Montréal também teve ato público em apoio à campanha “Sangue Indígena: Nenhum Sangue a Mais”

O Coletivo Brasil-Montréal realizou ontem um ato político em apoio à campanha da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) “Sangue Indígena: Nenhum Sangue a Mais”, em frente ao consulado do Brasil.

Na manifestação, a uma temperatura com sensação térmica de aproximadamente -26 graus, estiveram presentes cerca de 15 pessoas entre brasileiros, canadenses e pessoas de outras nacionalidades que demonstraram o seu apoio e solidariedade aos povos indígenas do Brasil. Também participaram representantes do Comitê pelos Direitos Humanos na América Latina (CDHAL), organização não-governamental canadense, e do Coletivo brasileiro Nhoirū Eté (COINE-Rio de Janeiro), formado por indigenistas e representantes das comunidades indígenas Guarani Mbya.

O ato contou também com a entrega de uma carta ao Vice-Cônsul do Brasil em Montréal, que se comprometeu a encaminhá-la ao governo brasileiro.

Vice-cônsul recebe carta do Coletivo Brasil-Montréal

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Abaixo, leia a íntegra da carta do Coletivo Brasil-Montréal:

“Quando o último rio secar 
Quando a última árvore cair
Quando o último peixe for pescado,
O homem enfim entenderá
Que dinheiro não se come”
(frase atribuída a indígena da América do Norte)

Excelentíssimo Senhor Rubens Gama Dias Filho
Cônsul-Geral da República Federativa do Brasil em Montreal

O Coletivo Brasil-Montréal, integrante da FIBRA (Frente Internacional Brasileiros contra o Golpe), manifesta enfaticamente seu apoio à campanha “Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais”, promovida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que hoje, 31 de janeiro de 2019, convoca a sociedade brasileira e internacional a se unir à grande mobilização no Brasil em defesa dos povos indígenas, repudiando veementemente as iniciativas do novo governo que ameaçam a sobrevivência e a preservação da cultura desses povos.

Colocando em prática políticas discriminatórias vocalizadas desde a campanha presidencial, o Presidente determinou, por meio da Medida Provisória 870/2019 de 1o. de janeiro de 2019 (primeiro dia do novo governo, note-se), que a identificação, delimitação, reconhecimento e demarcação de terras indígenas fosse doravante competência do Ministério da Agricultura, que historicamente atua em defesa dos interesses do agronegócio na disputa pelas terras no país, usurpando uma atribuição que é, há 30 anos, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). A nova administração restringiu ainda mais a atuação da FUNAI, ao transferi-la do Ministério da Justiça para o novo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, liderada por Damares Alves, que tem longo histórico de perseguição aos povos indígenas. Trata-se de retrocesso significativo na política de preservação dos povos e culturas indígenas.

Não há como não enxergar o conflito de interesses criado com a publicação da MP 870/2019. É público e notório que a atual ministra da agricultura, Sra. Teresa Cristina, representa os interesses da bancada ruralista do Congresso Nacional.  Os ruralistas, por

sua vez, estão muito mais interessados em receber vantagens, muitas vezes pessoais, em decorrência de sua associação com o grande capital (particularmente do agronegócio) e conivência com as práticas de grilagem do que na preservação da cultura indígena, da biodiversidade, das florestas, da fauna e da flora brasileiras. É falso o argumento de que, ao “flexibilizar” a demarcação de terras indígenas, estão defendendo o crescimento econômico do Brasil. O desenvolvimento do país nunca pode servir de justificativa para o genocídio de populações nativas, mais ainda quando esse “argumento do desenvolvimento” prova-se ser uma falácia desonesta e interesseira.

A monocultura, a pecuária, a mineração ou os grandes projetos de qualquer espécie, com toda a destruição que acarretam, nunca conseguiram fazer com que o Brasil alcançasse patamares razoáveis de justiça social e ambiental. Por outro lado, o uso sustentável e a preservação de nossa sociobiodiversidade garantirão um legado inestimável às futuras gerações e um papel de destaque do Brasil no mundo a longo prazo.

Os indígenas são os autênticos guardiões das florestas e da biodiversidade brasileiras. Não há como dissociar a questão indígena da questão ambiental, uma vez que entre os nativos e a natureza a relação é de perfeita simbiose e harmonia, de sustentabilidade, de preservação e de uso racional de recursos naturais escassos. O que os demagogos hipócritas apregoam da boca pra fora os indígenas o colocam em prática há milênios.

Pelas razões expostas, contamos com a compreensão e com os bons-préstimos de Vossa Excelência no sentido de transmitir, à Secretaria de Estado do Ministério das Relações Exteriores e às autarquias que Vossa Excelência julgar pertinentes, o teor de nosso protesto contra os novos rumos que a nova administração federal vem tomando no que tange à questão indígena brasileira. Anexa a este documento, encontra-se carta da APIB com divulgação de sua campanha, que, reiteramos, apoiamos veementemente.

Atenciosamente,

Coletivo Brasil-Montreal.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Priscylla Joca.

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