PFDC contesta projeto de lei que pretende acabar com cotas raciais para acesso ao ensino superior

Nota Técnica encaminhada ao Congresso Nacional aponta importância das ações afirmativas para o acesso à educação e no enfrentamento ao racismo e às desigualdades sociais

PFDC

As ações afirmativas são importante instrumento de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial no Brasil, constituindo medidas positivas imprescindíveis para viabilizar o acesso mais igualitário à universidade pública, em caráter de verdadeiro mandamento constitucional. 

O posicionamento está em uma Nota Técnica encaminhada na última semana ao Congresso Nacional para subsidiar os parlamentares na análise de um projeto de lei que busca revogar a legislação brasileira que permite o acesso, via cotas raciais, a instituições públicas de ensino superior.

A Nota Técnica é assinada conjuntamente pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), que integra o Ministério Público Federal, e pelo Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), que compõe o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais.

No documento, as instituições se posicionam veementemente contra a supressão das cotas raciais, conforme pretende a proposição legislativa protocolada no plenário da Câmara dos Deputados em  13 de março. De autoria da deputada federal Dayane Pimentel (PSL/BA), o projeto legislativo pretende revogar a Lei nº 12.711/2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Na prática, a medida suspende o acesso, via cotas, de negros e pardos a instituições públicas de ensino.

A Nota Técnica da PFDC e do GNDH ressalta ao Congresso Nacional que o princípio da igualdade estabelecido pela Constituição Federal em seu art. 3º – ao vedar os preconceitos de raça, sexo, cor, idade, e outras formas de discriminação – não pode ser visto como um empecilho para a instituição de medidas que favoreçam grupos e segmentos que são costumeiramente discriminados.

“A Constituição de 1988 insere-se no modelo do constitucionalismo social, no qual não basta, para observância da igualdade, que o Estado se abstenha de instituir privilégios ou discriminações arbitrárias. Pelo contrário, parte-se da premissa de que a igualdade é um objetivo a ser perseguido através de ações ou políticas públicas, que, portanto, demanda iniciativas concretas em proveito dos grupos desfavorecidos”.

De acordo com a Nota Técnica, a própria Constituição consagrou expressamente políticas de ação afirmativa em favor de segmentos sociais em situação de maior vulnerabilidade.  É neste sentido que o legislador brasileiro, nas diversas esferas da federação, vem promovendo inúmeras políticas de ação afirmativa em favor de grupos mais vulneráveis ou estigmatizados – em áreas variadas, como acesso ao mercado de trabalho e às candidaturas nas eleições proporcionais, por exemplo.

No campo da educação superior, diversas instituições públicas de ensino adotam atualmente políticas de ação afirmativa para favorecer o acesso a integrantes de grupos desfavorecidos. Essa orientação, inclusive, foi estabelecida no Plano Nacional de Educação, instituído pela Lei nº 10.172/01, que previu a necessidade de criação de “políticas que facilitem às minorias, vítimas de discriminação, o acesso à educação superior, através de programas de compensação de deficiências de sua formação escolar anterior, permitindo-lhes competir em igualdade de condições nos processos de seleção e admissão a esse nível de ensino”. 

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e o Grupo Nacional de Direitos Humanos destacam ainda aos parlamentares que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADPF 186, reconheceu, por unanimidade, a constitucionalidade da política de cotas étnico-raciais para ingresso nas universidades públicas – entendimento que, inclusive, foi ratificado em ação que tramitou na Corte acerca de cotas em concursos públicos.

Alcance da igualdade

No documento, a PFDC e o GNDH esclarecem que tratar as pessoas como iguais pressupõe muitas vezes favorecer, por meio de políticas públicas, aquelas em situação de maior vulnerabilidade social. Assim, os poderes públicos passam a ter o dever de intervir nas relações sociais, a partir de políticas que objetivam assegurar a todos a igualdade de oportunidades no acesso aos bens essenciais.

“Desse modo – a partir da constatação da insuficiência da igualdade em direitos para a concretização da igualdade de oportunidades –, impõe-se a criação de mecanismos de ação positiva, de tal modo que a desequiparação torne-se instrumento a serviço do princípio da igualdade para correção de desigualdades precedentes. Em poucas palavras, recorre-se a uma desigualdade de direitos para corrigir desigualdades fáticas, diante da insuficiência da igualdade meramente formal para estabelecer a participação proporcional dos grupos nas diferentes esferas da vida social”.

As instituições ressaltam, ainda, que as políticas de ação afirmativa no ensino público superior vêm sendo implementadas há mais de quinze anos no Brasil e que têm gerado resultados extremamente positivos, ampliando o acesso à universidade pública de estudantes de camadas excluídas da população e pluralizando, com isso, o corpo discente dessas instituições, sem qualquer prejuízo para a qualidade do ensino ou para o rendimento dos alunos.

Indicadores

Apesar de representar a maioria numérica da população brasileira, os negros apresentam os piores índices de analfabetismo, de escolaridade, de remuneração salarial e de acesso à educação básica e superior.

Quanto ao analfabetismo, o Censo 2010 indicou que enquanto o percentual entre brancos era de 5,9%, entre os pretos, o total atingia 14,4% e, entre os pardos, 13%. No que se refere ao acesso ao ensino superior, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes à proporção dos estudantes entre 18 e 24 anos que frequentavam essa etapa de ensino revelam que, em 2004, o percentual de negros cursando faculdade era de 16,7%, tendo saltado para 45,5% em 2014 – dois anos após a implementação da lei de cotas. Já em relação aos estudantes brancos, em 2004, 47,2% frequentavam faculdades, percentual que aumentou para 71,4%, em 2014.

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