“No campo a gente tem liberdade e adquire saúde”: luta pela terra no sul de MG. Por Gilvander Moreira[1]

Ao lado do Assentamento Primeiro do Sul, do MST[2], em Campo do Meio, no sul de Minas Gerais, e na fronteira com a maior fazenda de monocultura do café da América Latina está o megalatifúndio da ex-usina Ariadnópolis, que foi ocupado pelo MST pela primeira vez em 1998, um ano após a conquista do Assentamento Primeiro do Sul. Na luta pela terra, os Sem Terra do MST e o Movimento como tal sofrem diversas pressões. “Sofremos pressão do Estado, por meio da prefeitura, do INCRA, do sistema de saúde, das forças policiais e do poder judiciário. Sofremos pressão do latifúndio do entorno que vem buscar nossos jovens e famílias para trabalharem para eles como boias-frias. A gente sofre com a pressão da cidade, pois a cultura urbana vem para os acampamentos e assentamentos não só para se instalarem, mas para arrancar o povo que está na luta pela terra e levar para cidade. Um exemplo disso é o transporte escolar que tira as crianças do Assentamento e dos Acampamentos e leva lá para cidade”, diz Sílvio Neto, da coordenação nacional do MST.

Todos os instrumentos do Estado, o latifúndio e os latifundiários, a cidade e todas as suas seduções são obstáculos à luta pela terra, pois integram a engrenagem que reproduz a estrutura latifundiária e fazem na prática uma contrarreforma agrária. Entretanto, em 25 de setembro de 2015, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, assinou decreto desapropriando três fazendas para centenas de Sem Terra do MST acampados há mais de dez anos: a fazenda Nova Alegria, em Felisburgo; a fazenda Gravatá, em Novo Cruzeiro, e o megalatifúndio da Ariadnópolis, em Campo do Meio. Mas a área da CAPIA, que é a sede da ex-usina Ariadnópolis e o parque industrial – 26 hectares -, ficou fora do decreto de desapropriação. Um Mandado de Segurança movido pela CAPIA, que gerencia a massa falida, suspendeu o decreto de desapropriação, o que acirrou mais ainda os ânimos no maior conflito agrário de Minas Gerais e um dos maiores do Brasil. Um dos coordenadores estaduais do MST alertou para isso na reunião com o governo de Minas e com dois comandantes da polícia militar. “O barraco da Maria Baiana foi queimado. Quando nós chegamos aqui na sede da ex-Usina Ariadnópolis, as casas aqui tinham se transformadas em curral de gado. Diante das ameaças, ocupamos também a sede da Ariadnópolis. A reforma agrária não é só terra, mas é também cooperativa, escola, crédito, área de lazer. Por isso precisamos também da estrutura aqui da sede”, bradou Sílvio Neto, em reunião com o Governo de Minas, dia 1º/03/2016.

Na luta pela terra no megalatifúndio da Ariadnópolis, o MST abraçou há vários anos a luta pela instalação de uma Escola do Campo no território. “Se a corda está esticada, não foi esticada por nós. Nós nunca fomos intransigentes. Já sofremos 06 reintegrações de posse aqui. Esperamos a desapropriação aqui há 18 anos. Até quando vamos ter que esperar?”, perguntou outro Sem Terra, em reunião tensa dia 1º /03/2016.

Ocupando as terras do latifúndio há Sem Terra oriundos de muitas regiões, famílias que estão há 21 anos acampadas, outras com menos tempo; há também trabalhadores que trabalhavam ali e que, lesados nos seus direitos trabalhistas após a falência da usina, resolveram se engajar na luta pela terra; e há também trabalhadoras camponesas e trabalhadores camponeses que nasceram naquelas terras e resistem como posseiros na luta pela terra.

O MST coordena a luta histórica e complexa para conquistar de uma vez por todas a integralidade do megalatifúndio da Ariadnópolis. Além da resistência no território ocupado, os assentados e acampados do MST de Campo do Meio têm travado muitas lutas fora das terras da Ariadnópolis. Apenas em 2015, por exemplo, o MST de Campo do Meio levou um caminhão de alimentos e doou para as nove mil famílias das Ocupações Urbanas da Izidora, em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG, quando estavam sob seríssima ameaça de despejo; manifestou na portaria da Petrobras, em Betim, MG, em apoio à greve dos funcionários da Petrobras; marchou e bloqueou o trânsito na MG 010, diante da Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, reforçando a luta das professoras e dos professores da rede estadual de educação; bloqueou um dos pedágios da BR 381 (Fernão Dias), exigindo Luz para Todos nos Assentamentos Primeiro do Sul, Nova Conquista II e Santo Dias; e ocupou prédios públicos, como a sede do INCRA em Belo Horizonte.

Oitocentos hectares de terra ficaram fora do decreto do governador Pimentel, de 25 de setembro de 2015. Mas em reunião dia 1º de março de 2015, representantes do Governo de Minas asseguraram que o governador de Minas assinaria outro decreto para destinar 100% das terras da Ariadnópolis para as mais de 500 famílias acampadas há 19 anos. “É preciso ter muito amor e muita paixão para poder estar na luta pela terra carregando a bandeira do MST e sob essa bandeira viver. Nós podemos ter várias cores, várias religiões, várias orientações sexuais, várias idades e ter vindo de diversos estados do Brasil, mas o que nos unifica e nos dá unidade como povo camponês na luta pela terra é a bandeira do MST”, afirmou Sílvio Neto, ao finalizar Assembleia Geral no Acampamento Quilombo Grande, na Ariadnópolis, dia 1º/3/2016.

O Acampamento Vitória da Conquista é o mais antigo nas terras da Ariadnópolis, com 21 anos. Nele, 32 famílias estão acampadas, já em casas construídas de tijolo ou de adobe, produzindo café, maracujá, mandioca, banana, feijão e hortaliças. “Como aconteceram muitos despejos aqui no Girassol, a gente organizou o acampamento Vitória da Conquista”, diz Maria De Fátima Silva Meira, Sem Terra do Acampamento Vitória da Conquista. Dezenas de famílias de posseiros estão resistindo nas terras da Ariadnópolis. Muitos já moravam e trabalhavam na Usina. Outros trabalhadores com dívidas trabalhistas acamparam na Ariadnópolis após a falência da usina. Os Sem Terra ali acampados têm uma grande diversidade cultural e de origem. Há trabalhadores camponeses oriundos dos estados de São Paulo, Paraná, Bahia, Pernambuco e de outros estados, além de Minas Gerais, obviamente.

O sr. João Batista Pura, 63 anos, que trabalhou na usina por mais de 30 anos, afirma: “Trabalhei aqui na usina Ariadnópolis mais de 30 anos, cortando cana, capinando café e batendo veneno. Meu pai era fiscal na usina. Tenho irmãos que trabalharam na usina. Aqui se produzia açúcar e álcool. Nas partes altas se plantava cafezal e nas baixadas era tudo cana-de-açúcar. Clóvis Azevedo era o dono da usina. Um tanque de álcool pegou fogo aqui e causou um incêndio medonho. Eu trabalhava sem ter carteira registrada desde os 14 anos. Quando os Sem Terra vieram pra cá (em 1998), eu tinha direito a R$135.000,00 (cento e trinta e cinco mil reais) de indenização trabalhista a receber, mas perdi a esperança de receber isso. Hoje, deveriam me pagar acima de quinhentos mil reais.”

Camponeses assolados pela seca e pela cerca, expropriados pela cerca do latifúndio na região Nordeste, também vieram engrossar a luta pela terra no sul de Minas, na Ariadnópolis. José Nery Da Silva, Sem Terra pernambucano do Acampamento Betinho (Herbert de Souza), nas terras da ex-usina Ariadnópolis recorda:

Há 13 anos abracei a luta pela terra para a gente ter uma convivência melhor, porque onde a gente morava (estado de Pernambuco) a vida era muito difícil. Aqui nas terras da Ariadnópolis, a gente tem o que comer, tem uma roupinha melhor. Podemos calçar um sapato. Sapato eu nem conhecia antes de chegar aqui. A gente planta milho, feijão, café e verduras. A gente vive da roça. Nossa vida aqui melhorou 100%. Pulamos da lamparina para a vela que dá menos fumaça. Nóis quer a terra pra nóis trabalhar. Quem receber a terra e vender após mais de 13 anos de luta não tem jeito, pode matar. Na cidade não tem jeito. O jeito é na roça mesmo. Se eu soubesse que a luta pela terra fosse tão boa, eu teria vindo muito antes. Lá no sertão brabo é muito difícil a sobrevivência. Aqui a gente planta, colhe, guarda para comer e vende o bocado que sobra. Trabalhar para o fazendeiro ou na cidade, a gente tem que cumprir horário, o que causa muita pressão e preocupação. Mesmo doente tem que trabalhar, porque tem meta. Patrão não quer nem saber se você está doente ou não. No campo, a gente tem liberdade e trabalha para a gente mesmo, trabalha tranquilo e feliz. Depois que a gente vem pra roça adquire saúde. Na roça tudo é do jeito que a gente quer.”

Notas:

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.

[2] Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Imagem: Camponesas Sem Terra do MST em Assentamento da ex-usina Ariadnópolis, no município de Campo do Meio no sul de Minas Gerais, cultivando horta comunitária e horta de plantas medicinais. Foto: frei Gilvander.

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