Primeira Conferencia Livre de Atingidos e Atingidas do país é realizada em Minas Gerais

No Mab

Primeira “Conferência Livre de Saúde das Atingidas e Atingidos” em todo o Brasil marca momento histórico na ultima sexta-feira, 12, em Brumadinho. Com a presença de 250 pessoas, atingidos por barragens de todo o estado de Minas Gerais e o tema “Água é vida: queremos viver com saúde”, o dia foi de debates e discussão da importância do direito à saúde, a manutenção do SUS e os problemas vividos pela população atingida por barragem.

A saúde muitas vezes é entendida apenas como a “falta da doença”, conceito que deve ser combatido, segundo José Geraldo Martins, do Movimento dos Atingidos pro Barragens-MAB. “A saúde é mais que a questão física, é também a mental. É ter tranquilidade, não ter medo, poder viver de acordo com o seu modo de vida. A morte de um rio, por exemplo, traz a falta da saúde para toda uma população”, reforça.

Informações apontam que a venda de medicamentos ansiolíticos aumentou em 70% no município de Brumadinho, e José Geraldo explica que para que a população atingida por barragens tenha o direito à saúde, não devem ser sanados apenas os problemas físicos mas também ter garantido o retorno do modo de vida da população, sua vida ribeirinha, e a tranquilidade de viver em segurança.

Cristiane Nogueira, do Conselho Regional de Psicologia concorda. Ela afirma que o momento que o país vive, com um “governo autoritário que não se preocupa com as pessoas”, é preciso que as pessoas estejam unidas. “Quando se fala em política de saúde, muitas vezes pensa na saúde do corpo e esquece da saúde emocional, da alma. Vemos que pessoas que passam ou passaram por muito sofrimento, como a população atingida, deixa marcas muitas vezes  e precisamos cuidar disso também”, afirma.

Bruno Abreu Gomes, médico e membro do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte, reforça o conceito amplo de saúde. Ele conta que estudos apontam que fatores como a renda, o estado civil, os anos de estudo, o local de moradia e outros determinam e influenciam o tempo de vida de uma pessoa. “A saúde passa pela garantia dos direitos humanos e sociais, como o acesso à terra, à moradia, renda e outros, é preciso Políticas Públicas para poder viver com dignidade”, conclui.

SUS – Direito de todos, inclusive atingidos por barragens

Bruno apresentou a história do direito à saúde no Brasil e reafirmou a importância da organização popular como garantia a esse direito. Ele conta que o país não tinha saúde garantida como direito, onde durante muito tempo só era atendido em hospital público aquele que apresentasse a carteira de trabalho assinada sendo o restante tratado como indigente.

“Graças aos movimentos sociais como o MAB, a gente derrotou a Ditadura Militar no Brasil e escreveu a Constituição de 1988. Com a realização de uma Conferência Nacional de Saúde, parecida com essa que fazemos hoje aqui, a saúde passou a ser tratada como gratuita, de direito de todos e dever do Estado. Aí nasce o SUS”, explica o médico.

O promotor federal Helder Magno da Silva esteve presente na Conferência e reforçou a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o país, mas também apresentou as deficiências do Sistema nos municípios e localidades atingidas por barragens. “Num momento como esse é muito importante a realização dessa Conferência. Nos territórios têm muita coisa não funcionando, temos que pensar na responsabilidade dos causadores dos danos aos atingidos. Há danos à saúde física, mas também à saúde mental, temos registro de como algumas cidades vítimas da mineração o índice de suicídio é maior. Tudo isso deve ser tratado pelo SUS”, denuncia.

O promotor se colocou a disposição para dialogar sobre o assunto e diz que é também papel do Ministério Público a defesa do SUS, mas que a participação da população atingida é fundamental. “O SUS é de todos, e precisa ser para todos. E isso somos nós cidadãos que fazemos, essa luta que precisamos fazer. O MP nem sempre consegue enxergar como vocês enxergam, porque são vocês quem sofrem e podem mostrar o que está errado e como deveria ser”, convoca.

Atingidos organizados constroem Politica de Saúde

“Desde que rompeu a barragem da Vale no Rio Doce a gente tem que brigar com a Fundação Renova, com Samarco, com a Secretaria Municipal de saúde todo dia pra conseguir uma consulta pro seu filho, uma exame pra sua mãe. Todos temos vários problemas de saúde, o meu é de respiração, por conta da poeira de lama dos caminhões que passam na cidade o dia todo”, desabafa Lurdinha, moradora de Barra Longa.

O microfone da Conferência foi aberto à população atingida por barragens de mineração e hidrelétricas de todo o estado de Minas Gerais, em mais de duas horas de desabafos. Petrolina, conhecida como Preta, mora no município de Almenara, atingido pela Barragem hidrelétrica de Irapé. Ela denuncia o surto de vômito e diarreia que a cidade vive desde o início do ano. Para a população da cidade, a causa é a péssima qualidade da água distribuída pela Copasa. “A análise da Copasa diz que a água não tem nada e está pronta para ser consumida. Mas sabemos que não, muitas vezes é água contaminada pelos agrotóxicos e outras coisas que colocam no lago”, relata.

Buscando chamar a atenção para a necessidade de uma Política de Saúde voltada para os atingidos por barragens, pela contaminação por rejeito de minério e agrotóxicos nos lagos de hidrelétricas, a Conferência é um passo importante para a aprovação de uma Política Estadual dos Atingidos por Barragens em Minas Gerais.

Já prevista na PEAB-Política Estadual dos Atingidos por Barragens, projeto de lei que tramita na ALMG há mais de dois anos, espera-se que a Política seja agora tratada com ainda mais seriedade pelas cadeiras da Assembleia. “Estamos participando de um momento histórico, construindo uma Política Pública de Saúde dos atingidos e atingidas. Só se organizando que a gente consegue lutar, a resposta é a organização do povo”, anima-se Aline Pacheco, psicóloga e membro da equipe de Assessoria Técnica em Barra Longa.

Encaminhamentos são levados às instancias estaduais e nacionais

Após as mesas realizadas pela manhã, a tarde foi de grupos de debates. Os atingidos e atingidas se organizaram por regiões e puderam expor seus problemas e apontar soluções. As propostas foram sistematizadas, lidas ao fim da Conferência e encaminhadas para o Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais. Foram também escolhidos dois delegados para participar da Conferencia Estadual de Saúde, Carine Guedes Ramos e Sandro Almeida Santos, e como suplente Alberico Fernandes Gomes.

Entre as sugestões, estão entre as principais: Realização de análises das águas usadas pelas comunidades atingidas por entidade independente, indicada e controlada pelos atingidos, com custeio das empresas; Fornecimento de água mineral de qualidade em quantidade suficiente para viver com dignidade; Empresas responsáveis pelas barragens devem investir no SUS;  Empresas devem financiar a implantação e fortalecimento das práticas integrativas de saúde; Reassentamento dos atingidos em locais onde haja água de qualidade para que as pessoas possam retomar seus modos de vida tradicionais; SUS realizar exames laboratoriais para detecção de contaminação por metais pesados das pessoas atingidas; Entre outros.

“A Conferência foi um sucesso absoluto, tanto pela participação massiva de atingidos e atingidas de todo o estado, quanto pela qualidade das discussões e propostas aprovadas. Diversos territórios já vinham discutindo os temas, o que enriqueceu os debates e incentivou a participação nas discussões”, anima-se José Geraldo. Ele acredita que, com a realização da Conferência, o Movimento dos Atingidos por Barragens-MAB estabelece um marco histórico na luta pelos direitos à saúde dos atingidos e atingidas.

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