Foi realizada, nos dias 17 e 18 de janeiro, em Brasília, mais uma reunião de Diretoria do CONIC. Na pauta do encontro estava a preparação para a Assembleia deste ano – de 28 a 30 de maio – a reunião conjunta com a diretoria da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), em Salvador, nos dias 4 e 5 de abril, além do encontro entre igrejas brasileiras e palestinas (confira a matéria aqui). Um dos encaminhamentos do encontro foi a elaboração de uma nota a respeito do Decreto presidencial que, na prática, facilitou o acesso de pessoas a armas de fogo.
Confira a nota:
Decreto que facilita acesso a armas é preocupante
Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou;
não vo-la dou como o mundo a dá. (Jo 14:27)
O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) vem a público manifestar sua preocupação pela publicação do Decreto da Presidência da República que facilita a posse de armas de fogo. Segundo o Decreto, assinado no dia 15 de janeiro, toda a pessoa com mais de 25 anos e sem antecedentes criminais poderá possuir até quatro armas em casa. Além disso, o Decreto estende a validade do registro de cinco para 10 anos, possibilitando a renovação automática do registro caso o portador da arma de fogo não esteja em situação irregular.
Enquanto igrejas, acreditamos que o papel de todas as pessoas deve ser a promoção de uma cultura de paz. Ao Estado cabe desenvolver programas de fortalecimento dos direitos humanos, de valorização dos profissionais da segurança pública, de garantia do acesso à justiça (especialmente daquelas pessoas que vivem em territórios de maior vulnerabilidade), além de desenvolver programas de ressocialização voltados às pessoas que cumprem penas privativas de liberdade e para egressos do sistema prisional, entre outras medidas contempladas no Artigo 3 da Lei 11.530/07.
Na Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2005 – “Felizes os que promovem a paz” – nos empenhamos pela aprovação do Estatuto do Desarmamento. Acreditamos que uma sociedade armada não conduz à justiça ou à paz. A fé nos oferece a certeza de que não se supera a violência com mais violência. Cabe-nos trilhar o caminho anunciado pelo profeta Isaías, que diz que bom é viver numa terra aonde as “espadas se tornem arados” (Is 2:4).
Com a publicação do novo Decreto, a flexibilização de requisitos poderá permitir que mais armas entrem em circulação em todo território nacional. Cabe notar, contudo, que 61% da população brasileira rejeita a ideia de se facilitar o acesso às armas de fogo (Datafolha, em 31 de dez de 2018). Diversos estudos ligam o acesso facilitado a armas a suicídios e acidentes.
Também é importante lembrar que, há seis meses, o relatório da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência recomendou restrição de acesso a armas de fogo. O documento traz um dado que assusta: apesar de ter 3% da população mundial, o Brasil responde por 14% dos homicídios em todo o mundo, com taxas semelhantes a países como Ruanda e Congo, que vivem situação de guerra civil.
Muitos dos que defendem a flexibilização da posse de armas argumentam que o Estatuto do Desarmamento não deteve o avanço da violência. Mas isso não é verdade. Basta dizer que nos nove anos anteriores à aprovação do Estatuto, de 1995 para 2003, a taxa de homicídios aumentou 21,4%. Nos nove anos seguintes, de 2003 para 2012, a mesma taxa aumentou 0,3%. Ou seja: mesmo com uma população consideravelmente maior, a taxa quase que foi freada.
Para as mulheres e crianças, sobretudo, armas dentro de casa representarão riscos ainda maiores. Dos 46.881 homens mortos por armas de fogo em 2017, cerca de 10% morreram dentro de casa. No caso das 2.796 mulheres mortas da mesma forma, 25% foram vitimadas em domicílio. Em matéria publicada na revista Exame, a promotora de Justiça do MP de São Paulo, Silvia Chakian, integrante do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica, diz que a “flexibilização da posse de arma de fogo potencializa o risco de todas essas mortes por razões banais. Muitas mulheres morrem por força de conflitos corriqueiros e domésticos. Discussões que hoje terminam num empurrão ou num tapa podem terminar num feminicídio”.
Armar a população é reconhecer a incapacidade do Estado de desenvolver a política de segurança pública orientada pelos tratados de Direitos Humanos. É uma tentativa de terceirizar a segurança pública, que é dever do Estado.
Preocupa-nos que este Decreto tenha sido assinado ignorando a ampla discussão com a sociedade acumulada nos últimos anos, curvando-se a interesses de grupos específicos. E lamentamos que pessoas cristãs têm empenhado tempo e prestígio na defesa dessa pauta que não corresponde à vontade de Jesus Cristo, afinal, ao longo de sua vida, Jesus anunciou a paz.
Por isso, clamamos ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal que deem espaço à sensatez e desfaçam, no amparo da Lei, o Decreto assinado pela Presidência da República.
“Bem-aventuradasas pessoas pacificadoras,
pois serão chamadas filhas de Deus” (Mt 5:9)
CONIC – CONSELHO NACIONAL DE IGREJAS CRISTÃS DO BRASIL