Entre os doadores da deputada estão grandes empresas do agronegócio e acusados de invadir terras Guarani Kaiowá e de mandar matar Marcos Veron; parlamentar teve fazenda levada a leilão e tentou ajudar JBS e outras a não pagar dívidas com trabalhadores rurais
Por Luís Indriunas, no De Olho nos Ruralistas
Atual presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e anunciada como a próxima ministra da Agricultura pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), a deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS) tem se destacado por defender os interesses dos grandes proprietários de terras, como o PL do Veneno, e atacar políticas de defesa dos povos indígenas. Eleita para seu segundo mandato a partir de 2019, a parlamentar é também a deputada com a campanha mais rica do estado, recheada de doadores ligados ao agronegócio.
Tereza Cristina pediu em agosto para o ministro da Justiça, Torquato Jardim, a suspensão da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, programa que tenta resolver as pendências sobre as demarcações de terras de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades rurais, lançado em 2007. A deputada articulou o apoio da FPA – a face mais conhecida da bancada ruralista – a Bolsonaro ainda na campanha do primeiro turno.
Tereza Cristina foi subrelatora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional dos Índios (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 2017. Composta majoritariamente por ruralistas, a comissão acabou sugerindo o indiciamento de lideranças indígenas, entidades e profissionais que trabalham pelos direitos dos povos tradicionais.
De Olho nos Ruralistas analisou as doações de campanha feitas nas duas últimas eleições da deputada. A partir delas é possível entender melhor as razões da deputada brigar contra os direitos dos povos originários e tradicionais. Em 2014, entre pessoas físicas e jurídicas ligadas a diversos setores do agronegócio, a deputada recebeu R$ 2,8 milhões do total de R$ 4,3 milhões. Em 2018, foram R$ 900 mil do total de R$ 2,3 milhões, a campanha mais cara do Mato Grosso do Sul.
Um dos doadores foi Jacintho Honório Silva Filho, centenário fazendeiro paulistano acusado de mandar matar o cacique Marcos Veron, da etnia Guarani Kaiowá. Ele perdeu a vida, em 2003, vendo seus companheiros serem torturados, no município de Juti. Dono da fazenda Brasília do Sul, onde aconteceu o assassinato, Honório até hoje responde em liberdade a um processo que se arrasta. Ele doou R$ 30 mil para Tereza Cristina se eleger em 2014. Em 2018, foi a vez do seu filho Jacintho Honório Silva Neto, que também responde ao processo, doar R$ 10 mil.
Outro doador que chama atenção é John Francis Walton, fazendeiro em Caarapó. Ele possui terras incidentes na Terra Indígena Amambaipeguá I. O pecuarista tem tentado passar o ônus da questão para os indígenas, acusando-os de roubar seu gado. Ele doou R$ 5 mil para a deputada, em 2014, e a mesma quantia, em 2018.
O presidente do Conselho de Administração da Cosan, Rubens Ometto Silveira Mello, apontado como o maior doador individual das eleições de outubro, acaba de investir R$ 50 mil na eleição da deputada. O presidente da empresa, Marcio Marinho Lutz, doou R$ 100 mil.
Em 2014, quando era legal receber doações de pessoas jurídicas, a grande doadora entre as empresas foi a Iaco Agrícola, com R$ 1 milhão. Outra gigante do setor, a corporação produz cana, gado e eucalipto em Chapadão do Sul, no norte do estado.
Antes de ser deputada, Tereza foi secretária de Desenvolvimento Agrário, da Produção, da Indústria, do Comércio e do Turismo do Mato Grosso do Sul. Isso entre 2007 e 2014, durante o governo André Puccinelli, hoje preso por comandar um esquema de propinas de R$ 230 milhões. Em 2009, no auge daquela administração, a Iaco Agrícola inaugurava sua primeira planta.
Outra grande empresa que investiu na campanha de Tereza Cristina foi a Adecoagro, do megainvestidor internacional George Soros. Ela doou R$ 600 mil durante a campanha de 2014. A empresa tem um leque grande de atividades, principalmente cana, com usinas em Ivinhema e Angélica, municípios vizinhos de grandes áreas de concentração das etnias Guarani Kaiowá.
Na mesma região, em Nova Alvorada do Sul, está a Agro Energia Santa Luzia, do grupo Odebrecht, que doou R$ 165 mil para a futura ministra. Empresa querida da então secretária e do governo do MDB, já que, no período em que o governo era comandado por Puccinelli, teve incentivos da ordem de R$ 53 milhões.
A DOÇURA DAS DOAÇÕES DA CANA
No rol de doadores aparece ainda Paulo Diniz Junqueira Filho, presidente da Associação dos Fornecedores de Cana-de-Açúcar do Estado de Mato Grosso do Sul (Sulcanas): R$ 2,5 mil em 2014 e R$ 5 mil em 2018. Tereza sempre foi uma defensora ativas das usinas de cana no estado, como declarou em 2010: “O Mato Grosso do Sul é o melhor lugar para produzir etanol. Temos terra com valor competitivo, solo apropriado e localização próxima aos centros consumidores”.
A cana é uma das razões para o estado de penúria dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul. Primeiro pela pressão que essas empresas fazem nas proximidades de terras indígenas ou áreas reivindicadas. Segundo porque, sem alternativas, os Guarani vão trabalhar para essas e outras empresas do setor, deslocando-se por longas distâncias até as plantações, como apontam as pesquisadoras Julia Adão Bernardes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Roberta Carvalho Arruzzo, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Diversas outras áreas do agronegócio também deram apoio financeiro à líder da bancada ruralista, como a Associação Sul-Mato-Grossense de Produtores de Algodão (Amapasul) e a Cooperativa Agropecuário São Gabriel do Oeste (Coasgo), além de diversos outros fazendeiros, entre eles criadores de cavalos.
Na criação de gado, vale destacar a Agropecuária Maragogipe, que doou R$ 15 mil em 2014. Com sede no Rio Grande do Sul, a empresa tem braços em Itacaraí e Iguatemi, município no sul do estado onde fica a área indígena Iguatemipeguá.
O dono dessa empresa, Wilson Brochman, foi investigado pelo Polícia Federal na Operação Ouro Verde. Seu irmão Nelson usava uma empresa de fachada para evasão de divisas para inúmeros “clientes”, segundo a denúncia, por meio de transações denominadas “dólar-cabo”. Em 2018, Brochman doou R$ 10 mil como pessoa física para Tereza.
ELA AJUDOU A DOADORA JBS
Uma das empresas que figuraram entre as principais doadoras de Tereza na agropecuária esteve o grupo JBS, de quem ela recebeu R$ 133 mil, em 2014, por meio do diretório estadual e da campanha do então candidato ao governo do estado, Nelson Trad. Mas o romance político não durou muito.
Entre as propriedades da deputada está a Fazenda Santa Cristina, em Terenos. A propriedade foi hipotecada pela JBS em 2009, quando Tereza Cristina era secretária estadual e procuradora de sua mãe, Maria Manoelita Alves de Lima Corrêa, falecida em 2010.
O arrendamento foi feito em nome da mãe da deputada. Ele previa o confinamento e criação de bois para a JBS. Tal negócio renderia quase R$ 1 milhão de faturamento para a pecuarista. No entanto, conforme processo que corre na Justiça sul-mato-grossense, Tereza Cristina deixou de entregar 6.246 arrobas de boi gordo.
Como consequência, os irmãos Wesley e Joesley Batista decidiram romper o contrato e reivindicar seus direitos. Por isso, a fazenda da família da deputada está ameaçada: a Justiça determinou o leilão extrajudicial do imóvel.
A deputada é acusada por outros representantes do agronegócio de trabalhar em prol da empresa ao acatar parecer para anistiardívidas do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) usando créditos fiscais originários das operações de exportação para quitar seus débitos.
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Cacique Marcos Veron, assassinado em 2003. Suspeitos são doadores de Tereza Cristina. Foto: João Ripper /Survival