Direitos humanos: paz, desenvolvimento e segurança

Por Pedro Calvi / CDHM

“Um cenário gravíssimo se abre a partir do dia 1º de janeiro. Hoje estão reunidos aqui lutadores de direitos humanos, e não adianta querer acabar com eles, porque são resultado de uma caminhada que tem a força dos processos históricos. Se houver adversidades, o povo vai para as ruas novamente. E o legislativo é fundamental nesse enfrentamento. Deve buscar novas estruturas de defesa dos direitos humanos, porque o que já temos não vai bastar”, afirma o ex-ministro do Direitos Humanos, Paulo Vannuchi.

Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Vannuchi foi um dos expositores da audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), nesta quarta-feira (12). O encontro marcou os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 30 da promulgação da Constituição Federal de 1988. Dois documentos fundamentais que convidam a uma reflexão sobre a situação atual dos direitos humanos expressos em suas páginas.

Ele lembra a criação do Programa Nacional do Direitos Humanos (PNHD3), lançado em 2009 pelo governo federal. “Eram 31 ministérios para uma ação integrada de governo, com políticas públicas para superar preconceitos de raça, gênero, de respeito a qualquer tipo de fé ou fé nenhuma, que queria construir um Estado de paz, desenvolvimento e segurança.  E questões sérias continuam desafiando: a violência, a prostituição infantil, o trabalho escravo e infantil e a cultura elitista imposta na nossa sociedade. E enfrentamos também a criminalização dos movimentos sociais”, diz o ex-ministro.

A deputada Maria do Rosário (PT/RS), também ex-ministra dos Direitos Humanos, caminha no mesmo sentido.

“Estamos diante de imensos desafios. Foi eleito um presidente que trabalha estereótipos dos direitos humanos e que é contra os princípios desses direitos. Quem pode ser contra princípios construídos para nos livrar da barbárie? A nossa missão agora é conjugar direitos humanos com democracia. Estão reproduzindo o ódio no Brasil, e precisamos sair desse ódio”, ressalta Maria.

Democracia em risco

Para a deputada Luiza Erundina (PSOL/SP) e presidente da Subcomissão Parlamentar da Verdade, Memória e Justiça, o país passa por um momento delicado.

“O novo governo federal foi eleito através de uma fraude perpetrada por alguns que querem manter a impunidade para crimes, como os cometidos durante a ditadura militar. Ao mesmo tempo, negam os direitos humanos antes mesmo de empossados. É um momento sombrio e trágico. A violência policial contra os pobres permanece, até hoje não conseguiram descobrir quem matou e quem mandou matar Marielle Franco. Os mesmos que procuram os bandidos foram os que mataram. Também é intolerável que se deixe impunes aqueles que cometeram crimes de lesa humanidade nos porões da ditadura. Ainda temos 434 desaparecidos e isso significa que a ditadura ainda não acabou. É preciso trazer a verdade e fazer justiça. A democracia está em risco hoje. Corremos o risco de trazer de volta os perversos 21 anos de ditadura militar. Mas o sonho não morre nem envelhece, a esperança e a utopia se desdobram pela história”, lembra Luiza Erundina.

História sem fim

Nilmário Miranda, primeiro presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos, faz uma reflexão sobre a desigualdade no país.

“Só vai entender o Brasil de hoje, quem estudar o passado. O atraso das nossas elites começa ainda na época da abolição da escravatura. Já naquele tempo, era paga indenização a quem perdia escravos. Uma brutal desigualdade que se prolonga. Por exemplo, em 2017 foram mais de 600 casos de ataques contra terreiros, que são lugares pacíficos e acolhedores. Direitos humanos se desenvolvem após grandes adversidades, a Declaração Universal foi criada depois da Segunda Guerra Mundial, com a figura do genocídio, do crime contra a humanidade, com quase 60 milhões de vítimas. A nossa Constituição é uma tradução, adequada à nossa realidade, da Declaração Universal. Daqui para frente teremos que ser  radicais na defesa e rebeldes para defender direitos humanos”.

Para Eduardo Nunes de Queiroz, defensor Nacional de Direitos Humanos, da Defensoria Pública da União,  as duas Cartas são Cartas políticas que só se justificam para superação de contextos de exclusão.

“E isso é promoção dos direitos humanos.  Não precisamos reinventar a roda, mas voltar às nossas bases legais. É momento de valorizar tudo que já existe, que já conquistamos. Não vamos aceitar a institucionalização da intolerância patrocinada pelo Estado”, destaca Eduardo.

A assentada da reforma agrária e coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Antônia Francisca, [afirma que] desde o tempo da escravidão o país vive de latifúndios.

“Está na Constituição que todo brasileiro tem direito a casa, comida e terra. E agora ainda querem a privatização das terras já conquistadas. Em 1850 já não tinha terra. Hoje, a maioria das pessoas que está nas favelas veio do campo porque não tinha terra para trabalhar. Mas estamos seguindo firmes, mesmo sofrendo ameaças de despejo, sendo tratados como terroristas, criminalizados. Nunca ouvi falar que quem trabalha para plantar pode ser considerado terrorista”, indaga. 

A especialista em Relações Raciais, Gênero, Raça e Direitos Humanos, Política Criminal e Penitenciária, Deise Barreto, também avalia que a história se repete, ou continua a mesma.

“O que estamos fazendo com as populações indígenas, o que foi feito com mulheres e crianças indígenas? Os jovens de 15 a 25 anos que vinham como escravos, são hoje a mesma população que sofre hoje extermínio nas periferias das grandes cidades. De traficados a traficantes”.

Manter as conquistas

Domingos Sávio da Silveira, procurador Federal dos Direitos do Cidadão Substituto, lembra de um texto teatral de Millôr Fernandes. 

“ A atriz Tereza Rachel, sozinha no palco, dizia ‘imaginem vocês que daqui a dez anos vamos olhar para trás e dizer… bons tempos, hein?’ Quando pensamos na história dos direitos humanos, estamos tratando de direitos que se afirmam a cada amanhecer e se reafirmam para continuar existindo.  O conflito por direitos humanos é mutável, mas os que foram conquistados e afirmados não são negociáveis”.

“Os princípios constitucionais e os direitos humanos são construções permanentes, que na dinâmica histórica adquirem configurações diversas e estão sempre a apresentar novos desafios. Cabe, portanto, a todos nós, trazer para o cotidiano do nosso tempo a vivência real desses princípios e direitos”, diz o deputado Luiz Couto (PT/PB), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM).

“O Brasil, depois de viver uma notável experiência de redução de desigualdades, que virou referência mundial, agora está mais pobre a cada dia. Pesquisa do IBGE mostra que a pobreza cresceu 4% somente em 2017, elevando esse contingente para 54 milhões e 800 mil pessoas, o que equivale a 26,5% da população do país. E a pobreza extrema?  Essa aumentou ainda mais, deu um salto de 13% no ano, de 13,5 milhões para 15,3 milhões. Do total de brasileiros, 7,4% ficaram abaixo da linha da pobreza extrema”, continua Luiz Couto.

“Temos uma tarefa imensa pela frente, uma luta de resistência, de manter as conquistas do passado, porque o governo que em breve toma posse é a própria negação dos direitos humanos, e isso ele deixou claro na campanha e nas manifestações que surpreendem o Brasil e o mundo a cada dia”, conclui.

Também participaram da audiência pública, Fabiana Galera Severo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos; José Geraldo de Souza Júnior, doutor em Direito da UNB e Maria Lima Nunes, secretária-executiva do Movimento Nacional de Direitos Humanos.

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

CDHM: 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos. Foto: Cleia Viana /Câmara dos Deputados

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