O que aprender de um primeiro turno atípico

Além da vitória da extrema direita, é preciso atentar para a emergência dos think tanks internacionais e a necessidade de reinventar a política. Mas agora, o urgentíssimo é evitar governo de devastação do país

Por Róber Iturriet Avila*, em Outras Palavras

• A extrema-direita teve uma evidente vitória. Deputados, senadores e talvez governadores. Mesmo que leve a virada, Bolsonaro afirma-se como líder e conquista grande espaço. Encampa o desejo de mudança contra o sistema.
• A última semana trouxe uma onda bolsonarista. Aparentemente, as igrejas evangélicas tiveram influência.
• Temos um novo partido com mistos de autoritarismo (político) neoliberalismo (econômico) e protofascismo (político e cultural). Houve força fascista no passado brasileiro, mas não com tamanho enraizamento e representatividade eleitoral. Outros países têm também partidos e mesmo governos fascistas.
• As think thanks de direita, financiadas por grandes empresas, colhem os resultados eleitorais. Conquistaram corações e mentes.
• A política tradicional foi derrotada. Todos precisam de uma mea-culpa. Inclusive aqueles que, para atacar a esquerda, repetiram a simplista narrativa antipolítica da corrupção. Essa é a maneira mais vazia e rasteira para explicar a complexa crise econômica, social, política e institucional que vivemos.
• O establishment foi derrotado. Os candidatos prediletos da mídia oligopolista, do líderes empresariais, do sistema financeiro, enfim, das grandes elites, eram outros. A ironia do destino é que foram essas elites que alimentaram a força da extrema-direita, associando a esquerda à corrupção. A surpreendente (sic) “descoberta” de que as empresas financiam campanhas por esquemas engoliu o sistema político tradicional.
• O grande derrotado das eleições presidenciais é o PSDB. O partido errou em contrariar o liberalismo político ao apoiar a derrubada ilegítima de Dilma Rousseff. Continuou errando ao apoiar Michel Temer e persistiu no erro ao não sair do impopular governo. Frente ao escancaramento da antiga realidade de financiamento de campanhas, seu discurso moralista o deixou desmoralizado diante de seus eleitores.
• A centro-direita foi esfarelada. O antigo PSDB mais social vai sendo substituído pelo novo PSDB que surge mais conservador, vide João Dória (SP) e Nelson Marchezan (RS), talvez Eduardo Leite (RS) seja uma exceção, a conferir. O partido ganha um concorrente menor, os ultraliberais do Novo.
• Ciro Gomes saiu muito grande da eleição. Se ainda ambicionar espaço, tem condições de obter sucesso à frente.
• Marina Silva saiu minúscula desta eleição. A desorganização partidária dificultou seu desempenho. O momento político tampouco é para alguém de seu perfil. Se ela quiser obter cargos eletivos, terá que recomeçar por baixo.
• A derrubada de Dilma Rousseff e o desastroso governo Temer fizeram o PT ressurgir das cinzas. Lula levou seu candidato ao segundo turno mesmo preso e mudo. O PT perdeu espaço, mas bem menos do que os outros grandes partidos. A base dos votos é mais popular. A classe média de centro e/ou esquerda votou, majoritariamente, em Ciro Gomes. A centro-esquerda se mantém legalista e democrática, abrindo o flanco anti-sistema ao protofascismo.
• Nem o maior de todos os ingênuos ainda acredita na isenção de nossa grande imprensa. Ela é de centro-direita. Majoritariamente Liberal, mas há também conservadores.
• O tempo de TV pode ter feito diferença para Fernando Haddad, mas as redes sociais comandaram o primeiro turno. Com uso e abuso de fake news.
• O resultado eleitoral não deve trazer a tão esperada pacificação do País. Assistimos uma grande ruptura da Nova República. A tensão política não dá sinais de ter chegado ao fim.
• Caso Bolsonaro vença, os dias serão duros: corte de direitos, restrição de liberdades, redução de salários, aumento da pobreza, redução de serviços públicos, concentração de renda, repressão e, talvez, perseguição política.
• Alentos: i) Bolsonaro larga com elevada rejeição na eleição e em eventual governo, ii) eleitos, seus aliados precisarão mostrar serviço e se depararão com a complexa realidade, distinta do simplismo de seus discursos; iii) a política tradicional será forçada a se reinventar, eis a oportunidade; iv) a política é dinâmica e a disputa de poder é constante. Nada é definitivo.

*Doutor em economia, professor da Unisinos, pesquisador da Fundação de Economia e Estatística.

Foto: Luis Moura/Estadão

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