14 procuradores da República assinam Nota Técnica a favor do ‘Escola sem Partido’ contrariando posição oficial do MPF

Tania Pacheco

116 integrantes dos Ministérios Públicos divulgaram ontem uma Nota Técnica em apoio ao projetos de lei federal, estaduais e municipais  que tentam introduzir a censura na Educação, sob o nome falacioso de “Escola sem Partido”. Deles, 102 são integrantes de MPs estaduais, principalmente de Minas Gerais (38) e Distrito Federal e Territórios (24); os demais 40 se distribuem em números pouco expressivos (entre 1 e 5) por outros estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Paraná, Maranhão, Alagoas, Bahia, Piaui e Tocantins. As 14 assinaturas restantes correspondem a membros do Ministério Público Federal.

O documento de 27 laudas (com as assinaturas) defende não só a constitucionalidade dos PLs como sua necessidade, uma vez que, segundo afirma, “o uso ideológico, político e partidário das escolas e universidades viola gravemente a Constituição Federal e outras leis do país, causando enormes prejuízos aos estudantes, às famílias e à sociedade”.

Segundo os 116 procuradores, “os estudantes são lesados quando professores militantes e ativistas se aproveitam de sua audiência cativa para tentar transformá-los em réplicas ideológicas de si mesmos” etc etc etc. As famílias, “quando a autoridade moral dos pais é solapada por professores que se julgam no direito de dizer aos filhos dos outros o que é certo e o que é errado em matéria de moral” etc etc etc. E a sociedade é lesada, entre outras coisas, “quando custeia o projeto de poder dos partidos que aparelharam o sistema de ensino.”

Seguindo os exemplos acima, a nota segue lauda após lauda (são 24,5 retirando as assinaturas) repetindo de forma verborrágica muito do que vem sendo dito de maneira bem mais sintética por memes das redes sociais; procura cotejar o PL com a Constituição para defender sua validade; e termina por buscar desmontar as “falácias” que contra ele seriam arguidas, dentre as quais destaco:

“96. Mentem que a proposta impõe uma censura ao professor. Mas isso também é falso. Não pode haver censura onde não existe liberdade de expressão; e não existe liberdade de expressão no exercício da atividade docente. Se existisse, o professor não seria obrigado (como é) a transmitir aos alunos o conteúdo da sua disciplina; poderia passar o tempo todo de todas as aulas em silêncio ou discorrendo sobre os mais variados assuntos. Nisso consiste, afinal, a liberdade de expressão: no direito de dizer qualquer coisa sobre qualquer assunto. Se os professores tivessem esse direito, a liberdade de consciência e de crença dos alunos, cuja presença em sala de aula é obrigatória, seria letra morta. Nada impediria um professor cristão de usar suas aulas para catequizar os alunos, nem um professor marxista de tentar persuadi-los de que a religião é ópio do povo. Por isso, o que a Constituição assegura aos professores é a liberdade de ensinar (ou de cátedra). Essa liberdade, porém, evidentemente não confere ao professor o direito de praticar as condutas vedadas no Programa Escola sem Partido.”

Como considero desnecessário discutir o item acima ou mesmo o documento com um todo, me limito a informar seu link para quem tiver mais curiosidade a respeito. Ele pode ser lido/baixado AQUI.

Mas o que me causa de fato perplexidade é o fato de o Ministério Público Federal já ter não só tomado posição a respeito do assunto há mais de dois anos, em 21 de julho de 2016, através da Nota Técnica 01/2016 PFDC, como tê-la encaminhado ao Congresso Nacional e a nove ministérios e órgãos públicos, além de disponibilizá-la em seu site (AQUI). E a Nota da PFDC/MPF explicita, no seu fecho:

“O PL subverte a atual ordem constitucional, por inúmeras razões: (i) confunde a educação escolar com aquela que é fornecida pelos pais, e, com isso, os espaços público e privado; (ii) impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, III); (iii) nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem (art. 206, II); (iv) contraria o princípio da laicidade do Estado, porque permite, no âmbito da escola, espaço público na concepção constitucional, a prevalência de visões morais/religiosas particulares.

Enfim, e mais grave, o PL está na contramão dos objetivos fundamentais da República  Federativa do Brasil, especialmente os de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. 

Teriam, quiçá, esquecido de encaminhá-la a algumas das representações do MPF nos estados?

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Em tempo 1: de acordo com o site do Ministério Público Federal, a Procuradoria dos Direitos do Cidadão (PFDC) “dialoga e interage com órgãos de Estado, organismos internacionais e representantes da sociedade civil, persuadindo os poderes públicos para a proteção e defesa dos direitos individuais indisponíveis, coletivos e difusos – tais como dignidade, liberdade, igualdade, saúde, educação, assistência social, acessibilidade, acesso à justiça, direito à informação e livre expressão, reforma agrária, moradia adequada, não discriminação, alimentação adequada, entre outros”.

E ainda: “Em reconhecimento à sua atuação, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão passou a integrar a Federação Ibero-Americana de Ombudsman (FIO), em 2013, sendo o representante do Brasil no colegiado que reúne defensores del pueblo, procuradores, provedores de Justiça e presidentes de Comissões Públicas de Direitos com o objetivo de ser um foro de discussão para a cooperação, o intercâmbio de experiências e a promoção, difusão e fortalecimento da cultura de direitos humanos.”

Em tempo 2: dos 14 procuradores da República que assinam a nota em defesa do ‘Escola sem Partido’, dez são igualmente signatários de uma “Nota dos Procuradores da República de congratulações e apoio” publicada por um deles na Gazeta do Povo, da qual é articulista. O texto (equivocadamente titulado como “dos procuradores”, uma vez que as 154 assinaturas não me parecem dar conta da opinião do coletivo) tece loas e parabeniza o “Presidente eleito na sua escolha e o futuro Ministro da Justiça Sérgio Moro, augurando êxito na construção de uma sociedade pacífica, justa e solidária”. (AQUI)

Destaque: Cena do filme Fahrenheit 451

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