Um estudo de caso para os povos Kanamari e Kulina de Carauari

Por Lígia Apel*, CIMI de Tefé

Os povos Kanamari, das aldeias Bauana e Taquara, e Madja Kulina, da aldeia Matatibem, município de Carauri, Amazonas, realizaram nos dias 03 e 04 de novembro, um encontro para estudar sua realidade. Apresentações culturais, celebrações, debates, diálogos, produção de mapas e levantamento de informações sobre o direito à demarcação territorial conduziram os dois dias de integração entre as 37 lideranças indígenas presentes.

O encontro é uma das atividades previstas no projeto “Garantindo a defesa de direitos e a cidadania dos povos indígenas do médio rio Solimões e afluentes”, realizado pela Cáritas da Prelazia de Tefé e Conselho Indigenista Missionário (CIMI-Tefé), financiado pela União Europeia e CAFOD, Agência Católica para o Desenvolvimento Internacional, que pretende levantar informações para Estudos de Casos sobre a violação de direitos que os povos indígenas da região sofrem.

Terra Indígena foi o tema escolhido

As lideranças reunidas na aldeia Taquara decidiram pelo tema TERRA INDÍGENA para o Estudo de Caso dos povos indígenas Kanamari e Madja Kulina, de Carauari. Assunto fundamental para esses tempos sombrios que passa a política nacional, e que exigirá de indígenas e indigenistas uma forte união na luta pelos processos de demarcação de territórios indígenas. Direito que lhes é humano e garantido pela Constituição Federal. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, promete não dar mais “um centímetro de terra aos índios” e diz que “índio quer ter o direito de vender suas terras”, mostrando o quanto desconhece e negligencia a realidade e a vida indígena.

Para a liderança Atowé Kanamari, da aldeia Bauana, ter a terra demarcada é garantia de existência e vida: “acho muito melhor ter nossa terra demarcada, reservar, ter terra para nós plantar e para nossos filhos poderem ter ela para viver”, afirmando exatamente o contrário das declarações do presidente eleito.

Garantir que vivam em territórios demarcados e protegidos, para além do reconhecimento de sua existência, é uma atitude de soberania nacional. No entanto, as políticas indigenistas nacionais, nos últimos anos, têm sido de descaso e desrespeito aos povos originários e seus direitos à manutenção de suas culturas. Mas, “resistiremos a todos esses ataques”, diz Atowé.

Riscos sociais e ambientais

A morosidade dos processos de demarcação dos territórios e a ausência de políticas de proteção territorial, entre outras estratégias de enfraquecimento das conquistas constitucionais, vêm também trazendo sérias consequências à conservação ambiental. Processos de degradação ambiental vêm se intensificando, a exemplo das pescas predatórias, caça de animais silvestre e retirada ilegal de madeira, especialmente das terras indígenas. Desse ambiente preservado depende não só os povos indígenas, mas toda a humanidade.

Além disso, o descaso dos órgãos responsáveis, a falta de uma política efetiva de proteção territorial, ou ao menos de um plano de ação para inibir essas invasões, e a ausência da FUNAI exige que os indígenas busquem formas comunitárias de proteção de seus territórios. Segundo as lideranças, a maioria dos casos de invasões é cometida por moradores da cidade de Carauari, e suas investidas são de buscar o diálogo com os invasores, “na tentativa de sensibilizar essas pessoas”, diz Atowé Kanamari. No entanto, “nossas conversas dão em nada e até se tornam perigosas. Tuxauas de diferentes aldeias vêm sofrendo ameaças e, até, já aconteceram agressões físicas”, complementa a liderança, lamentando os ocorridos.

Informações debatidas se tornarão um Estudo de Caso

Com o levantamento das informações, entrevistas e debates sobre a realidade local, os desafios que enfrentam, o histórico das aldeias, as violações de seus direitos à demarcação e proteção territorial e elaboração de mapas e documentos, a equipe de educadores da Cáritas e do CIMI de Tefé, que atua na região do rio Xeruã, Fábio Pereira, Francisco Manoel e Francisco Amaral, construirão um Estudo de Caso para os povos Kanamari e Madja Kulina dessas aldeias.

Seu objetivo é dar visibilidade à essa realidade, divulgando em campanhas, nas mídias locais, regionais, nacionais e redes sociais, para buscar apoios de toda a sociedade e, assim, formar uma Rede de Proteção a esses povos. O estudo também servirá para promover incidências políticas junto às instâncias governamentais, denunciando comprovadamente a situação de vulnerabilidade e de ameaças que sofrem por não terem suas terras protegidas.

Ser e fazer resistência

Além de proporcionar um espaço de intercâmbios de informações, o encontro promoveu confraternização e fortalecimento da luta dos povos Kanamari e Madja Kulina que, ao mesmo tempo em que trocaram ideias para lutar por seus direitos, se valorizaram mutuamente e se solidarizaram na defesa dos seus modos de vida.

Agora, mais do que nunca, com as políticas nacionais conquistadas pela democracia brasileira sendo ameaçadas de extinção, é necessária a união entre os povos, sejam indígenas ou não indígenas. Ser RESISTÊNCIA e fazer RESISTÊNCIA são a força que move o povo brasileiro, em especial os povos indígenas, contra um Estado que não respeita a pluralidade de modos de vida e na construção de um Estado de Direitos, que prima pela dignidade, justiça e direitos na diversidade.

*com informações de Fábio Pereira, Francisco Manuel e Francisco Amaral.

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