Madonna, Roger Waters, Fukuyama: Bolsonaro fomenta paranoia e até extrema-direita francesa vira “comunista”. Por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

Graças à sabedoria que circula na redes sociais nestas eleições, descobrimos que a cantora Madonna, a revista Economist, as Nações Unidas, o jornal New York Times, a Rede Globo, o Facebook, o cantor e compositor Roger Waters, o filósofo e economista Francis Fukuyama e a deputada de extrema-direita Marine Le Pen são comunistas. Particularmente, eu achava que a Madonna era anarcossindicalista, mas o resto nunca me enganou.

Há uma estranha reação de parte dos seguidores de Jair Bolsonaro, que é tachar quem faz críticas a ele de comunista. De um cantor inglês a uma política de extrema-direita francesa, da bíblia do capitalismo a uma das maiores empresas do mundo, todos são comunistas e, portanto, defenderiam a propriedade comum dos meios de produção.

Isso, claro, não é monopólio dos fãs do candidato, uma vez que, recentemente, brasileiros chamaram a Embaixada da Alemanha de comunista por ela ter postado um vídeo explicando que o nazismo é um movimento de extrema-direita e não de esquerda.

Na verdade, nossos conterrâneos foram além na vergonha-alheia, tentando explicar aos alemães que eles não entendiam muito bem do tema – arrogância que se repete com frequência, como ao tentarem explicar a Roger Waters, fundador do Pink Floyd, que ele não entende muito bem Another Brick in the Wall, sua própria música.

É claro que muitos que ”xingam” pessoas ou instituições de comunistas não compreendem o que isso, de fato, significa – o que nos leva a lamentar que falhamos retumbantemente na educação do país. Caso as pessoas soubessem história e um mínimo do que se passa à sua volta, entendendo o que foi o comunismo ao redor do mundo, poderiam criticar de forma embasada – e há mais críticas do que elogios a serem feitos. Porém, o que vemos é uma mistura de inocência, ignorância, paranoia e má fé, transformando a palavra em um palavrão.

Isso quando não enfiam a ditadura venezuelana ou norte-coreana no meio para fazer volume.

Há um esvaziamento do sentido original da palavra. Não raro, muitos que chamam alguém de comunista queriam alcunhá-lo de corrupto, ladrão, despudorado, assassino, ateu, invasor de propriedade. Ou, resumidamente, o inimigo, principalmente aquele que vem de fora para destruir nossas tradições e nosso modo de vida. Praticamente, uma ação reativa diante do mundo.

Despida de seu significado original, a palavra também se tornou um elemento de identificação. Ou seja, uma postagem chamando a Economist, a tal bíblia capitalista, de comunista, imediatamente passa uma mensagem compreendida pelos demais membros do grupo, gerando conexão. De que aquilo é ruim, de que não deve ser consumido, de que deve ser combatido.

Quando uma candidatura, como a de Jair Bolsonaro, escolhe chamar atenção à ”ameaça comunista” que seria representada por seu adversário, na propaganda eleitoral no rádio, na TV e na internet, alimenta mais ainda a paranoia de que há risco do comunismo ser implantado no Brasil – para brasileiros que entendem direito o que comunismo é, só sabem que é algo ruim.

Isso faz com que voltemos mais de 40 anos no tempo, para um mundo polarizado, com autointitulados mocinhos e intitulados bandidos, em que a ”ameaça vermelha” era usada como justificativa para torturar, matar e tolher a liberdade e a democracia por aqui.

Uma pena porque essa pode ser a sua zona de conforto, mas certamente não é a de muita gente.

No primeiro dia do show de Roger Waters em São Paulo, telão dizia que ‘neofascismo está crescendo pelo mundo’ e listava políticos de vários países, terminando com o Brasil e Bolsonaro. No segundo dia, uma facha vermelha – “Ponto de vista político censurado” – cobria o texto final.

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