Trabalhadores e especialistas sugerem cautela do Estado nas privatizações

Pedro Calvi, da CDHM

O processo de desestatização de empresas públicas iniciou no começo da década de 90, durante o governo do então presidente da República Fernando Collor de Melo, e continuou nos governos seguintes de Fernando Henrique Cardoso. Foi criado, na época, o Programa Nacional de Desestatização (PND), que alterou as estruturas, condicionou interesses aos processos de privatização e provocou a precarização do trabalho. A iniciativa incluía ainda os chamados Programas de Demissão Voluntária.

“Uma série de demissões arbitrárias tomou conta do Brasil,  em conjunto a instauração da Proposta de Emenda Constitucional 173 de 1995 que, por sua vez, deu origem a Emenda Constitucional 19 de 1998, onde há um artigo que não se responsabiliza pelo Acordo Coletivo previsto na Constituição Federal que trata também as demissões coletivas, e deixa claro que é crime hostilizar o trabalhador público concursado, que é assediado moralmente no ambiente de trabalho, sendo coagindo para que se demita com ou sem incentivos”, esclarece o deputado Luiz Couto (PT/PB), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM).

Para discutir o Programa e defender o Projeto de Lei 3846 de 2008, em tramitação no Congresso, a CDHM promoveu, nesta quinta-feira (22), uma audiência pública. O PL, que está pronto para votação em plenário, é do ex-deputado federal Acélio Casagrande (PMDB/SC).

O PL propõe reparar eventuais injustiças cometidas aos empregados das empresas públicas que foram extintas, dissolvidas ou transformadas através da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990. Desde então, os empregados das empresas públicas que foram extintas não têm direito de pleitear a concessão de anistia, e pedir ao governo federal retorno ao posto de trabalho.

“Temos acompanhado a tramitação do PL 3846 e todos os apensados. Para nós, seria um reconhecimento histórico junto aos trabalhadores públicos que foram demitidos na década de 90. Porém, o que ficou foi um legado de desrespeito, muitos desenvolveram doenças advindas de dispensas desta natureza. No setor elétrico, que iniciou a privatização em 90, havia listas de trabalhadores para a demissão sem nenhum critério. Esperamos há dez anos por justiça. E temos que pensar o que vai ser feito agora, daqui para frente. O presidente eleito quer privatizar bancos, Correios, Eletrobras e Petrobras, entre outras empresas públicas. Somos parceiros para a aprovação do PL e acompanhamos ansiosos pelo desfecho”, expõe Fabíola Latino, diretora estadual da Central de Trabalhadores do Brasil/DF.

Bárbara da Silva Pires, defensora pública federal, sugere cautela nos processos de privatização.

“A desestatização deve ser feita com muito cuidado. Os reflexos de um desligamento desse tipo se prolongam por muito tempo, com efeitos na saúde tanto física como mental. Sugiro que esse debate continue para que os excluídos possam ser reparados”, afirma Bárbara.

“Fizeram um Programa de Demissão Voluntária e não perguntaram nada para ninguém. Teve desdobramentos que violaram a moralidade e a dignidade das famílias. O Brasil transferiu, de graça, conhecimento para a iniciativa privada. A desnacionalização rompe o equilíbrio social” adverte Valdemar da Silva Filho, diretor-geral da Associação Nacional dos Petroleiros e Petroleiras.

“Privatizar não é para custeio”

Daniel Arruda Coronel, da Universidade Federal de Santa Maria do Rio Grande Sul, resgata a história das privatizações e onde entram as demissões nesse processo.

“A partir da década de 90 houve intensificação dos investimentos internacionais no Brasil. Os Estados Unidos criaram o Consenso de Washington, que continha recomendações para os países pobres que quisessem se desenvolver. Entre as regras, corte de gastos, câmbio competitivo, investimento estrangeiro direto e restrição dos gastos públicos. A partir disso, o governo Collor de Melo abriu as portas para a entrada para muitas empresas internacionais entrarem no mercado. Vários setores nacionais não estavam preparados e empresas quebraram. Também vale lembrar que nos anos 90 houve forte inflação, com uma taxa diária de 4% de inflação quando o Plano Real foi lançado. Tudo isso acabou na precarização das relações trabalhistas. As  privatizações  não foram feitas com equidade ou com um estudo de quais setores deveriam ser privatizados. A Vale do Rio Doce é um exemplo fenomenal de como não fazer uma privatização. Um erro imenso para nossa infraestrutura. Um trem com 80 vagões equivale a 200 caminhões. O país abriu mãos de setores importantes para a inclusão social. Uma privatização bem pensada não é para custeio, mas sim para financiar o desenvolvimento como a educação, a infraestrutura e a saúde, por exemplo. Tem que ser feita com muito cuidado e estudo. Os recursos das privatizações feitas até hoje foram usados para custeio, e de um modo geral foram ineficazes. Perdemos uma oportunidade histórica”, pondera Daniel Arruda.

Mobilizar para resistir

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Luiz Couto, faz uma reflexão sobre os desafios pela frente.

“O presidente eleito quer privatizar os portos, os bancos, o BNB, o BNDES, entre outras empresas públicas. Também vamos ter um Congresso ultraconservador, unido ao agronegócio e junto com a ‘bancada da bala’. Enquanto isso, nossas instituições não se manifestam, ficamos reféns delas. Estão esperando que algo aconteça para depois protestar. De toda essa situação temos que tirar a lição de como se mobilizar e resistir”, conclui Luiz Couto.

Foto: Vinícius Loures/Câmara dos Deputados

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