Bolsonaro é político marginal e não reconhece dor da ditadura, diz vítima de tortura

Para Ivan Seixas, presidente “não tem proposta, só tem palavras de ordem vazias, de ódio e intolerância”

Redação Brasil de Fato

Às vésperas do aniversário de 55 anos do golpe de Estado que deu início à ditadura civil militar (1964-1985), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) informou que as Forças Armadas devem fazer as “comemorações devidas”. Imediatamente, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) se posicionaram contra a declaração do chefe de Estado, eleito em outubro de 2018.  

Para entender a gravidade e as possíveis consequências da postura de Bolsonaro, a Rádio Brasil de Fato conversou com Ivan Seixas, militante político capturado aos 16 anos durante a ditadura. Ele assistiu à morte do pai após dois dias de tortura e ficou seis anos preso sem sequer ter sido condenado ou processado. Confira os melhores momentos da entrevista: 

Brasil de Fato: Como você analisa as manifestações do Bolsonaro sobre o golpe militar? 

Ivan Seixas: Era esperado, porque ele é uma pessoa que não tem proposta, não tem discurso: só tem palavras de ordem vazias, de ódio e intolerância. [Bolsonaro é] Uma figura marginal à política. Ele sempre viveu à margem, fazendo provocações.

Enquanto deputado, ele colocou um cartaz lá dizendo “quem procura osso é cachorro”, se referindo às famílias que buscam parentes desaparecidos. Ou seja, nem sensibilidade para fazer as declarações ele tem.

Você está falando de pessoas, de famílias de quem foi torturado, morto, e cujo corpo está desaparecido. Então, nem reconhecer a dor do outro essa figura reconhece. Não é a toa que você vê essas acusações de ligação dele com a milícia.

A milícia mata. Milícia é grupo de extermínio do Rio de Janeiro. E ele é um marginal que absolutamente não tem nada a propor a não ser esse “marketing de ódio”. Veja jeito que ele fala sobre a ditadura. Ele fala contra os gays, contra negros, quilombolas. Então, é uma figura menor, e a gente teve o golpe de azar de eleger uma figura execrável como essa para a Presidência. 

Existe uma camada da população jovem que não teve contato com a ditadura, e por isso está sendo influenciada por um revisionismo histórico, ou seja, novas visões e novas narrativas sobre a ditadura – a maneira como Bolsonaro conta a história do golpe, por exemplo. Como esse revisionismo nos afeta?

Ao falar em ditadura, as pessoas sempre lembram as torturas e mortes de militantes, mas a ditadura foi terrível, danosa e monstruosa contra a população de modo geral.

Em São Paulo, entre os anos 73 e 74, nos invernos, teve epidemia de meningite, e a censura não permitiu que a população soubesse. Resultado: morreram 3 mil pessoas em um ano por ignorância. Ou seja, a censura não foi só contra militante, foi contra toda a população. E não era contra um segmento: era todo mundo. Ricos e pobres, brancos e egros, héteros e homossexuais que morreram sem saber por que estavam morrendo. 

E tinha corrupção adoidado. O mais emblemático foi o escândalo do caso Capemi [Caixa de Pecúlio dos Militares]. Houve uma roubalheira muito grande, e as pessoas simplesmente não podiam saber, por conta da censura.

Emburreceram o país, fizeram o Brasil entrar em uma ignorância monumental, com medo do comunismo. E qualquer coisa que fosse minimamente inteligente era considerada manifestação comunista.

A intolerância era imbecil, e o Bolsonaro reproduz isso. Então, não é uma questão de ser esquerda contra direita, comunista contra capitalista: é questão de ter inteligência e ir contra a barbárie. Porque eles eram a barbárie.

O que o Bolsonaro está propondo é a barbárie da intolerância, da ignorância, do assassinato. É só você ver no começo desse ano a quantidade de feminicídios que aconteceram por causa desse clima de incitação à violência e à intolerância. Aumentou tremendamente.

Na ditadura, as pessoas viviam sob estado de policiamento e controle o tempo inteiro, dentro das universidades, dentro das escolas. Você imagina o que é ter uma lei [Decreto-lei 477] que proibia os jovens de ter qualquer tipo de militância. Não precisava ser política, era qualquer tipo. E a pessoa era proibida de estudar em qualquer escola. Os professores dessas pessoas que eram expulsas eram proibidos de lecionar em qualquer outra escola.

Então, a ditadura é uma brutalidade que as pessoas precisam conhecer. A gente não teve um trabalho de revelação dos casos de violência, que é o que leva a essa ignorância, e por isso permite que haja esse estado de repetição.

Edição: Daniel Giovanaz.

Imagem: “Não se pode esquecer as atrocidades da ditadura”, afirma Seixas / Geraldo Magela/Agência Senado

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