Estudo de 2010 já mostrava possibilidade de rompimento na barragem da Vale em Brumadinho

Por Maurício Angelo, no Ministério da Verdade

Washington Pirete da Silva, geotécnico da Vale há mais de 20 anos, apresentou em 2010 na Universidade Federal de Ouro Preto uma dissertação que analisou justamente a Barragem I da Vale no complexo da Mina do Feijão em Brumadinho, a mesma que rompeu no último dia 25. Intitulado “Estudo do potencial de liquefação estática de uma barragem de rejeito alteada para montante aplicando a metodologia de Olson (2001)”, o estudo traz, a partir do capítulo 4, um longo detalhamento do histórico da barragem. A começar pelos erros estruturais e tentativas de “correção” dos seus problemas que, na verdade, geraram um acúmulo de fragilidades.

Washington mostra, por exemplo, que no quarto alteamento da barragem, o eixo foi deslocado de 60m para montante em relação ao eixo anterior. Embora satisfatória, diz o geotécnico, “o sistema de fluxo interno à barragem não se mostrou adequado, induzindo o aparecimento de diversas surgências ao longo do pé do dique do quarto alteamento e rápida elevação das leituras piezométricas”. Em bom português: deu tudo errado e a partir dali foram feitos vários “concertos” ou gambiarras, se preferir, para tentar corrigir a estrutura. Isso no quarto alteamento. A barragem rompeu com 10 alteamentos – expansões – feitos, sendo o décimo após a publicação do estudo. “Surgências” são vazamentos para fora da barragem ou bicas d’água, o que indica risco de ruptura. E uma mudança na alteração geométrica do eixo é uma medida grave que costuma trazer riscos inerentes. Esta foi uma das principais razões para o rompimento da barragem de Mariana, 3 anos antes, conforme estudos. Ou seja: o erro se repetiu e, mesmo com o primeiro rompimento, nada foi feito.

Observa-se que a barragem saiu de uma altura inicial de 18 metros para cerca de 81 metros em 2007. Quando rompeu, em janeiro, o décimo alteamento tinha expandido sua altura para 87 metros (o equivalente a um prédio de 20 andares ou mais de duas vezes a altura do Cristo Redentor) com cerca de 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeito, de acordo com a Federação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais.

Em sua análise técnica, Washington lista uma série de problemas crônicos, além dos já citados:

  • A barragem passou quase 30 anos, de 76 a 2005, operada sem uma diretriz quanto à disposição dos rejeitos, gerando um depósito não uniforme.
  • Isso comprometeu a separação efetiva entre lama (que deve ficar no fundo) e areia (à frente), de acordo com manuais de segurança de barragens, gerando vários pontos críticos na estrutura.
  • Os rejeitos tinham camadas que variavam enormemente a sua compacidade, de mais fofos a mediamente compactos, gerando resistências diversas e não adequadas, além das grandes distâncias entre os pontos de acúmulo.
  • Após coletar rejeitos em mais de 25 pontos da barragem e fazer diversas análises, o geotécnico avalia que 9 camadas de rejeitos estavam suscetíveis à liquefação, uma mudança súbita na característica da lama, que fica menos sólida e mais líquida, favorecendo o rompimento. Outra vez, exatamente o que aconteceu também em Mariana.
  • A elevada presença de finos (56% de areia fina, 28% de silte e 4% de argila), diz ele, pode “possibilitar condições para a mobilização de mecanismos de colapso de fluxo por liquefação”. Em pt/br: romper.
  • Segundo o engenheiro, os materiais encontrados estavam “no limite” da susceptibilidade de liquefação e muitos levemente acima desse limite, como mostra o gráfico abaixo.

Uma rápida elevação da linha freática no depósito de rejeitos que comprometesse toda a estrutura poderia acontecer simplesmente com um longo período de chuvas sobre a praia de rejeitos da barragem, avalia. No entanto, pela Vale “ter uma equipe técnica qualificada” – da qual ele mesmo faz parte, diga-se – e por parte das análises ter indicado um risco “moderado a baixo” de ruptura – embora muitas vezes alto e nunca inexistente – Washington considera que esses elementos “garantem uma boa segurança do empreendimento”.

Até o momento, a ruptura da barragem da Vale em Brumadinho já matou 150 pessoas e deixou 182 desaparecidos. Enquanto isso, Sérgio Bermudes, o advogado da Vale que disse que “a Vale não enxerga razões determinantes de sua responsabilidade. Não houve negligência, imprudência, imperícia, não se identificou dolo e muito menos culpa” e depois foi supostamente “desautorizado” pela empresa está se reunindo com o presidente do Supremo Tribunal Federal. Curiosa estratégia de “retirar autoridade” de um dos seus principais advogados que foi extremamente categórico sobre a postura de se ausentar completamente da responsabilidade que a Vale tem e mandar esse mesmo advogado negociar com o presidente da corte mais importante do país.

No discurso e na prática, as ações da Vale falam por conta própria.

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