Da vida em êxtase das socialites Levinsohn à violência no campo no oeste da Bahia

Camponês foi baleado no dia 31 por um dos seguranças da Fazenda Estrondo, localizada em terras públicas em Formosa do Rio Preto; na outra ponta societária do empreendimento agropecuário, festas no Copacabana Palace e ações beneficentes

Por Igor Carvalho, em De Olho nos Ruralistas

A celebração é um “get together à beira da piscina”, conforme as palavras da colunista social Hildegard Angel, em seu blog:

“As mulheres todas confabulando para saber como irão neste final de semana ao casamento de Dadado e Cecília Veiga – se irão usar pele ou não – durante o almoço de aniversário de Claudia Levinsohn, ontem, quando ela apresentou aos amigos seu neto Patrick, que mora nos Estados Unidos. Um refúgio dentro da Mata Atlântica, onde colibris, macacos prego e outras espécies convivem em perfeita harmonia com as orquídeas.”

O que este cenário de festa da alta sociedade no Rio tem a ver com o conflito de terras na Fazenda Estrondo, na Bahia, onde um camponês foi baleado no fim de janeiro?

Claudia vestia um azul combinando com a piscina. Ela é irmã de Priscilla Levinsohn, personagem assídua dos encontros da aristocracia carioca. Nas redes sociais ou nos “get together”, as irmãs interagem com as socialites Narcisa Tamborindeguy, Andrea Rudge e Patrícia Leal, a ex-esposa do ex-bilionário Eike Batista. Com a jornalista Glória Maria, a modelo Luiza Brunet, entre outras celebridades que frequentam o hotel Copacabana Palace. Com direito a show de Tiago Abravanel.

A excêntrica vida das irmãs Levinsohn é apresentada com alguma frequência em colunas sociais, como a de Lu Lacerda, que descreveu em seu blog o aniversário de Priscilla, em 2014, uma festa extravagante para 700 pessoas na mansão da família, na Gávea, com o seguinte tema inspirado no maior prêmio do cinema mundial: “Oscar: homens de preto e mulheres deslumbrantes”.

É Lu Lacerda quem descreve o clima entre os convivas:

“Um convidado brincou: “Que festa é essa? Prevejo alegria e gastos”. Acertou. Foi alegríssima a noite da Priscilla, em decoração linda e vibrante de Antonio Neves da Rocha, com lista [de convidados] variadíssima: nomes públicos, nomes sociais…e banqueiros de várias áreas de atuação.”

Entusiasmada, a advogada Priscilla Levinsohn afirma à jornalista: “Se fosse convidar todos os meus amigos, encheria o Maracanã“.

A mesma Lu Lacerda narrou em seu blog, no dia 23 de janeiro, as peripécias de Priscilla Levinsohn para “visitar dois amigos da Lava Jato presos em Bangu 8”. Priscilla quis entrar com 24 garrafas de água mineral, 12 para cada amigo preso. O agente penitenciário contestou: “A senhora sabe, como advogada, que não pode fazer a custódia para os internos”. Priscilla respondeu: “Está fazendo 42 graus e eles estão sem ter o que beber. Qual a água que o senhor espera que eles bebam se nem filtro aqui tem?”

NA BAHIA, JAGUNÇOS ATIRAM EM UM CAMPONÊS, JOSSINEI

No Rio de Janeiro, distraídas entre uma taça e outra de champanhe, Claudia e Priscilla talvez tenham sido avisadas que, na manhã do dia 31 de janeiro, seguranças que trabalham para a sua família balearam Jossinei Lopes Leite, diretor da Associação Comunitária da Cachoeira, na Fazenda Estrondo, na zona rural de Formosa do Rio Preto, na Bahia.

Parentes de Lopes Leite alegam que o seu gado foi roubado pelos funcionários da Fazenda Estrondo. Ato contínuo, os familiares foram até a propriedade rural exigir os animais, mas foram recebidos a tiros. O camponês foi alvejado na perna e encaminhado para o hospital do município.

Segue um trecho da conversa entre os ribeirinhos e os seguranças, conforme vídeo divulgado pelo portal Metrópoles:

– Vai soltar o gado?

– Não, não vou.

– Por quê? O gado é seus?

– Não. Estou aqui fazendo meu serviço.

– Por que vocês não soltam o gado?

– É ordem da fazenda. Para aí, rapá!

– Eu não vou parar não. Se vocês quiserem atirar para matar, podem atirar. Pode atirar pra matar.

RONALD LEVINSOHN CHEGOU A SER PRESO EM 2016

Priscilla e Cláudia estão entre as sócias da Fazenda Estrondo, que tem em seu corpo societário o pai das socialites, o octogenário gaúcho Ronald Guimarães Levinsohn, frequentador menos assíduo das colunas sociais. Envolvido em diversos escândalos, o fazendeiro chegou a ser preso, em julho de 2016, no âmbito da Operação Recomeço, um desmembramento da Lava Jato.

Essa operação investiga a associação criminosa para crimes contra o sistema financeiro pela venda de títulos imobiliários aos fundos de pensão Postalis, dos Correios, e Petros, da Petrobras. Outras quinze pessoas foram detidas à época – além de Levinsohn, neto de um executivo inglês da Swift Foods Company – por contribuírem com o esquema.

Faz parte do histórico de Ronald Levinsohn a falência do Grupo Delfin, em 1983, nos estertores da ditadura, na época a maior empresa privada de crédito imobiliário do Brasil. A empresa tentava saldar uma dívida de 79 bilhões de cruzeiros com o extinto BNH, incorporado pela Caixa Econômica Federal, oferecendo dois terrenos que custariam, de acordo com o empresário, 60 bilhões. Uma auditoria feita nas propriedades revelou uma cifra dez vezes menor: 6 bilhões.

Uma reportagem da Folha relatou a fraude nos anos 80. Foi um escândalo. Correntistas do grupo correram às agências para retirar tudo que podiam de suas contas. Resultado, a bancarrota.

FAZENDA APARECE NO LIVRO BRANCO DA GRILAGEM

O Agronegócio Condomínio Cachoeira Estrondo é uma espécie de condomínio de fazendas, composto por 22 empreendimentos que atuam no setor agropecuário. O grupo é administrado por três empresas: Delfin Rio S/A Crédito Imobiliário, Colina Paulista S/A e a Companhia de Melhoramentos do Oeste da Bahia (CMOB). Ronald Levisohn é sócio da primeira. Priscilla e Cláudia Levisohn compõem a sociedade nas demais.

Das 22 fazendas que compõem esse condomínio, Priscilla e Cláudia Levisohn são sócias em dez. Somando os empreendimentos que as irmãs administram dentro da Cachoeira Estrondo, o valor declarado de capital social chega a R$ 491 milhões.

Em 1999, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publicou o Livro Branco da Grilagem de Terras. Em alguns cliques é possível baixá-lo. E lá se descobre que a Fazenda Estrondo é fruto da grilagem de 444 mil hectares de terras na região do Matopiba, fronteira agrícola que une os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

O Rio de Janeiro dos Levinsohn continua lindo. Em Formosa do Rio Preto, conflitos. Após quatro décadas de luta e conflitos com os proprietários, em abril de 2017, um grupo de geraizeiros, formado por indígenas, descendentes de escravos e sertanejos que vivem em comunidades dentro do “condomínio”, entraram com uma Ação de Manutenção de Posse na Justiça reivindicando a posse de 43 mil hectares da Estrondo.

Em novembro de 2018, o juiz Sergio Humberto Quadros Sampaio, da Comarca de Formosa do Rio Preto, reduziu a área requerida pelos geraizeiros para 9 mil hectares, sem amparo de qualquer documento técnico que justificasse a decisão. No dia 23 de janeiro, o desembargador José Cícero Landim suspendeu a decisão do magistrado, determinando que a ação seja analisada a partir da reivindicação original, de 43 mil hectares.

Enquanto não sai a decisão, as comunidades seguem silenciosamente confinadas no interior da Fazenda Estrondo. Os proprietários instalaram cercas e guaritas que cercam os primeiros ocupantes do território, impedindo que eles circulem livremente.

NA FAZENDA AUSTRÁLIA, R$ 60 POR MÊS PARA OS PEÕES

No Rio, em novembro, Priscilla Livensohn exibia seu talento como cantora em um evento beneficente no Copacabana Palace, o Cantores do Bem. Na Bahia, um massacre. Em 2009, 91 trabalhadores escravos foram libertados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e agentes da Polícia Federal (PF) em duas fazendas do “condomínio” da Estrondo.

Os nomes são cosmopolitas. Na Fazenda Indiana, 52 funcionários colhiam algodão em condições precárias, informa a Repórter Brasil. Na Fazenda Austrália, da Companhia de Melhoramentos do Oeste da Bahia, 39 pessoas que recolhiam raízes para a produção de soja ganhavam no máximo R$ 60 por mês de trabalho.

Segue trecho da reportagem sobre o cotidiano dos trabalhadores flagrados pelos fiscais do Ministério do Trabalho, extinto pelo governo Bolsonaro:

– Eles estavam em condições degradantes, alojados em barracos improvisados construídos com folhas de zinco e lona plástica. Sem piso, instalação hidráulica, sanitária, luz elétrica e água encanada. Alguns catadores dormiam sobre sacos plásticos ou papelão, estendidos no chão, já que a empresa não fornecia colchões. Segundo a fiscalização, os barracos não eram “dignos de abrigar animais”.

Em 2003, por desmatar 43 mil hectares em Formosa do Rio Preto sem amparo de documentação técnica, a Estrondo recebeu uma multa de R$ 55 milhões do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Retornáveis (Ibama). A família Levinsohn nunca pagou.

SOCIALITE PARTICIPOU DA ‘FESTA DAS ESCRAVAS’

Na sexta-feira, dia 8, a socialite e diretora de estilo da revista Vogue, Donata Meirelles, completou 50 anos e comemorou no Palácio da Aclamação, em Salvador, Bahia. A aniversariante foi acusada de racismo após utilizar modelos negras vestidas como escravas. Durante o evento, pessoas podiam tirar fotos em um espaldar redondo, similar ao mobiliário usado em fazendas de coronéis, cercado pelas “escravas”. Entre as convidadas, lá estava ela, Priscilla Levinsohn. A festa foi documentada em seu perfil no Instagram.

O Condomínio Estrondo informou que não irá se manifestar sobre o caso. Por telefone, um funcionário explicou: “Todas as informações estão no Boletim de Ocorrência. Não falaremos mais do caso”. O empreendimento também informou que não se manifestaria sobre Cláudia e Priscilla Levinsohn.

https://youtu.be/VTSPwuJlqL0

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