Famílias ameaçadas de despejo por hidrelétrica se organizam no Tocantins

Acampamento Ilha Verde pede intervenção do Ministério Público contra decisão de juiz que autoriza despejo violento

Redação Brasil de Fato

As famílias atingidas por uma barragem hidrelétrica do Consórcio Estreito Energia – Usina Hidrelétrica Estreito (Ceste) que vivem há pelo menos sete anos nos acampamentos Ilha Verde, Dom Bosco e Barra do Grotão, em Babaçulândia e Filadélfia (TO), solicitaram nesta semana uma audiência pública ao Procurador de Justiça do Ministério Público Federal do Tocantins. Os atingidos se organizam para evitar serem despejados novamente das áreas que ocupam às margens do rio Tocantins.

Há dez anos, a construção da Usina Hidrelétrica Estreito, controlada pelo Ceste, propriedade das empresas Engie, Vale, Alcoa e InterCement, desalojou milhares de moradores tradicionais das margens dos rios. Alguns conseguiram ser realocados, apesar das dificuldades. 

No último dia 1º de fevereiro, no entanto, o juiz Luatom Bezerra de Adelino Lima da 1ª Escrivania Cível de Filadélfia, do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, proferiu uma decisão favorecendo o Ceste e autorizando a reintegração de posse – com permissão para a Polícia Militar (PM) destruir os barracos, as construções, as hortas e remover pessoas e seus pertences. 

O fato do juiz não ter escutado as testemunhas do acampamento e a violência com a qual o despejo pode ser realizado são algumas alegações que baseiam o pedido de audiência. 

O texto aponta também a falta de auxílio da assistência social, a destruição das benfeitorias, casas e hortas, as violações ao Manual de Diretrizes Nacionais para a Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva. Segundo os autores, o não atendimento a essas normas viola a Constituição Federal e as garantias de dignidade da pessoa humana das 35 famílias que ocupam hoje a área do acampamento Ilha Verde.

O documento enviado ao Ministério Público pede que saídas alternativas sejam encontradas para aqueles que não foram remediados pelo consórcio após a construção da hidrelétrica. Enquanto o Ceste afirma que a área ocupada, de sua propriedade, é de preservação permanente e não pode abrigar assentamentos, os acampados afirmam que produzem alimentos, que abastecem as cidades da região, sem prejudicar a vegetação nativa, construindo saídas sustentáveis e plantando nas vazantes do rio Tocantins.

“Já é a segunda vez que eles fazem assim. A primeira vez tirou nossa casa, não deu nada. E agora, de novo. A gente está tentando procurar nossos direitos, para eles reconhecerem a gente e deixar com um pedaço de terra para trabalhar e tirar nosso sustento, para poder colocar comida na mesa. E eles querem tirar a gente de lá sem nada, como se nós fôssemos animais ou criminosos”, disse Chirlene Santos, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e uma das acampadas, à reportagem do Brasil de Fato em 22 de fevereiro deste ano.

Leia abaixo a íntegra do documento enviado ao Procurador de Justiça do Ministério Público Federal do Tocantins.

“Em nome das famílias atingidas por barragens, (Acampamento Ilha Verde, Dom Bosco e Barra do Grotão), residentes no acampamento Ilha Verde, Zona rural da cidade de Babaçulândia-TO, CEP: 77870-000 e residente no Acampamento Dom Bosco, Zona Rural da cidade de Filadélfia- TO CEP, 77795-000,  e como também o Movimento dos Atingidos por Barragens, viemos oferecer representação contra a empresa CESTE- (Consórcio Estreito Energia ), como também o Juiz da Comarca de Filadélfia e o oficial de Justiça.

O Consórcio Estreito Energia – CESTE, formado pelas empresas Engie, Vale, Alcoa e InterCement é responsável pela operação da Usina Hidrelétrica do Estreito (UHE), que está localizado no rio Tocantins em divisa com os estados Maranhão e Tocantins. Possui a capacidade nominal instalada de 1.087 MW o suficiente para abastecer uma cidade com 4 milhões de habitantes. A mesma empresa que possui como filosofia uma “ energia limpa e sustentável” impactou 12 municípios; 2 municípios do estado do Maranhão e 10 municípios no estado do Tocantins. Destacando os dois municípios de Babaçulândia- TO e Filadélfia- TO que de acordo com Analise do Relatório de Impacto Ambiental, o número de populações atingidas é de 1.019 (Fonte, EIA/RIMA, 2001) além de impactos ambientais tem os sociais e culturais.

O CESTE no ano de 2010 com a instalação da Usina Hidrelétrica de Estreito, foi responsável pela desapropriação de 75 famílias da Ilha de São José, localizada em Babaçulândia-TO, essas famílias foram indenizadas, assim surgindo 4 reassentamentos: Bela Vista, Baixão, Santo Estevo e Mirindiba. Os reassentamentos apresentam vários problemas, entre eles a falta de transporte, a falta de água e como também as terras são resultados de grandes propriedades que foram vendidas ao CESTE, estas são degradas devido antes serem usadas para o pasto de gado, resultando terras inférteis para o plantio dos pequenos agricultores que não possui muitos recursos para o investimentos de equipamentos e correção do solo. A situação é mais agravante, pois a empresa, não indenizou todos os atingidos, pois de acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens, atingidos são todos aqueles que é considerado os efeitos a jusante da barragem, que se fazem sentir normalmente apenas após o enchimento do reservatório. A restrição ou perda do potencial pesqueiro, mudanças do regime hídrico, efeitos sobre a navegação e comunicação, perda ou redução dos recursos para agricultura de vazante ou outras formas de exploração das várzeas (garimpo, extração de materiais, etc.), assim como todas as interferências a jusante deverão ser consideradas para efeito da identificação dos impactos.

No município de Babaçulândia, as famílias atingidas pela Usina Hidrelétrica do Estreito-TO, somente uma parte foram indenizadas, outra não, entre elas barraqueiros, vazanteiros, extrativistas e pescadores somando um número de mais de 200 pessoas que possuem processo movido contra o CESTE desde 2010 e não foram indenizadas, e até os dias de hoje não obtiveram respostas. As 35 famílias ribeirinhas que não foram indenizadas, se denominam como Acampamento Ilha Verde, ocupam uma área no qual o CESTE alega ser uma área de proteção ambiental, embora a empresa não apresentou nenhum documento da área que comprove isto. Deste modo o processo movido pelo CESTE, desde 18 de Maio de 2012, para a retirada das famílias do Território, mas é válido destacar, que este período comprova que há 7 anos as 35 famílias estão na terra, plantando seus alimentos para subsistência e vendendo os excedentes na feira.

É importante ressaltar, que a feira abastece a cidade de Babaçulândia e a mesma faz parte de um projeto de hortas mandalas, compondo sistema de irrigação e energia solar, para potencializar seus trabalhos na produção de hortaliças e entre outros. Deste modo, eles cumpre a função social da terra, de acordo com o Art. 186 A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Queremos solicitar ao CESTE, conforme a legislação vigente é aceitável que a área de proteção permanente do lago seja explorada por comunidades tradicionais e pela Agricultura familiar. Deste modo, queremos que o CESTE reavalie e que cumpra a legislação e admitido, para a pequena propriedade ou posse rural familiar, de que trata o inciso V do art. 3o desta Lei,(12.651/12) o plantio de culturas temporárias e sazonais de vazante de ciclo curto na faixa de terra que fica exposta no período de vazante dos rios ou lagos, desde que não implique supressão de novas áreas de vegetação nativa, seja conservada a qualidade da água e do solo e seja protegida a fauna silvestre. Neste sentido, necessitamos que os mesmos, repare os danos causados pela usina, que entre em acordo com as famílias ocupantes, que estejam abertos ao diálogo e sessem as ações.

O processo de negociação das áreas, vem se agravando devido no último dia 19 de Fevereiro deste respectivo ano, estava marcado uma audiência no qual o Juiz de Direito em substituição da Comarca de Filadélfia Exmo. Luatom Bezerra Adelino de Lima, iria escutar duas testemunhas. O juiz anula a audiência, com uma postura autoritária, sem nenhuma notificação prévia. Deste modo, o Juiz Luatom Bezerra Adelino de Lima, com uma postura imperiosa dá Decisão de reintegração de posse do Acampamento Ilha Verde, sem ao menos escutar as partes envolvidas. As famílias denunciam e repudia o posicionamento do Juiz e requerem uma audiência pública com a citação de todos os envolvidos para a mediação das partes, requerendo a suspensão do cumprimento da ordem de reintegração de posse até que fosse realizado o levantamento do feito, podem causar graves transtornos com o despejo das famílias que utilizam a terra para a própria produção e subsistência.

É importante salientar o enorme currículo do juiz, por muitos mandados de reintegração de posse, sem ouvir as partes. O mesmo caso se repete no Município de Filadélfia com as 35 famílias do Acampamento Dom Bosco, espedida a ordem de reintegração de posse, sem escutar as partes, os mesmos solicitam uma audiência pública para apresentar os documentos e argumentos para a permanência na terra. Para finalizar, é importante lembrar do episódio que ocorreu no dia 05 de Dezembro de 2018, onde 32 famílias foram despejada no Acampamento Barra do Grotão, também estava localizado no Município de Filadélfia- TO, descumprindo a legislação vigente. Algumas determinações previstas no Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva, deveriam ser obedecidas durante a execução da ordem judicial, pelo então Oficial de Justiça da Comarca de Filadélfia-TO, Sr. José Nunes de Sousa. Na qual não é assegurado a garantia e respeito às normas constitucionais, essencialmente àquelas decorrentes dos artigos 1º, 3º e 4º da Constituição Federal, que contemplam como fundamentos da República Federativa do Brasil: a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, a prevalência dos direitos humanos e a promoção do bem, de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. No entanto, com a execução da decisão, os seguintes termos foram descumpridos, tais como:

Ausência dos representantes do INCRA, bem como das demais entidades envolvidas com a questão agrária/fundiária; Ações de destruição e remoção de benfeitorias exercidos por funcionários do CESTE, como desmontagem de acampamento e plantações dos agricultores erigidas no local da desocupação; Ausência de planejamento prévio à execução da medida por parte da corporação responsável pelo cumprimento dos mandados judiciais de reintegração de posse, inspecionando o local e colhendo subsídios sobre a quantidade de pessoas que foram atingidas pela medida, como a presença de crianças, adolescentes, mulheres grávidas, idosos e enfermos; Inexistência de equipe de assistência social, serviços médicos, e transporte adequado, com a finalidade de amparar as famílias vítimas da reintegração.

Deste modo, e de todas as formas de violência em são empregadas no cumprimento dos mandados de manutenção a reintegração envolvendo ações coletivas pela posse de terra rural, em razão da falta de obediência dos cuidados mínimos no que se refere aos Direitos Humanos e Sociais das partes envolvidas, e do Manual de Diretrizes Nacionais para a Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva, requeremos esclarecimentos e reparação dos danos causados ás famílias.

Diante do exposto, considerando que os fatos acima narrados caracterizam, em tese, ofensa aos direitos da pessoa com deficiência, requer-se ao Ministério Público que sejam tomadas as providências cabíveis.

Araguaína- TO , Fevereiro de 2019.”

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira

Imagem: Atingidos por barragem produzem alimentos em acampamento no Tocantins / Divulgação

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