redução da pobreza, mas também com a desigualdade. Se mitigar pobreza pode até propiciar sobrevivência material (acabar com a fome, por exemplo), quanto mais abissal a desigualdade, mais inevitável a dominação de muitos por poucos e maior a artificialidade democrática (traduzindo: mais desigualdade = menos liberdade e menos democracia). Até mesmo Roberto Campos, ex-ministro da ditadura, afirmou que a “concentração de poder econômico é um exercício liberticida”. Paulo Guedes, menos refinado, propôs Imposto de Renda “igualitário”: não importa se você é Jorge Paulo Lemann ou se recebe salário mínimo, todos pagam 20%. Dica de Friedman, guru de Pinochet. E não só de imposturas econômicas é feito o antiliberalismo de Guedes. Matutou, por exemplo, um rito legislativo “mais ágil”. Queira saber.

O liberal brasileiro entende que “filho gay é falta de porrada” e quer mudar o Brasil “nem que seja à bala”. Para tratar desse “liberal de Bagé”, só mesmo o analista de Bagé, personagem fundamental de Luis Fernando Verissimo. “Freudiano barbaridade”, criou a “terapia do joelhaço” e do “croque de mão fechada” para que seus pacientes sentissem as “prioridades”.

Democracia é prioridade. O liberalismo democrático defende a liberdade econômica, civil e política de todas e todos, em igualdade de condições. #ElesNão.

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