Censura nas universidades: Não esperaram nem o corpo da democracia esfriar. Por Leonardo Sakamoto

no blog do Sakamoto

A Justiça Eleitoral obrigou a Universidade Federal Fluminense a retirar uma faixa que dizia ”UFF Antifascista” da fachada de sua Faculdade de Direito, sob pena de prisão de seu diretor.

A juíza Maria Aparecida da Costa Bastos entendeu que isso representava propaganda negativa para Jair Bolsonaro e impôs a censura. Fiscais eleitorais teriam encontrado, na universidade, panfletos que associavam o candidato ao fascismo e, por isso, afirmaram que a faixa representaria crítica político-eleitoral. Para eles, a manifestação se voltava ”contra o ‘fascista’ e não contra o ‘fascismo”’ – sim, é isso mesmo o que você acabou de ler. ”A distopia simulada nas propagandas negativas contra o candidato Jair Bolsonaro encontradas dentro da Faculdade de Direito da UFF permite o reconhecimento do caráter político-eleitoral dos dizeres constantes na faixa em questão”, escreveu a magistrada em sua decisão.

Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro houve ação de policiais militares para tentar retirar faixa em homenagem à vereadora Marielle Franco, executada em março, e outra que diz ”Direito Uerj Antifascismo”. As faixas, bem como a da UFF, não contavam com referências a partidos políticos.

Operações como essas foram realizadas em universidades de públicas de todo o país sob a justificativa de combater suposta propaganda eleitoral irregular. Denúncias de comportamento arbitrário, abusivo e violento circularam pela rede, com reclamações de que debates e aulas foram invadidos por policiais e fiscais.

Reportagem de O Globo afirmou que são 17 universidade com relatos semelhantes. Já Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas, da Universidade de São Paulo, começou a reunir relatos e, até a noite desta quinta (25), já estavam na lista a UFGD, UEPA, UFCG, UFF, UEPB, UFMG, Unilab, SEPE-RJ, Unilab-Fortaleza, UNEB, UFU, UFG, UFRGS, UCP, UFSJ, UERJ, UFERSA, UFAM, UFFS, UFRJ, IFB, Unila, UniRio, Unifap, UEMG, UFAL, IFCE, UFPB.

A universidade (ainda mais a pública) é espaço para livre circulação e debate de ideias, não uma repartição pública convencional com regras restritas. O problema seria se uma determinada posição política (à esquerda ou à direita) não pudesse se manifestar livremente em uma universidade pública – e não que uma posição política se manifeste. Essa liberdade é sinal, inclusive, de que a democracia segue saudável – apesar das ameaças cotidianas à sua existência.

Conversei com colegas professores de algumas das universidades envolvidas. Eles se dizem assustados com as ações, que chegaram ao ponto de policiais verificarem o que seria ministrado em aula, indo de encontro à autonomia universitária, da liberdade de cátedra e da racionalidade humana. Um clima de macarthismo à brasileira vai se estabelecendo, ferindo direitos civis e políticos com a ajuda de alunos que enxergam doutrinação em todo o lugar. A situação, claro, não começou agora, mas cresceu  exponencialmente com o clima eleitoral.

Se houver abusos, eles devem ser investigados e os responsáveis punidos. Mas isso não dá o direito de, sob uma interpretação distorcida da lei eleitoral, promover repressão ideológica usando desde denúncias anônimas até a interpretação enviesada da lei por parte de funcionários públicos. Ademais, ordenar a retirada de uma bandeira antifascista afirmando que isso poderia representar uma crítica a um candidato, é uma crítica ao referido candidato em si.

A Justiça Eleitoral e a polícia, ao invés de saírem interpelando estudantes e professores por discutirem política, deveriam se dedicar com mais afinco às consultorias digitais – que disparam milhões de mensagens via contas falsas em aplicativos de mensagens e redes sociais que são usados para manipular o debate eleitoral e criando formas criativas de caixa 2.

Foto: reprodução Facebook

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