O que podemos aprender sobre vício e memes moralistas com Fábio Assunção

O ator matou um meme irresponsável e um tanto conservador sobre dependência química

Na VICE Brasil

É um costume nosso nas redes sociais não enxergar além do que é nos apresentado em um vídeo ou imagem que se tornaram memes. Memes são divertidos, ninguém quer exatamente que a pessoa que se tornou o objeto central do meme se ferre ou passe por maus bocados. É uma piada que, assim como muita coisa na internet, tem um período de vigência e que logo mais morrerá em arquivos obscuros na rede mundial de computadores ou no grupo do zap da sua família.

O ator veterano Fábio Assunção se tornou um meme em 2018. Assunção já havia dito em entrevistas que sofria com a dependência química e que a doença é uma caminhada díficil de manter. Em junho de 2017, ele dirigiu embriagado em Pernambuco e foi agressivo com pessoas ao redor e desacatou policiais. Foi preso, pagou fiança e foi liberado após a audiência de custódia. Já em maio do ano seguinte, Fábio foi detido mais uma vez pelo mesmo delito.

Pela reincidência da coisa, somada à foto do ator com uma barba longa e grisalha, a internet brasileira respondeu, como esperado, com piadas. O fato do ator ter sido pego duas vezes fazendo a mesma coisa lhe rendeu uma imagem de “loucão”. Em julho, o youtuber Bartz lançou um trap chamado “Modo Assunção” que fala sobre sair para uma noitada, encher a cara e, enfim, ficar doidão.Surfando na onda do meme, a banda La Furia lançou uma versão do mesmo som em agosto e assim o meme virou um hit.

Junto com a música, o meme foi se tornando mais e mais popular. Máscaras de carnaval começaram a circular nas redes sociais e muitos usuários começaram a usar o nome do ator como um termo para ficar doidasso de cachaça ou droga. Houve até um componente moral que supostamente podia servir como perdão prévio automático pra zuera: ele é um usuário de drogas porque quer e, afinal de contas, colocou a vida de si próprio e de terceiros em risco duas vezes por estar dirigindo embriagado.

Nós temos um costume de desumanizar usuários de drogas. A intensidade dessa objetificação varia de acordo também com a cor da pele, notoriedade e classe social do dependente. Se este é morador de rua e viciado em crack, sua humanidade lhe é usurpada mais rápido que os jatos de água dos caminhões da Prefeitura que os expulsam das calçadas. Eles não têm nome, são zumbis. Se for classe média, são doentes. Já se são famosos, o vício ganha uma maquiagem glamourizada. Como se fosse algo inerente à profissão ser doidão, e tudo bem.

E nós estamos habituados a não questionar a gravidade desse processo de normalização. As piadas chegam até a ser recicladas entre um caso e outro. Quem não lembra do bolão virtual para apostar quando a cantora Amy Winehouse iria morrer? Atire a primeira pedra quem não chamou o ex-Polegar Rafael Ilha de Rafael Pilha.

No entanto, zuera à parte, o dependente ainda está lá, lutando contra o vício. E, no caso do meme de Fábio Assunção, o humor opera como uma forma de desmerecer quem vive com a dependência. O ator, inclusive, poderia ter ficado puto da vida com a música da banda La Furia e do Bartz e com as máscaras de péssimo gosto que infelizmente aparecerão no Carnaval de 2019. Ele chegou a comentar pela primeira vez no Conversa com o Bial sobre os memes, dizendo que os considerava ofensivos. Porém, o ator desenvolveu essa brincadeira toda para algo surpreendentemente educativo. Ele fez um acordo com a banda para destinar todo o dinheiro da música para instituições que tratam de dependentes químicos.

Em três vídeos publicados no seu Instagram oficial, Fábio fala com clareza e sinceridade sobre os riscos de glamourizar a dependência. “Eu não endosso, de maneira nenhuma, essa glamourização ou zueira com esse sofrimento. Minha preocupação é com você que sente na pele a dor e a complexidade dessa doença. Minha vontade é que você sempre tenha um diálogo aberto, encontre um lugar de afeto com sua família, seus amigos e com a sociedade brasileira. E assim merecer respeito e direito a um tratamento digno,” começa o ator.

Não é fácil ser um meme na internet, especialmente quando este foca em pontos negativos seus. As reações dos personagem meméticos não costumam (compreensivelmente) ser muito boas, o que tem o efeito de acelerar o ritmo com que a zuera se repete. No entanto, Fábio usou a sua presença online como uma oportunidade de falar sobre o que realmente é ser um dependente químico e como isso pode roubar uma boa porção da sua vida.

O ator matou um meme irresponsável e cheio de ares moralistas sobre o que é a dependência química. Ele não quis tirar a música de circulação ou impedir qualquer ser humano da face da Terra de usar seu nome como sinônimo de ficar loucão, mas sim mostrar que existe o lado tenebroso disso. Existe sempre uma pessoa na outra ponta da piada.

“15% das pessoas do mundo tem problemas de dependência química,” continua Assunção. “É muita gente sofrendo por não conseguir controlar suas compulsões e eu acho importante lembrar a todos que isso não tá escrito na certidão de nascimento. Todo mundo começa do mesmo jeito. Achando que tudo bem, mas pode não terminar tudo bem.”

As instituições ainda estão para ser divulgadas pelo ator, pelo vocalista da banda La Furia e o youtuber Bartz. Assunção termina o vídeo advertindo o que deveria ser um conselho para todo mundo. “Nós não somos super heróis. Cuide de você, cuide de quem você ama, cuide dos seus amigos nas festas, nas ruas”.

Esperamos que este seja um fim de um meme que, sinceramente, nem era engraçado.


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