Racismo, prisão e violência são temas de audiência pública do CNDH

CNDH

Discutir como o racismo estrutura as relações sociais brasileiras e afeta a construção de políticas de militarização e aprisionamento, gerando um quadro alarmante de violência contra a população negra. Este foi o propósito da audiência pública “Racismo Institucional no Brasil: Polícias, Sistema de Justiça e Sistema Prisional”, promovida pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) dentre as atividades da sua 42ª reunião ordinária, que ocorreu em Brasília ente os dias 5 e 8 de novembro.

Realizada no dia 6, no Memorial do Ministério Público Federal, a audiência abordou casos emblemáticos por meio da escuta de vítimas e parentes de vítimas de violações de direitos humanos e de denúncias de organizações da sociedade civil. Também foram ouvidos posicionamentos de representantes do Estado brasileiro.

Um dos casos apresentados foi o do adolescente de 16 anos Davi Fiúza, que desapareceu no bairro de São Cristóvão, em Salvador, após uma operação da Polícia Militar. O caso de Davi foi apresentado pela sua mãe, Rute Fiúza, na primeira mesa da audiência,“Polícias e racismo no Brasil: desaparecimentos, prisões e homicídios”.

Rute relata que não se atentava sobre a existência do racismo, sobre ser periférica, até sentir seus efeitos na própria pele, pela mão do Estado. “Até o direito de enterrar os nossos mortos é tirado de nós”, conta Rute, que viu o filho pela última vez quando saiu para comprar pão no dia 24 de outubro de 2014. “Quando eu fiz toda a denúncia me perguntavam se eu não tinha medo. Mas para mim pouco importava, metade de mim já tinha morrido mesmo”, conta.

A mesa também contou com o relato de Renato Freitas Júnior, advogado agredido e alvejado com tiros de bala de borracha pela Guarda Municipal de Curitiba em setembro deste ano, durante panfletagem de sua campanha para deputado estadual. “As marcas que eles deixaram na minha mão não são nada perto das marcas que estão no meu espírito e que eu ainda não sei como tratar”, declara Renato que, mesmo ferido, foi preso e levado para a delegacia em um camburão.

Compuseram ainda a primeira mesa da audiência, mediada pelo conselheiro Everaldo Patriota, a assessora jurídica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca Ceará), Dilliany Ribeiro e a presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Keila Simpson, pela sociedade civil. Pelo Estado estavam Antonio Teixeira Júnior, técnico de pesquisa da Coordenação de Gênero e Raça do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); Gustavo Rocha, coordenador de prevenção nas instituições de segurança pública do Ministério da Segurança Pública e Domingos Dresch, procurador da república e coordenador da 7ª Câmara – Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do Ministério Público Federal.

“A prisão no Brasil tem cor, e a cor é negra. A ideia com a qual fomos criados, de que somos o país da democracia racial, da paz racial, é uma grande mentira. A perversidade desse racismo que é meio invisível. E pior que invisível, é indizível. Porque a gente não chama o racismo de racismo”, declara o procurador Domingos Dresch, acrescentando que o racismo institucional está presente em todas as instituições, mas que é associado principalmente à Polícia. “A minha instituição se reconhece discriminatória e praticante do racismo institucional e por perceber isso que se instituiu políticas internas e mecanismos para primeira prevenir e depois coibir a pratica do racismo institucional dentro do MPF”, acrescenta.

Guerra às drogas ao encarceramento em massa   

A segunda mesa “Da guerra às drogas ao encarceramento em massa – das formas de eliminação dos corpos negros”, apresentou dados sobre a realidade do encarceramento no Brasil, que atinge majoritariamente a população negra, e que tem na guerra às drogas uma das principais estratégias.

“O Brasil tem uma das maiores taxas de aprisionamento do mundo. Muitos presos estão ali mesmo sem condenação, cerca de 45%. São pessoas muito jovens, 74% têm até 34 anos. E 64% são negros”, afirmou Susana Inês de Almeida e Silva, coordenadora de políticas para mulheres e promoção das diversidades do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Segurança Pública, que apresentou dados do Infopen sobre o sistema prisional brasileiro que, até 2016, contava com 726 mil detentos.

A mesa também contou com o depoimento de Maria Railda Alves, fundadora e presidenta da Amparar, Associação de Amigos e familiares de Presos e Presas de São Paulo, criada em 2016 por um grupo de mães revoltadas ao verem os direitos de seus filhos violados dentro dos sistemas socioeducativo e prisional. “Nós sabemos quem está dentro da cadeia e da Fundação Casa. É o pobre negro da periferia. Não dá mais pra ver o nosso jovem preto preso pra só estar sendo torturado”, protesta.

“O projeto de nação brasileiro ou qualquer outro que tenha se construído a partir de uma base escravocrata, é genocida. Todas as estatísticas apresentadas aqui nesta audiência mostraram isso, e as narrativas mostram isso também”, pontuou Denise Carrascosa, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que coordena, há oito anos, um projeto na penitenciária feminina da Bahia que possibilita remissão de pena pela leitura.

A mesa, mediada pelo conselheiro Cristian Ribas, contou ainda com a participação de Eduardo Ribeiro, coordenador da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas (INNPD); de Bruno Renato Teixeira, perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e de Glaucia Marinho, coordenadora da organização Justiça Global e integrante da Articulação da Agenda Nacional pelo Desencarceramento. “O sistema prisional brasileiro sempre puniu indivíduos e não o fato em si. As religiões de matriz africana e a capoeira foram criminalizadas após a abolição da escravidão para aprisionar a população negra. Sempre foi assim”, destacou Glaucia Marinho.

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