Apelo sem proselitismo algum

O desfecho da eleição ameaça seriamente a existência de quatro pessoas que me são infinitamente queridas — necessárias como o ar que respiro, pois da existência delas depende a minha

Por Aírton Paschoa, em Outras Palavras

Queridxs amigxs,

Como sabem, nunca fui de fazer proselitismo político e não é nesta altura da vida que o faria. Vou pedir-lhes apenas um instante de reflexão, nada mais, nesta quadra difícil que atravessa o País.

Tenho um filho gay, um filho petista, uma nora feminista e ativista de direitos humanos e uma mulher que ensina economia e marxismo na USP e na Ufabc, quatro criaturas amáveis e gentilíssimas, como sabe quem as conhece, incapazes de fazer mal a uma mosca, bem formadas que são de cabeça e de coração.

Essas quatro criaturas merecem existir?

No Brasil de Bolsonaro, a resposta é não. As quatro devem ser exterminadas. E aí está a morte deplorável, com 12 facadas nas costas, do Mestre Moa na Bahia, aí estão, a duas semanas da eleição, os quase cem ataques a negros, a mulheres, a nordestinos, a LGBTQs.

É este mesmo o país que queremos?

Dizer que o Bolsonaro nada tem que ver com isso, ou que se trata apenas de discurso de campanha, ou que será ele controlável depois de eleito, significa fazer vista grossa à promoção permanente que faz da violência (de que já foi inclusive vítima) como meio de resolver conflitos inerentes a toda sociedade democrática; significa fazer vista grossa às crescentes milícias que vem fomentando seu discurso de ódio e sua campanha odiosa, as quais milícias aterrorizam e insultam e agridem a quem pensa ou reputam diferente, tudo com a cobertura de nossa polícia, cuja formação infelizmente autoritária defende tais grupos.

Todos sabem que o PT já passou treze anos e meio no governo e não fez nada daquilo que falam tanto, não transformou o Brasil na Venezuela, não forjou nenhum regime totalitário, não proibiu de atuar igreja, imprensa, polícia, promotores, juízes, não fez absolutamente nada do que seus inimigos caluniosamente alardeiam. Foi um governo comum, com grandes erros e grandes acertos, com corrupção, às vezes grande também, como são todos os governos, pela qual aliás vem pagando, e que procurou, com políticas públicas, abrandar nossa imensa desigualdade social, — verdadeiramente vergonhosa aos olhos de países civilizados (os quais, diga-se de passagem, veem com preocupação o cenário de guerra no Brasil).

Por isso peço-lhes apenas que meditem, mas meditem também com o coração, sobre o tempo sombrio que anuncia a eleição do Bolsonaro.

Fosse ele um candidato qualquer de direita, como tantos que já tivemos e temos, jamais estaria escrevendo esta carta. Só o faço porque seu governo, que nem começou e já se mostra terrorista, ameaça seriamente a existência de quatro pessoas que me são infinitamente queridas, mais que infinitamente queridas, aliás, simplesmente necessárias, como o ar que respiro, pois da existência delas depende a minha.

Recebam o abraço melhor deste pai e sogro e marido apreensivo (e que decerto não é o único).

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