Economia feminista, uma forma de organização que tem mudado vidas no Vale do Ribeira

Conheça projeto desenvolvido na Barra do Turvo, interior de SP, que fortalece a organização de mulheres nas comunidades

Mayara Paixão, Brasil de Fato

Há quase três anos, um projeto de agroecologia na região da Barra do Turvo, município do Vale do Ribeira, no interior de São Paulo, tem transformado a vida de cerca de 70 mulheres agricultoras.

Maria Izaldite Dias, aposentada de 66 anos, é uma delas. Moradora do bairro Bela Vista, o mais afastado do município, ela é produtora de remédios naturais, os chamados fiotterápicos, há cerca de vinte anos. São xaropes, pomadas, calmantes e tinturas que a agricultura produzia para a Pastoral da Criança e seus vizinhos.

Desde o final de 2015, o trabalho ganhou um novo significado: Maria Izaldite passou a trabalhar lado a lado com outras dezenas de mulheres de sua comunidade, e a participar de uma rede de comercialização que vende para grupos de consumidores. O trabalho, o esforço e os produtos da agricultura ganharam novo significado ao lado de outras trabalhadoras que têm realidades semelhantes à dela.

“É muito bom porque começamos a perceber que a gente é gente, que as mulheres têm vez e voz. Antes, as mulheres ficavam dentro de casa, não sabiam o que fazer, diziam que não tinham nada. Hoje estão se descobrindo”, compartilha a agricultora ao ser questionada sobre o significado de se trabalhar lado a lado com mulheres.

O projeto do qual Maria Izaldite faz parte é uma iniciativa da Sempreviva Organização Feminista (SOF), uma organização não governamental. Com o apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, a SOF acompanhou o grupo de mulheres, fortalecendo a sua organização, através de reuniões e formações para capacitá-las entre 2015 e 2017. O Ministério, porém, foi extinto pelo presidente golpista Michel Temer (MDB) em maio de 2016, como uma das primeiras medidas de seu governo.

Enquanto isso, a conversa com as agricultoras que fazem parte do grupo mostra que iniciativas como essa ajudam não só a elas mas, também, à comunidade. E não é só a possibilidade de um aumento na renda dessas mulheres que faz a diferença.

“A minha alegria é o pessoal estar tomando remédio natural. Fico muito feliz de saber que estou contribuindo para que as pessoas se tratem melhor com produtos naturais. A gente ganha uns troquinhos, mas o prazer maior é estar contribuindo com a saúde do povo”, conta Izaldite.

Agroecologia

Entre as agricultoras estão também mulheres quilombolas. Uma delas é Vanilda Aparecida de Paulo, de 42 anos. Mãe de três filhos, ela faz parte do Quilombo Terra Seca, que ainda luta para ter o título definitivo da posse de suas terras.

Parte importante do trabalho dessas mulheres é a forma como trabalham sua terra: através da agroecologia. Uma produção sem uso de agrotóxicos e que respeita o ambiente.

“Para nós, mesmo pela questão que moramos em muito morro, se não soubermos produzir, plantar, acabamos com tudo: com a terra, com a água. É uma forma de nós continuarmos tendo terra, água, qualidade de vida, e pensar nas pessoas que estão consumindo”, explica Vanilda sobre a opção pela agroecologia.

É desse modo que a quilombola produz milho, feijão, batata doce, inhame, mandioca e, quando o solo permite, arroz. Tudo na mesma terra.

Economia feminista

Além da agroecologia, o projeto com as agricultoras tem como uma de suas bases a chamada economia feminista. Ela busca entender o trabalho das mulheres desde as tarefas que elas cumprem dentro de casa até o que fazem na vida profissional, como explica a técnica da Sempreviva Organização Feminista Gláucia Marques.

“A gente entende economia feminista como um jeito de olhar o trabalho das mulheres que envolve todas as etapas. Quando falamos de economia solidária, sabemos que isso envolve preço justo, relações, autogestão, e muitas vezes não envolve todo o trabalho que está por trás para um trabalhador sair de casa: tem que ter uma casa limpa, o cuidado com os filhos, o cuidado com os idosos”, explica.

Dentro do projeto, as agricultoras dividem-se em grupos de produção. A quilombola Vanilda, por exemplo, faz parte do grupo As Perobas, em homenagem a um de seus ancestrais e líder do Quilombo Terra Seca, Benedito Rodrigues Peroba. Já a produtora de fitoterápicos Maria Izaldite compõe o grupo A Esperança. O motivo do nome ela mesma explica: “com a ajuda dessas meninas a gente ficou forte, e a esperança da gente ficou mais forte, porque vimos que tinha gente para apoiar, nos ajudar, ajudar a pesquisar as coisas, por isso o nome e esperança, pela esperança de uma vida melhor”

Hoje, o projeto ainda é mantido com o apoio de organizações internacionais e conta com outros grupos de mulheres não apenas no município da Barra do Turvo, mas por todo o Vale do Ribeira.

Edição: Guilherme Henrique.

Imagem: Roda de conversa de acolhida e preparação para mutirão de plantio do curso de Formação em Economia Feminista e Solidária / Gláucia Marques/SOF

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