Descontinuidade em políticas públicas é tema em debate pelo Fórum por Direitos e Contra a Violência no Campo

Diálogo colocou em foco os impactos dessas medidas e necessidade de participação social para fortalecer o regime democrático e o controle da gestão pública

PFDC

Representantes de movimentos e organizações da sociedade civil, do legislativo e do Ministério Público Federal estiveram reunidos nessa quinta-feira (5), na sede da Procuradoria Geral da República, em mais uma reunião do Fórum por Direitos e Contra a Violência no Campo. O coletivo – que conta com a participação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – busca facilitar a troca de informações sobre o tema e a incidência junto ao poder público.

No diálogo de ontem esteve em foco a descontinuidade de políticas públicas relacionadas à garantia de direitos no campo e seu consequente impacto para trabalhadores rurais sem terra, pescadores, quilombolas, indígenas e outras comunidades tradicionais.

Medidas relacionadas a políticas de austeridade, retrocessos nas ações de enfrentamento ao trabalho escravo e o incremento de ações que resultam na criminalização de movimentos sociais foram elencadas entre os desafios.

Em fevereiro, por exemplo, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) instruiu chefes de divisão e executores de unidades avançadas do Incra em todo o país a não atenderem entidades ou representantes “que não possuíssem personalidade jurídica”. O órgão também orientou as unidades a não prestarem atendimento ao que denominou como “invasores de terra”.

Diante das claras violações a preceitos legais e constitucionais, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão encaminhou ao Incra uma Recomendação para que a normativa fosse imediatamente revogada, sob pena das ações judiciais cabíveis e sem prejuízo de apuração da responsabilidade civil e criminal de agentes públicos.

Durante a reunião, o coletivo também destacou a participação social como um imperativo constitucional e que deve estar presente em todos os espaços que orientam políticas públicas, além de fortalecer o regime democrático e o controle da gestão pública. Nesse sentido, ressaltou a importância de mecanismos para fortalecer a incidência junto ao poder público – inclusive em relação ao Legislativo, por meio de audiências públicas para colocar em discussão as medidas que tramitam no Congresso Nacional e que acarretam a retirada de direitos sociais.

Como parte dessa estratégia, o colegiado deliberou pelo encaminhamento ao Senado Federal de pedido para a realização de audiências para debater o Projeto de Lei nº 1864/2019. Mais conhecido como “Pacote Anticrime”, o PL altera 14 leis já em vigor no país e tem recebido críticas por relativar suposta permissão do Estado para matar.

“É uma proposição que traz enorme preocupação, especialmente ao considerarmos o número crescente de assassinatos no campo”, destacaram os participantes. Dados do último relatório da Comissão Pastoral da Terra apontam que, em 2017, pelo menos 71 pessoas foram assassinadas em decorrência de conflitos por terra – o índice é o maior já registrado desde 2003.

Necropolítica

A extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) – realizada pelo Governo Federal por meio da Medida Provisória nº 870, publicada em janeiro deste ano – também foi apontada como grave retrocesso. A medida desorganiza, por completo, o sistema instituído pela Lei nº 11.346/2006, que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), impactando no alcance do princípio constitucional que assegura o direito à alimentação adequada e relaciona essa garantia como mecanismo para a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como à redução das desigualdades sociais.

“É mais um elemento do que vem se mostrando como a necropolítica como forma de organização da vida coletiva – tal como se verifica com o decreto que ampliou as hipóteses de registro, posse e comercialização de armas de fogo no Brasil”, apontou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão.

Além de representantes do Ministério Público Federal, o diálogo reuniu integrantes da Associação Brasileira de Reforma Agrária, Conselho Indigenista Missionário, Confederação Nacional Trabalhadores na Agricultura, Comissão Pastoral de Pescadores, Comissão Pastoral da Terra , Movimento dos Atingidos por Barragens, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias. Também participaram a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e representantes de partidos como o PT e o Psol.

Saiba mais 

Inspirado em experiência da década de 1990, o Fórum por Direitos e Contra a Violência no Campo ressurgiu em 2016 como agente articulador dos diversos segmentos afetados pelo encolhimento dos espaços de diálogo e pela desarticulação de estruturas voltadas à questão do campo. A reativação do Fórum foi deliberada durante encontro promovido pela PFDC, a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal e mais de 50 representantes de organizações da sociedade civil e de movimentos de indígenas, camponeses, pescadores, quilombolas e outras comunidades tradicionais.

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