Manifestação de atingidos acaba após 35 horas de ocupação dos trilhos da Vale

Fernanda Couzemenco, Século Diário

Uma promessa de resposta dentro de quinze dias por parte da Fundação Renova. Por força de uma liminar judicial, foi com esse resultado que os cerca de mil manifestantes que ocupavam a estrada de ferro da Vale, em Baixo Guandu, no noroeste do estado, tiveram que encerrar o movimento reivindicatório iniciado na manhã de segunda-feira (14).

A interrupção da linha férrea durou 35 horas tendo sido montado um acampamento improvisado, que recebeu apoio dos moradores das redondezas, que levavam água e alimentos. Mas por volta das 21h desta terça-feira (15), os manifestantes decidiram suspender o protesto, diante da ameaça de multa de R$ 25 mil por pessoa, em caso de descumprimento da liminar. A desocupação dos trilhos foi acompanhada pela Polícia Militar e foi pacífica.

Ao retornarem para suas casas, em diversas cidades atingidas pelo crime da Samarco/Vale-BHP no Espírito Santo e Minas Gerais, os manifestantes aguardarão a resposta da Renova para os pontos da pauta de reivindicações. Respostas que são aguardadas, há três anos, por milhares de atingidos que continuam sem atendimento adequado para os danos socioambientais advindos do crime.

A pauta envolve, principalmente, questões relacionadas ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) e ao reconhecimento de pescadores de diversas comunidades, que ainda não foram cadastrados, muitos deles, já recomendados pelo Comitê Intefederativo (CIF).

Há também pedido de “maior atenção a todos os pescadores na hora de fechar os acordos” e de reconhecimento de diversas de categorias de trabalhadores atingidos, como marisqueiros, vendedores de peixe, beneficiadores de pescado, agricultores, psicultores e pescadores de linha, tarrafo e barranco (esses três últimos considerados amadores).

Além dessas pautas antigas, o motivo que suscitou o movimento em Baixo Guandu foi uma liminar judicial expedida em 27 de dezembro pelo juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, durante o recesso do Judiciário.

Em seu despacho, o magistrado altera cerca de 1500 acordos feitos entre a Fundação Renova e aproximadamente nove mil pescadores, com o intuito de permitir que a empresa desconte, do pagamento das indenizações – por danos morais e lucro cessante – o valor já pago em auxílios emergenciais mensais. O desconto já proibido desde 2017 pela Comitê Interfederativo (CIF), em suas Deliberações mº 111 e 119.

Ameaça

O prefeito de Baixo Guandu, Neto Barros (PCdoB), prestou apoio aos manifestantes durante os dois dias de protesto e também se reuniu com um representante da Renova, Angelo Cola, em paralelo à ocupação da estrada de ferro.

O motivo da reunião foi uma carta que o prefeito recebeu no início de janeiro, onde a Fundação o ameaça de processo judicial em represália a declarações feitas por ele em dezembro, durante reunião do CIF.

Na ocasião, Neto Barros externou o desamparo vivido pelos atingidos pelo maior crime ambiental do Brasil, devido à postura da Fundação Renova em defender os interesses das suas empresas mantenedoras ao invés dos direitos dos atingidos, e denunciou a falta de transparência nos contratos firmados entre a Renova e as empresas contratadas para as ações de reparação e compensação dos danos advindos do crime. Contratos que já somam R$ 4,4 bilhões, nos últimos três anos.

Em matéria publicada no site da Prefeitura nesta quarta-feira (16), Neto Barros diz que o município não recebeu “nenhum centavo” por parte da Samarco/Vale-BHP ou da Renova, nem mesmo os relativos aos gastos com a mudança da captação de água da cidade.

“Eu falo em nome dos mais de 31 mil atingidos em Baixo Guandu pela lama da Samarco. O que existe é uma enrolação interminável e estamos sendo vítimas de um calote que envolve empresas poderosas. Não vão nos calar diante de tanta injustiça”, disse o prefeito.

Lesão ao Estado brasileiro

Em nota conjunta publicada nesta terça-feira (15), as Defensorias Públicas da União e do Espírito Santo (DPU e DPES) afirmam que a liminar do juiz Mario de Paula “agrava a insegurança jurídica nos territórios, que convivem com o caos da má execução dos programas socioeconômicos e sucessivas violações aos direitos humanos dos atingidos”. Com a decisão, prosseguem os defensores, “foram transferidos ao Erário Público – e a toda a sociedade – os custos de promover a proteção social das famílias desamparadas por conta de um desastre causado por empresas privadas, o que acaba por causar sério risco de lesão ao Estado Brasileiro, em um momento de grave crise financeira e fiscal”.

Imagem: Comunicação PMBG

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