Horta Inteligente: Conscientização Socioambiental na Providência #RedeFavelaSustentável

por Juliana Torres, em RioOnWatch

Horta Inteligente é um projeto de educação ambiental no pé do Morro da Providência, na Região Portuária do Rio de Janeiro, que atua através de hortas pedagógicas, cursos e mutirões. O projeto partiu da iniciativa da moradora Elisângela Almeida Oliveira, que sentiu a necessidade de propagar princípios ecológicos através de ações com crianças da comunidade. Elisângela se uniu à engenheira ambiental Lorena Portela e hoje estas duas estão à frente do projeto Horta Inteligente.

Nos primeiros dois anos de projeto, mais de 400 crianças participaram das atividades de reciclagem, plantio, culinária e arte, realizados na Creche Municipal Tia Dora, e em oficinas durante feiras ou no pequeno jardim da Centenária Igreja Metodista na Gamboa—onde se localiza atualmente, em um espaço cedido, a sede do Horta Inteligente.

O Surgimento da Iniciativa e da Parceria

Elisângela, de 22 anos, nascida em Vitória da Conquista, na Bahia, mudou-se para o Morro da Providência em 2010, onde sentiu a necessidade de fundar um projeto social, o que a levou à ideia do projeto Horta Inteligente. Lorena, de 26 anos, nascida em Niterói, se uniu a Elisângela, e junto a uma equipe de voluntários elas facilitam ações para a melhoria da qualidade de vida da comunidade, conjuntamente a moradores da comunidade.

Elisângela conta que quando veio para o Rio sentiu uma grande diferença em relação a sua vida no interior. “Na minha cidade, eu nunca tinha visto uma pessoa portando arma, violência e conflito policial. Fui de uma realidade de infância para uma outra”, revela. Ela também conta que teve que fazer terapia para se adaptar a sua nova realidade no Centro do Rio. A partir deste processo interno ela chegou a conclusão de que “faz diferença ter um projeto social na comunidade”.

Uma cena que Elisângela viu na Providência, motivou-a a iniciar um projeto com as crianças do local. “O que abriu meus olhos para a realidade foi quando vi umas crianças brincando com os porcos [que estavam no lixo]… Vi que havia uma oportunidade. De início, não era bem um projeto de horta. Era mais para tratar a questão do lixo na comunidade, pois via crianças brincando no lixo… aquilo me motivou e fui atrás de recursos para abrir o projeto”.

Na ocasião, Elisângela participava da Agência de Redes para a Juventude. “Lá eles atuam com jovens de comunidades que tenham ou não projetos, e ajudam na parte de mentoria. No final, você participa de uma banca avaliadora e, se você passar, você vai para uma incubadora que desenvolve o projeto e te liga aos parceiros. Depois, você passa por uma outra banca para levar o selo e, (se for selecionado) levar o dinheiro, e esse dinheiro ajudou o projeto em todo o processo”, relata Elisângela. “Foi durante esse processo que surgiu o projeto Horta Inteligente.”

Elisângela então captou este dinheiro, mas não foi o suficiente para fazer o projeto que imaginou—que era um projeto de coleta seletiva na comunidade. “Se investisse nisso, esse dinheiro acabaria logo. Usamos o recurso para pegar uma parte do lixo e trabalhar [com reaproveitamento] com crianças”. Elisângela afirma que é mais fácil conscientizar as crianças pois “os adultos são mais cabeça dura, e as crianças são esponjinhas para aprender. Trabalhamos educando nas escolas, e levando a metodologia de coleta seletiva”, ela reflete.

Lorena, por sua parte, narra a sua fluida inserção no projeto: “Foi muito natural, eu já trabalhava com educação na faculdade, mas com jovens, dando oficinas. Eu trabalhei um ano com escolas públicas no ensino médio e fundamental, na parte de permacultura e agroecologia. Eu entrei no projeto para auxiliar na manutenção das hortas no espaço sede, e um dia decidi passar para ajudar na creche [Tia Dora]. Trabalhar com criança traz muito aprendizado, você desenvolve várias virtudes, a cada experiência a gente cresce. Eu e a Elis não combinamos em determinado momento que iríamos cuidar do projeto, isso foi acontecendo”.

O projeto Horta Inteligente teve seu início na Creche Tia Dora, com atividades semanais de arte, reutilização e plantio, com crianças de 3 a 5 anos.

As Atividades do Horta Inteligente

Atualmente, as atividades quinzenais na Providência são realizadas com crianças de 7 a 12 anos no espaço Epicentral e as atividades na creche Tia Dora estão paralisadas por falta de recursos, com previsão de retomada este ano. A dupla também é chamada para dar palestras e oficinas sobre compostagem, hortas urbanas, saneamento ecológico, gestão de resíduos e também para contar a experiência da uma educação ambiental com uma visão libertadora, e não regulatória.

O público do projeto Horta Inteligente é sobretudo as crianças, mas as oficinas e palestras são para o público geral. Como descreve Lorena: “adultos, idosos, jovens que estão interessados em aprender sobre plantio, técnicas ecológicas e de baixo custo, e querendo se engajar de alguma forma”.

Elisângela afirmaque o projeto tem sido bem recebido pela comunidade. Ela conta: “A gente escuta dos pais que estamos fazendo uma mudança na vida das crianças, que elas querem ter plantinhas… ter animais, ter a própria fazenda… Toda vez que elas [as crianças] me vêem na horta, querem me ajudar a molhar as plantas”.

A Relação Com a Comunidade

Lorena afirma que por vir de uma realidade diferente é muito importante para ela estar em contato e dialogando com muitos mundos. Ela reflete: “A indiferença existe por não estarmos em contato com outras formas de viver, estamos muito presos aos nossos mundinhos. Para mim, vir para cá [Morro da Providência] e estar com a Elisângela que é uma guerreira, me lembra que existem muitas realidades e que crescemos quando nos abrimos a todas elas”.

Elisângela conta que no coletivo Entre o Céu e a Favela, que reúne coletivos da Providência, elas conversam sobre os acontecimentos na comunidade e sobre o que podem fazer para melhorar o local. “O morador da seu ponto de vista. Isso é resiliência, existência. Continuamos fazendo projetos mesmo com a violência [na comunidade]… se for contabilizar, são muitas pessoas que estão engajadas.”

Elisângela e Lorena também comentam sobre os desafios que a comunidade enfrenta em relação ao lixo. Como o serviço público não chega às casas dos moradores, o descarte do lixo é difícil. Elisângela relata que alguns moradores “jogam o lixo no local certo para recolher, mas jogam lixo também pelo outro lado do muro. Eles sabem que é errado porque recebem multa, mas infelizmente ainda falta conscientização”. Lorena complementa: “Saneamento básico é um direito, e deveria funcionar. Como o serviço é deficiente, cabe ao morador levar o lixo até um local específico, mas isso só é feito quando se compreende que o lixo perto da casa atrai ratos e que isso pode estar relacionado a algum problema de saúde. A prática muda quando faz sentido para transformar a vida”.

De acordo com Lorena, “a educação ambiental é algo bem delicado, porque sempre há o risco de impor e regular a vida do outro, ou transferir aos indivíduos as responsabilidades e serviços que deveriam ser garantidos pelo governo”. Ela argumenta: “Quais são as práticas no meu ambiente que contribuem para a minha felicidade e a das pessoas a minha volta? São as em comum. Mas o olhar de que somos parceiros e temos que cuidar juntos do espaço é a longo prazo, para todos nós que recebemos uma educação individualista e competitiva. Por isso é preciso outras propostas de trocas de saberes. Não tem outro jeito, por isso a gente trabalha com crianças. O trabalho é de formiguinha, e leva tempo. Mas estamos aqui”.

As Realizações Como Gestoras

Lorena afirma que ter encontrado Elisângela foi algo fundamental. “É muito bom estar trabalhando com alguém que você vê que quer fazer tudo possível, que tem muita força pra fazer as coisas acontecerem. É muito gratificante, sinto que estamos fazendo algo importante.” Lorena relata uma lembrança que a marcou: “Uma pessoa da comunidade virou pra mim e disse: ‘Tudo isso a gente fazia lá na Bahia. Fazer compostagem, nunca imaginei que teria gente vindo pra cá aprender a fazer isso’. Acho que esse é o ponto, conseguir valorizar os saberes antigos, que já estão no nosso povo há séculos, milênios, e ver como potencial”.

Elisângela conta que no início sua mãe questionava o projeto Horta Inteligente. “Nenhuma mãe acredita em você de início. Ela falava: ‘Você vai ser só mais uma’. Mas ela hoje em dia me manda dicas para as atividades com as crianças na horta. Eu vejo que as pessoas estão sendo impactadas. Elisângela também narra que “encontrar crianças na rua e elas falarem o quanto elas gostam do projetome chamam de ‘tia da horta’é um estímulo muito bom”.

Os Desafios

Para Elisângela o maior desafio é o confronto policial na comunidade, pois isso impede a realização de muitas atividades. Já Lorena pensa que é a dificuldade financeira. “A gente poderia fazer muito mais com um pouco mais de dinheiro. Já daria para ter retomado as atividades na creche. Não é por falta de dinheiro que a gente vai deixar de fazer, mas dificulta um pouco o processo. Acho que o maior desafio é atingir a sustentabilidade financeira do projeto. E esse é um fator que a gente pode ter controle, diferente da violência do Estado, que é estrutural”, disse Lorena.

Elisângela explica: “A gente já recebeu um financiamento através da Agência Redes para a Juventude e de outros pequenos editais (como Fazedores do Bem em 2016 e 2017, e Casa Cidades em 2018). Também já viabilizamos um ano de projeto via campanha de financiamento coletivo, em 2018. Estamos sempre buscando editais”. Porém ela esclarece: “Além disso, sempre contamos com o apoio dos voluntários, que é a base de toda nossa ação, pois não é só com dinheiro [que contamos], sempre recebemos voluntários para as atividades”.

Lorena e Elisângela têm em mente o que é preciso para viabilizar o projeto. Lorena define: “Buscar apoio local: lojas de material de construção, loja de material de papelaria para as aulas, o lanche das crianças. A gente está fazendo um mapeamento nesse momento, são coisas muito básicas, que para as empresas não é nada, e a contrapartida é muito boa para eles. Assim já viabilizamos uma atividade. Precisa-se de muito pouco para uma atividade social acontecer, um dia de trabalho com as crianças faz a maior diferença e não precisa de muito gasto. Nosso desafio é tornar este projeto um trabalho permanente—que possamos receber para realizá-lo, para não abandonarmos”.

Impacto Positivo e o Futuro do Horta Inteligente

Lorena esclarece o pensamento de fundo e o impacto que o projeto Horta Inteligente possui: “Às vezes parece que o nosso trabalhopor ser com crianças e sobre plantioé só uma coisa ‘bonitinha’ para preservar a natureza, mas o ponto central não é esse. É trabalhar a preservação ambiental, é retomar uma coisa básica que é reaprender a plantar a nossa comida. Não estamos trabalhando só com a natureza, estamos trabalhando o senso de coletividade. A gente faz acordos de convivência, têm regrinhas que elas mesmas [as crianças] criam. Estamos aprendendo a cada dia como desenvolver formas de educação mais amplas, para trabalhar a autonomia das crianças e a criatividade, com liberdade. Fizemos, por exemplo, uma oficina de instrumento musical com sucata. A gente tinha pesquisado como ia fazer, levamos os materiais e quando chegamos lá, elas começaram a montar tudo sozinhas, nem foi preciso falar”.

Seu sonho para o projeto é a implementação de uma agrofloresta no espaço em cima do túnel próximo a Providência, que será realizado em breve, ainda no primeiro semestre de 2019. Para além disso, Lorena e Elisângela acreditam que o projeto ainda irá crescer muito.

*Horta Inteligente é um dos mais de 100 projetos comunitários mapeados pela Comunidades Catalisadoras (ComCat)—a organização que publica o RioOnWatch—como parte do nosso programa paralelo ‘Rede Favela Sustentável‘ lançado em 2017 para reconhecer, apoiar, fortalecer e expandir as qualidades sustentáveis e movimentos comunitários inerentes às favelas do Rio de Janeiro. Siga a Rede Favela Sustentável no Facebook.

Iniciativa: Horta Inteligente
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Ano de Fundação: 2015
Comunidade: Morro da Providência
Missão: Co-construir outras possibilidades de habitar e se relacionar na cidade do Rio de Janeiro, através da agroecologia, da arte e da educação popular, criando espaços de cultivo de alimentos e outras práticas emancipatórias.
Eventos públicos: Mutirões mensais de plantio e manejo agroecológico, “Caminhada Inteligente” semestral, oficinas quinzenais de Educação Ambiental para crianças no Espaço de Permacultura da Central do Brasil (Epicentral) e no espaço sede.
Como Contribuir: Contratando os serviços de oficinas e palestras de educação ambiental, agricultura urbana e permacultura para crianças, jovens e adultos; e contratando os serviços de implementação de sistemas de horta e agrofloresta. São bem-vindas doações financeiras e de materiais de construção e jardinagem, ferramentas e materiais escolares.

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