Generais, DEM, bancadas BBB, filhos, Temer e guru aloprado: eis a cara do novo governo. Por Ricardo Kotscho

“Voltamos a ser um país atrasado de um povo atrasado” (Janio de Freitas)

“Ministério MM: só tem milico e maluco. Ou é conservador ou é cristão século 11” (José Simão)

No Balaio do Kotscho

Só faltou um M, caro Macaco Simão: de malaco. Também tem vários no elenco.

Após um mês frenético de transição (ou será transação?), já dá para ver como será a cara do novo governo.

Fora os superministros Paulo Guedes e Sergio Moro, que correm em raia própria, sem dar bola para o capitão, o que resultou até agora foi um ministério que, com boa vontade, pode ser chamado de escalafobético.

Ali se misturam generais de pijama; parlamentares do velho DEM (ex-Arena); refugos do governo Temer; os pentecostais, pistoleiros e latifundiários das bancadas BBB (boi, bala e bíblia); ultra neoliberais do Posto Ipiranga, um ex-juiz no papel de xerife e os ministros indicados pelo guru aloprado Olavo de Carvalho, o “filósofo” caçador de ursos e grande mentor da nova ordem.

Com este zoológico ministerial, que remonta a tempos imemoriais, não deveria espantar ninguém que o capitão reformado aos 33 anos, agora eleito presidente da República, bata continência ao receber em sua casa, logo cedo, na manhã desta quinta-feira, no bunker da Barra da Tijuca, um assessor de Donald Trump, John Bolton, conhecido como “senhor da guerra”.

Esta semana, seu filho Eduardo, deputado e escrivão de polícia, autonomeado embaixador plenipotenciário do país nos Estados Unidos, já tinha posado fagueiro e feliz, em Washington, com um boné de Trump 2020. Qual é a surpresa?

Brasil acima de tudo e Deus acima de todos? Pois, sim…

Que Brasil é esse em que um governo se humilha desse jeito antes mesmo de tomar posse?

O deslumbramento do herdeiro deputado em seu périplo pela matriz é a síntese, o retrato acabado de um governo disposto a fazer do Brasil novamente simples colônia, um pária global.

Ao desistir de sediar a Conferência do Clima, marcada para o próximo ano no Brasil, e abrir baterias contra o Acordo de Paris, Bolsonaro já escancarou sua submissão ao império trumpiano.

Por falar em império, lembrei-me de um jantar, durante a campanha eleitoral de 2002, em que Lula e seu vice, o empresário José Alencar, foram a um jantar com Olavo Setúbal, o lendário patriarca do banco Itaú.

Toda vez que os dois candidatos falavam no que pretendiam fazer, caso fossem eleitos, Setúbal reagia com a mesma frase e sua voz de trovão, desdenhando deles:

“O império não vai deixar!”

Até que uma hora, Alencar, um grande empresário multinacional de Minas, perdeu a paciência, e retrucou:

“Que império é esse, doutor Olavo?”.

Diante da inocência do convidado, o banqueiro subiu nas tamancas:

“Ora essa, que império? O grande império americano, você não sabe?”.

José Alencar deixou de lado seu jeito maneiroso de mineiro do interior e também ergueu a voz:

“Pois fique sabendo, doutor Olavo, que se isso acontecer nós vamos pegar em armas e defender o Brasil”.

Até Lula tomou um susto.

Afinal, na parceria capital-trabalho formada pelos dois para a eleição que os levou à vitória em 2002, os papéis agora estavam invertidos.

Lula era, até então, o metalúrgico radical e, Alencar, o empresário moderado escalado para acalmar os mercados.

Governaram o país por oito anos e recolocaram o Brasil no papel de destaque que lhe cabia no mundo, respeitado até pelo império americano de Barack Obama, de quem Lula viraria amigo de infância. Eram outros tempos.

Assistimos agora a um filme de época, em branco e preto, rodando ao contrário, até aquele tempo do doutor Olavo, em que o Brasil beijava as mãos e se ajoelhava diante dos poderosos do mundo.

Se não fosse tudo real, diria que estamos vivendo um pesadelo coletivo sem dia nem hora para acabar.

E ainda faltam 33 dias para a posse.

Vida que segue.

Foto: Paola de Orte /Agência Brasil

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