Eleitores de Bolsonaro estão em áreas de influência do agronegócio

Maioria dos votos vem de regiões dominadas por ruralistas, que firmaram aliança com o “candidato dos sonhos”: promete acabar com o “ativismo ambiental xiita” e defende o uso de agrotóxicos

por Cida de Oliveira, da RBA

O mapa da votação do candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL) no primeiro turno da eleição mostra que seu eleitorado está concentrado nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. A distribuição coincide com as áreas de produção de soja, um dos principais pilares do agronegócio brasileiro.

O setor, que responde por 25% das exportações, é praticamente isento de impostos, inclusive de exportação, e cria poucos empregos em comparação com outros setores econômicos. Utiliza imensas extensões de terra para o monocultivo de culturas como a própria soja, milho, soja, eucalipto e algodão, com sementes transgênicas, que recebem altas doses de agrotóxicos despejados por aviões.

Esses venenos são levados pelos ventos por quilômetros além do alvo, caindo sobre casas, escolas, animais, contaminando pessoas, a produção familiar de alimentos orgânicos e rios. Causam diversos tipos de câncer, malformações congênitas, alterações hormonais e outros males graves.

Um modelo que assassina também indígenas, quilombolas, assentados e outros trabalhadores rurais vítimas de emboscadas e ataques nos frequentes conflitos agrários. Uma guerra no campo, desigual, que Bolsonaro pretende colocar fim ao legalizar o porte de armas já rotineiro entre os ruralistas e seus jagunços.

Braço do agronegócio dentro do Congresso, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) já havia declarado apoio a Bolsonaro. No último dia 2, a presidenta da frente, a deputada federal reeleita Tereza Cristina (DEM-MS), visitou o presidenciável em sua casa, no Rio de Janeiro. E emitiu nota oficial com a seguinte mensagem: “Certos de nosso compromisso com os próximos anos de uma governabilidade responsável e transparente, uniremos esforços para evitar que candidatos ligados a esquemas de corrupção e ao aprofundamento da crise econômica brasileira retornem ao comando do nosso país”.

Além disso, o integrante da FPA, deputado reeleito Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que desde o início intermediou as conversas dos ruralistas com Bolsonaro, está sendo cogitado para chefiar a Casa Civil de um eventual governo do capitão do Exército que há 27 anos é deputado federal pelo RJ. Em entrevista à TV Bandeirantes nesta segunda-feira (10), o presidenciável disse que pretende acabar com a “indústria de demarcação de terras indígenas” e o “ativismo ambiental xiita”.

Programas sociais

Pelo mesmo mapa do TSE, a população de estados do Nordeste e do Pará deu vitória ao candidato Fernando Haddad (PT), repetindo desempenho da presidenta reeleita e deposta Dilma Rousseff (PT) em 2010 e 2014.

“É o reconhecimento dos efeitos positivos das políticas inovadoras implementadas de 2003 a 2016 na região para reduzir as desigualdades no país, como avanços na seguridade social, a recuperação do valor do salário mínimo, programas de habitação e os que levaram energia elétrica para as populações pobres do interior do Brasil fizeram muita diferença no Norte e Nordeste”, avalia o agrônomo e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Gabriel Bianconi Fernandes.

Coautor do Atlas do Agronegócio, ele considera que investimentos em experiências de convivência com o semiárido, por meio de cursos oferecidos em novos institutos federais criados na região, a construção de cisternas, oferta de recursos para sementes e seguro agrícola, entre outros permitiram o desenvolvimento da agricultura familiar.

“Havia também políticas de segurança alimentar articuladas com o fortalecimento da agricultura familiar, por meio de políticas sociais e produtivas ao mesmo tempo”, avalia.

O pesquisador destaca ainda o impacto positivo de programas como o Bolsa Família na economia local. “Essa transferência de renda para as famílias mais pobres, que fazia girar a própria economia local, também ajudou a aquecer a economia dos municípios do semiárido e do Nordeste como um todo.”

Como lembra Gabriel Fernandes, os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, que implementaram todos esses programas, são os mesmos que também estimularam o crescimento do agronegócio. “No entanto, a comparação dos mapas indica que não há reconhecimento do setor beneficiado por investimentos que não foram pequenos.”

“O que parece, pelos resultados, é que o setor do agronegócio está negando todas essas políticas e, em um gesto camicase, suicida, está apostando em um candidato medíocre, que propaga a violência e a brutalidade como método de governo e ideologia, substituindo a política. Ou seja, a cegueira do agronegócio causada pelo antilulismo e antipetismo está impedindo o setor de reconhecer o quanto foi beneficiado e impulsionado por esses governos, a exemplo do que acontece com os sábios eleitores do Nordeste”.

Na sua análise, do ponto de vista político, o voto do agronegócio seria mais coerente se confiado ao candidato Ciro Gomes (PDT). E não só pelo fato de a senadora ruralista Kátia Abreu (PDT-TO) ter sido a vice na chapa.

“Vários pontos do programa de governo que ele apresentou indicam o fortalecimento do agronegócio na linha do que já vinha sendo feito e também de atender várias pautas do setor. A sinalização do Bolsonaro é muito diferente, porque ele está propondo um desmanche geral e absoluto de setores inteiros. Colocar o Ministério do Meio Ambiente sob o Ministério da Agricultura significa desmanchar totalmente as regras ambientais, das medidas de preservação, o Código Florestal, o licenciamento ambiental, sem contar a extinção do Ministério da Ciência e Tecnologia.”

A aliança do agronegócio com Bolsonaro e todo o retrocesso por ele sinalizado expressa ainda, segundo ele, a contradição do discurso ruralista. “O setor que na TV se vende como moderno, pop, tech e tudo o mais, que consegue produzir preservando o meio ambiente é, na verdade, aquele que para produzir pretende acabar com unidades de preservação, com terras indígenas, usar agrotóxicos sem nenhum tipo de controle e assim por diante. Exatamente como Bolsonaro está prometendo.”

Imagem: No mapa da esquerda, a produção de soja em 2015, segundo o IBGE. O grão é um dos principais pilares do agronegócio, que ajudou a eleger Bolsonaro em seus currais eleitorais

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